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Brasil tem muito a ganhar com emissão zero e redução do desmatamento, diz Levy

Às vésperas da COP-26, ex-ministro Joaquim Levy diz que empresas chegam a Glasgow com propostas mais ambiciosas que o governo

Levy

Para Joaquim Levy, o Brasil deveria ter como meta reduzir o desmatamento no mínimo aos níveis de dez anos atrás | Foto: Getty Images

O ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do BNDES e ex-secretário do Tesouro Nacional Joaquim Levy, diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra, diz que o Brasil condições de “caminhar rapidamente para uma economia de emissões zero com grandes benefícios”, de acordo com a urgência que o tema do aquecimento global tem despertado entre os líderes ocidentais.

A menos de uma semana do início da COP-26, a Conferência do Clima da ONU que acontece em Glasgow, na Escócia, Levy afirma que o empresariado brasileiro chegará ao encontro com ambições mais verdes e maiores do que o próprio governo, tendência que ele identifica também em outros países.

Levy integra o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS, associação civil sem fins lucrativos fundada por grandes empresários brasileiros inspirados nas discussões da Cúpula do Rio 1992) e tem viajado o país para verificar in loco iniciativas empresarias verdes, como as da chamada agricultura de baixo carbono.

Ele diz que investidores internacionais estão atentos a métricas, e que o Brasil deveria trazer os níveis de desmatamento na Amazônia para os valores medidos em 2012, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aferiu cerca de 4,5 mil quilômetros quadrados de floresta desmatada.

Em 2019 e 2020, o número encostou nos 11 mil quilômetros quadrados de perdas e atraiu intensas críticas internacionais e questionamentos à política ambiental de Jair Bolsonaro, que paralisou demarcações de terras indígenas e de reservas ambientais.

Defensor histórico da austeridade fiscal e egresso da mesma Escola de Chicago que formou o ministro da economia Paulo Guedes, Levy concedeu entrevista à BBC onde também comenta sobre a situação fiscal do País.

Para Levy, a discussão não é sobre a regra fiscal, mas sobre como se tenta fazer mudanças duras nos ramos do país sem informar e conscientizar a população de seus objetivos finais. Segundo ele, os políticos brasileiros ainda não entenderam que “o povo não gosta de populista, o povo gosta de ver os resultados”.

Parece existir uma mudança forte de mentalidade globalmente em relação à necessidade de combater as mudanças climáticas. Enquanto isso, nos últimos três anos o Brasil chegou a negar o problema e tem sido acusado de fazer pouco, especialmente em relação ao desmatamento. O Brasil está perdendo o bonde da história?

Joaquim Levy – A questão climática é existencial, as evidências disso vêm se acumulando. O que chama atenção aqui e ao redor do mundo é que nós vemos a sociedade, o setor privado e as empresas, às vezes, com uma ambição e uma atividade mais intensa do que os próprios governos (para combater o aquecimento global).

Então, por exemplo, na Europa você tem um mercado regulado de carbono. Nos Estados Unidos, não tem, mas por outro lado, você tem muitas empresas que estão procurando se posicionar no mercado voluntário, se comprometendo com metas de descarbonificação, etc.

No Brasil também é bem claro que muitas empresas têm andado mais rápido do que o governo e o ambiente político como um todo. Eu acho isso muito positivo. Inclusive, em Glasgow, a gente deve ter um contingente muito forte de empresas brasileiras comprometidas com o meio ambiente. O Brasil é um país muito diversificado mas tem um movimento cada vez mais forte da atenção ambiental inclusive no agronegócio, onde existem algumas clivagens ainda, a gente não deve esconder as coisas como são.  Há grupos bastante fortes no agronegócio que estão bem conscientes da importância climática e também da importância da proteção de Amazônia.

Essa movimentação do empresariado brasileiro, inclusive em Glasgow, é uma preocupação com possíveis sanções internacionais aos produtos do Brasil?

As empresas brasileiras, principalmente o setor mais exposto ao comércio internacional, entende as expectativas dos nossos parceiros e dos nossos investidores, além das demandas internas que existem para a conservação da Floresta Amazônica e de novas técnicas de agricultura de baixo carbono. O setor agropecuário tem se manifestado de uma maneira cada vez mais atenta e criando programas que talvez há quatro, cinco anos atrás ninguém pensasse que seria possível. A gente encontra parcerias com governos subnacionais para fazer rastreamento de animais, ter certeza que a carne brasileira não está maculada pelo desmatamento.

Às vezes não é fácil fazer isso, tem que ter muita persistência, mas as empresas estão fazendo isso e nós temos governos (estaduais) que estão cooperando, inclusive porque aqui no Brasil a gente tem ferramentas que permitem muita coisa. É óbvio que um animal que é exportado, ele é controlado, ele tem guias de saúde, de transporte. Então você tem que incorporar isso também para ter certeza que não tem nenhuma violação das leis de desmatamento do Brasil.

Recentemente, o Congresso dos EUA debate um projeto de lei pra proibir importação de carne bovina que possa ter passado por área de desmatamento, o que afetaria o Brasil. A Europa trabalha com o mesmo arcabouço legal. Há uma percepção de que o risco de sanção é alto?

Todo importador gosta de transparência. Então é evidente que, às vezes, quando você não tem fluxo de informação que reflita a própria realidade, você às vezes tem essas ações. Mas o objetivo do Brasil é ter uma produção que tenha conformidade com os padrões. E aí cada país tem o direito de impor um padrão na sua importação que achar conveniente. A gente não deve esperar histerismo, acho que tem que ter um certo cuidado.

O Itamaraty tem reconhecido que o Brasil tem um problema de imagem internacional negativa no aspecto ambiental. E parece haver uma preocupação de que isso esteja afugentando os investidores. O senhor vê desconfiança dos investidores em relação ao Brasil?

Eu acho que os investidores têm dado certas indicações do que lhes daria maior conforto (em investir no Brasil). Quem é investidor gosta de métrica, e existem algumas que são bem precisas.

Por exemplo, tem uma variável bastante conhecida que é a área desmatada por ano no Brasil. Essa área aumentou. É óbvio que isso cria um desconforto e alguns investidores dizem ‘bom, olha, eu acho ótimo ter todos os esforços (anunciados de combate ao desmatamento), mas a gente precisa ver resultados’.

E eu acho que nessas coisas a gente tem que ter uma diplomacia de resultados. Será importante para o Brasil voltar a baixar os níveis de desmatamento pelo menos para o patamar que já tivemos há dez ou oito anos atrás, quando tínhamos um desmatamento de quatro mil quilômetros quadrados por ano, que já é bastante, mas dada a Amazônia, é um número mais razoável. Ou seja, (bem abaixo do) número de 10 ou 11 mil quilômetros quadrados atuais. Eu tenho o entendimento que o próprio governo está tentando reduzir, a questão é com que intensidade essa redução vai ser alcançada pra gente atender às expectativas internas e externas. Esse é o desafio que se coloca.

Há um entendimento hoje bem espalhado de que você pode aumentar a produção tanto de carne quanto de grãos sem nenhum desmatamento, meramente intensificando a produção da carne, integrando a produção da carne com a produção de grãos, fazendo a rotação de áreas, que são atividades que na verdade são lucrativas e sustentáveis, acumulam carbono no solo e evitam o desmatamento.

Dada a percepção de que não é preciso desmatar para produzir mais e melhor, a quem interessa e como a gente pode explicar o alto nível de desmatamento atual?

Esse desmatamento é ilegal e para combater tem que fazer um esforço. Num certo momento, perdeu-se um pouco o ritmo desse esforço para coibir os desmatamentos ilegais e a venda de produtos de áreas desmatadas. Há mais de dez anos a gente tem aquele acordo, a moratória da soja (compromisso entre agricultores, ambientalistas e o governo que proíbe compra da soja plantada em área desmatada), que tem se mostrado muito efetiva e não tem atrapalhado o crescimento do Brasil. O Brasil tem produzido mais soja sem desmatar na Amazônia, tem dez anos que isso funciona.

Seria a hora de uma moratória da carne?

Ela já está acontecendo. Aí também tem uma diferença entre grandes e pequenos produtores. Às vezes, o pequeno produtor faz caminhos mais informais em que esse controle é menor, mas na medida em que os Estados também já estão se aparelhando para fazer esse tipo de monitoramento, isso está começando a evoluir.

E outro ponto importante é a questão fundiária, porque às vezes a pessoa desmata nem mesmo para produzir carne. Ela ocupa a terra com a pecuária mas o objetivo final dela é eventualmente vir a se candidatar a regularizar uma terra que ela vem ocupando de uma maneira ilegal.

Aí também há uma série de mecanismos que estão começando a ser postos em prática, inclusive com a designação de algumas áreas públicas como reserva legal. Semana passada, aliás, o estado do Pará, por exemplo, designou uma nova reserva de conservação, a São Benedito (o Refúgio de Vida Silvestre dos Rios São Benedito e Azul, nos municípios de Jacareacanga e Novo Progresso) e com isso fica muito claro que aquela não é uma terra vazia, uma terra que está ali para ser ocupada, para quem chegar, pegar.

O senhor citou exemplos de políticas estaduais. No âmbito federal, o governo paralisou a demarcação de terras indígenas e de reservas ambientais. É uma decisão equivocada?

Eu acho que toda política tem um ritmo de altos e baixos, isso é natural numa democracia. Evidentemente todo mundo vai aplaudir se o governo federal — ou muita gente vai aplaudir — se o Governo Federal vier a tomar alguma decisão de colocar terras em proteção ambiental.

Mas eu acho que não existe uma só solução para esse problema e se tivermos sucesso nesse novo movimento de intensificação de uso e melhoria dos pastos, a gente chegará a um novo patamar. Até porque o objetivo no médio prazo tem que ser você diminuir drasticamente as emissões de metano ou compensá-las com acúmulo de carbono no solo. Então, se você tem uma intensificação das pastagens que permite liberar áreas para regeneração natural assistida, quando você faz um balanço (de impacto climático) de uma fazenda você começa a ter uma situação muito mais estável pelo menos por 20 ou 30 anos, o período mais crítico para a gente chegar a uma economia de emissões zero, o que permite à pecuária ficar muito mais sustentável. Isso é o que a Austrália e outros países vêm defendendo, o problema da pecuária não é único no Brasil.

O que o Brasil deveria apresentar na COP em termos de métricas?

Em relação ao desmatamento, qualquer trajetória de redução é bem-vinda. A trajetória é o que todo mundo gosta. Quando trabalhei tanto no governo quanto no Banco Mundial ou em empresas privadas, a gente sempre queria ter trajetórias para apresentar, que dá para os investidores um guia, um senso de localização. Então a meta às vezes a gente consegue alcançar, às vezes fica um pouquinho atrás mas é uma demonstração de que a gente está destinando os nossos esforços num dado caminho. Então acho que qualquer sinalização nesse sentido sempre é muito positiva.

O ministro Paulo Guedes anunciou um investimento em torno de US$ 2 bilhões para impulsionar o crescimento verde. É o que outras economias desse tamanho têm feito?

O que eu posso dizer é que no Brasil, tenho feito uns tantos estudos, a gente tem como caminhar rapidamente para uma economia de emissões zero com grandes benefícios.

No Brasil, a gente pode ser mais ambicioso em relação à eletrificação. Se você reparar já tem alguns investidores estrangeiros que querem aproveitar a nossa capacidade de geração elétrica sustentável ou renovável até para produzir hidrogênio, para exportar hidrogênio. A gente conseguiria fazer uma eletrificação da nossa frota de automóveis com bastante conforto porque o potencial de geração eólica e solar é da ordem de quatro a cinco vezes o que a gente tem hoje de capacidade instalada.

A economia brasileira hoje já é talvez a economia com a pegada de carbono mais baixa do mundo se você considerar emissões fósseis por população ou por PIB. O que a gente tem que fazer é obviamente aproveitar essa vantagem competitiva para investir, criar emprego. A mensagem de todos os empresários que estão aí é: ‘vamos focar no que a gente tem que fazer e desenvolver as coisas em que a gente pode liderar’.

Nós temos vantagens em muitos setores, alguns até não muito reconhecidos. Ao redor do mundo tem um pouco de incompreensão em relação ao etanol, mas o etanol é positivo e não vai ficar preso ao motor de combustão interna, não. Já está havendo investimento e discussão de parceiros estrangeiros para usar o etanol no motor elétrico. Você transforma etanol em hidrogênio, depois usa a célula do motor elétrico inclusive de uma maneira muito mais eficiente do que você produzir e tentar transportar hidrogênio que é muito difícil.

O senhor foi um dos maiores defensores de redução dos gastos públicos no país e apanhou muito por causa disso. Como o senhor vê agora essa perspectiva da mudança da regra para furar o teto?

A preocupação do mercado se justifica porque muitas regras foram sendo mudadas e, às vezes, é difícil de entender quais as prioridades que estão ali.

A questão fiscal tem que ser sempre entendida no seu conjunto. Não adianta eu querer mudar uma regra depois querer mudar outra. Isso só cria incerteza, então a situação do Brasil eu acho que a gente vai ter que pensar o que a gente quer como proposta fiscal, olhando para frente. Nós temos alguns elementos que são robustos mas flexíveis como, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em que você procura um equilíbrio entre receitas e despesas de tal maneira que a dívida não cresça excessivamente.

De modo mais geral, precisa de duas coisas. Primeiro, uma priorização de gastos para melhora da qualidade de gasto, maior transparência de gastos. Isso você consegue com programas bem desenhados. Eu acho que uma lição importante no Brasil é que políticas mais personalistas ou clientelistas tipicamente são menos eficientes.

Então, por exemplo, se você quer proteger uma cidadezinha num estado pobre, não é mandando dinheiro pra lá ou fazendo uma obrinha aqui, uma obra acolá que você faz isso. Nossa experiência nos últimos anos mostra que é desenvolvendo projetos que são sistemáticos, que tem governança e que acabam sendo inclusive sustentáveis. Aqui no Brasil, como que a gente enfrentou momentos de dificuldades? A gente tem o sistema do SUS, você tem o médico da família, todas essas coisas são absolutamente impessoais e é bom porque muda de um governo para o outro mas aquilo continua funcionando.

Então acho que toda a discussão fiscal tem que ser vista com quais os objetivos do governo, que tipo de mecanismo eu quero ter para garantir essa isonomia, essa impessoalidade, essa continuidade das ações. Então, talvez parte da preocupação do mercado hoje é entender se isto continua sendo a regra, essa racionalidade em que o Brasil avançou bastante nos últimos anos, se nós vamos continuar a ter isso. Porque essa é a única maneira de você, com os recursos que você dispõe, você conseguir realmente entregar as coisas e começar a melhorar a vida das pessoas.

O melhor exemplo é o Bolsa Família. O Bolsa Família custa 0,5% do PIB, afeta a vida de 50 milhões de pessoas,tem participação em todos os municípios, e quase 70% das pessoas que já passaram pelo Bolsa Família saíram do Bolsa Família, encontraram emprego, estão trabalhando. Por quê? Porque é uma política desenhada com bases sólidas, com bases racionais, não é de curto prazo, não é para ganhar uma eleição.

Continuar nesse caminho é muito importante. Em última instância, é isso que também dá tranquilidade até ao próprio mercado, porque tem certeza que a gente tem programas bem estabelecidos, programas que são perenes. Isso significa que a gente vai continuar melhorando (o social) sem ter choques no orçamento. Então acho que a discussão do teto tem que ser feita dentro de quais os objetivos das políticas sociais, quanto vai requerer de dinheiro e qual é a nossa estratégia tributária de tal maneira que o que eu vou estabelecer realmente me garanta esse equilíbrio fiscal de médio prazo.

Como o senhor espera que vá reagir a economia brasileira diante do aumento dos gastos públicos, inflação em alta e aumento nos juros? Há risco de recessão no ano que vem?

Nós estamos projetando algo na faixa de 1% de crescimento para o ano que vem e um crescimento relativamente modesto, mas acho que todas as economias mundiais vão ter um pouquinho de ressaca o ano que vem. Esperamos que a gente supere as dúvidas e incertezas fiscais porque eu acho que isso é fundamental para você ter decisões de investimento e com isso acelerar a recuperação do emprego. Hoje o principal é acalmar um pouco o jogo, realmente resolver essa questão mais premente do Bolsa Família, dar garantia às famílias mais vulneráveis no tamanho que for. E com isso criar um ambiente favorável ao investimento privado para manter uma taxa de crescimento. E com maior tranquilidade, mais confiança, o próprio dólar recua, o real também se aprecia, e diminui um pouquinho a pressão sobre os preços.

De modo mais geral, o Brasil precisa de duas coisas. Primeiro, uma priorização de gastos para melhora da qualidade de gasto, maior transparência de gastos. Isso você consegue com programas bem desenhados. Eu acho que uma lição importante no Brasil é que políticas mais personalistas ou clientelistas tipicamente são menos eficientes. O povo não gosta de populista, o povo gosta de ver os resultados.

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