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Mudanças climáticas ameaçam indústria e preocupam montadoras

Presidente da associação dos fabricantes de veículos, Luiz Carlos Moraes avalia tendência do setor após crise causada por guerra e pandemia

Entrtevista Anfavea

Presidente da Anfavea prevê que 30% da frota vendida em 2035 será elétrica ou híbrida | Foto: Getty Images

Após três anos à frente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Luiz Carlos Moraes avalia a cadeia global do mercado de automóveis como frágil e cada vez mais suscetível a problemas relacionados às mudanças climáticas.

Para ele, que deixa a presidência da entidade no fim de abril, as crises desencadeadas com a pandemia de covid-19 e o início da guerra na Ucrânia mostraram gargalos mundiais da indústria, que depende da importação de componentes – como os semicondutores, cuja normalização deve começar somente em 2023.

Em entrevista a O Especialista, Moraes afirma que o aquecimento global tem gerado prejuízos, com o fechamento de plantas industriais e perdas de bens, além de atrasar os processos logísticos.

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“Há atraso de frete, falta de contêineres e interrupção de produção, e os eventos climáticos estão acontecendo com maior frequência e interferem na produção”, diz o presidente da Anfavea. “Nos semicondutores, tivemos nevasca numa fábrica na região do Texas (EUA), falta de água em Taiwan, incêndios numa fábrica do Japão, variáveis que poderão acontecer com mais frequência”.

Para o Brasil, a Anfavea prevê que 30% da frota vendida em 2035 será elétrica ou híbrida. A estimativa é que daqui a 13 anos haja 2,6 milhões veículos no País com algum grau de eletrificação.

Para isso, a Anfavea prevê que serão necessários R$ 14 bilhões em investimentos em infraestrutura para, por exemplo, implementar ao menos 154 mil pontos de recarga de veículos elétricos nas rodovias brasileiras.

Moraes destaca a importância do setor público acelerar reformas, como a tributária, para que o País não saia do mapa de investimentos de grandes montadoras, como no caso da Ford, que continua a desenvolver projetos, mas deixou de produzir automóveis em solo brasileiro.

“O modelo de negócio tradicional está mudando, até porque o consumidor também está mudando. O Brasil não pode ficar fora dessa mudança. Defendemos muito a reforma tributária e a redução do Custo Brasil para que o País se torne atrativo para os investimentos. O Brasil está no radar das montadoras, mas também precisa fazer sua lição de casa”, afirma.

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O Especialista - Com a pandemia e a guerra na Ucrânia, o que muda na indústria automotiva no Brasil?

Luiza Carlos Moraes - A crise sanitária trouxe uma crise na cadeia global de produção, com probleas de logística e falta de semicondutores, que persiste até hoje. Temos um desafio enorme de fazer a gestão da logística. Ainda temos paradas de produção por falta de componentes, falta de contêineres, que dificultam a programação da produção. Estamos trabalhando com a projeção de produção de 2,460 milhões unidades este ano no Brasil, um crescimento tímido em relação ao ano passado, de 9%, mas com desafios importantes na cadeia. Temos um outro elemento que é a guerra e que pode afetar a cadeia de produção, agravando a inflação e trazendo custos adicionais. Esperamos um crescimento, mesmo que moderado, em relação ao ano passado. O retorno do setor automotivo aos níveis antes de 2019 vai demorar talvez mais dois anos.

Houve aprendizados para as fabricantes especificamente com a crise sanitária?

O País percebeu o quão frágil é a cadeia global de produção. Temos agora novamente a covid na China, que está fechando Xangai, onde fica o maior porto do mundo. Em crises com essas dimensões temos atrasos de frete, falta de contêineres, interrupção de produção. E para complementar, eventos climáticos estão acontecendo com maior frequência e interferem na produção. Nos semicondutores nós tivemos nevasca numa fábrica na região do Texas, nos EUA, falta de água em Taiwan, incêndios numa fábrica do Japão. Isso são variáveis que poderão acontecer com mais frequência.

Há risco de outras gigantes como a Ford seguirem o mesmo rumo e deixarem o Brasil?

O setor automotivo passa por uma transformação tecnológica relevante, que envolve a questão ambiental, segurança veicular e eletrificação. As montadoras precisam planejar novos investimentos e, inclusive, considerar parcerias com concorrentes. Exemplo disso é a Honda com a General Motors, que estão desenvolvendo uma plataforma conjunta em veículos pesados. A Volvo e a Mercedes estão trabalhando em desenvolvimento de célula de combustível. Vemos projetos para implementar a infraestrutura de pontos de recarga de veículos elétricos. Estamos nessa transformação em direção ao veículo com zero emissão nos próximos anos e, por isso, os investimentos são muito altos. Nem sempre o consumidor quer ter a propriedade do veículo. Tudo isso obriga as montadoras a revisarem seus planos de negócio. É desafiador fazer tudo isso e o Brasil não pode ficar fora dessa mudança. Por isso a Anfavea defende a reforma tributária e a redução do Custo Brasil, para que o País se torne atrativo para os investimentos. O Brasil está no radar das montadoras, mas também precisa fazer sua lição de casa.

Há uma projeção para que o mercado brasileiro de veículos se eletrifique?

O cenário mais conservador é de que pelo menos 30% dos carros vendidos em 2035 tenham algum grau de eletrificação, seja híbrido, com plug-in, ou elétrico. No cenário que chamamos de convergência global, essas opções serão mais de 60% dos veículos novos em 2035. Para esses cenários de eletrificação, a estimativa é de que são necessários pelo menos 154 mil pontos de recarga nas rodovias do Brasil. E isso significa um investimento de R$ 14 bilhões em infraestrutura. A indústria vai conversar com parceiros como postos de abastecimento, companhias de energia elétrica e concessionárias de estradas sobre essa expansão.

Com compartilhamento de carros e a locação aumentando, qual será a tendência nessa década? As pessoas vão preferir compartilhar veículos?

A frota de locadoras no Brasil já atinge aproximadamente mais de 1 milhão de veículos. Trabalhamos com a possiblidade de vender 400 mil veículos novos neste ano, no mínimo, para a renovação das frotas das locadoras. O mercado de locadoras tem frota para atender o varejo e também para atender empresas que não querem mais ter frota própria. O carro por assinatura também ganha adeptos gradativamente. A Anfavea está monitorando para quantificar isso em impacto de produção de vendas no Brasil.

Qual é o balanço que faz dos três anos à frente da entidade?

O grande aprendizado foi ajudar as empresas a cuidar e criar protocolos de saúde, pensando nos trabalhadores do nosso setor. Durante a pandemia, fabricantes de veículos ajudaram a produzir e manter respiradores. Isso mostra o quanto o nosso setor é importante no aspecto social. O estudo sobre a infraestrutura para a eletrificação da frota brasileira de veículos é um dos legados da atual gestão. Não vai ser resolvido no ano que vem, mas aponta cenários para fazer com que o Brasil tenha nos próximos anos uma frota que polua menos.

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