Giannetti alerta para risco fiscal e diz que país está numa encruzilhada
Filósofo e economista Eduardo Giannetti fala das perspectivas para a economia na série Cenários, promovida pelo Safra em parceria com o Estadão
07/12/2021O filósofo e economista Eduardo Giannetti alerta para os riscos econômicos decorrentes da crise do coronavírus. Segundo ele, o temor fiscal é grande no Brasil e também no mundo.
“Estão mexendo de maneira casuística no indexador do teto de gastos, com uma PEC dos Precatórios que institucionaliza o calote e gera muita incerteza sobre os gastos públicos. Após guinada populista política com o centrão, o governo faz agora uma guinada populista fiscal”, afirmou.
Giannetti destaca que o real se desvalorizou 30% desde a pandemia, em um momento em que as comodities se valorizaram. A causa, segundo ele, é a falta de credibilidade do governo e a incerteza fiscal. Além dos juros muito mais altos que no resto do mundo.
“Com a âncora fiscal, os juros haviam caído, mas agora, com a desvalorização cambial e incerteza fiscal, um por cento a mais na taxa Selic gera um gasto adicional de R$ 34 bilhões, o que significa um Bolsa Família a cada um por cento adicional de juros sobre o estoque de dívida, que cresceu enormemente .
Para Giannetti, o calote dos precatórios não era necessário: “Tem as emendas do relator, que representam R$ 16 milhões, os supersalários que estão acima do teto legal e ninguém sabe informar quanto representam”.
Eduardo Giannetti alerta para o risco de estouro da bolha financeira da pandemia
“A massa brutal de recursos para atenuar os efeitos da crise do coronavírus em diferentes países gerou uma grande volume de dinheiro investido em títulos públicos”, afirma ele. Segundo ele, entre os ativos muito inflacionados estão ações, dívidas de empresas, imóveis, criptomoedas e startups.
O aumento dos juros no futuro, segundo ele, pode levar a risco de estouro dessa bolha financeira.
Eduardo Giannetti foi entrevistado pela jornalista Sonia Racy na live da série Cenários, promovida pelo Banco Safra em parceria com o Estadão. A entrevista teve transmissão ao vivo pelo canal do banco, no YouTube.
Formado pela USP, Eduardo Giannetti é Phd em Economia pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Segundo ele, um dos efeitos da pandemia deve ser uma revisão do processo de hiperglobalização, que levou a uma grande concentração da produção de determinados produtos em poucos países e poucos fornecedores.
Pandemia põe hiperglobalização em xeque
“O processo de globalização, que traz vantagens de ganhos de ineficiência e ganhos de escala, revelou uma vulnerabilidade que não era explícita antes da crise da covid”, disse Giannetti. “Com a concentração elevada, problemas locais se tornam globais, isso emergiu na pandemia”.
Sobre a perspectiva para o ano que vem, Giannetti diz que vê o Brasil diante de uma encruzilhada nas eleições de 2022. “Ou o país retoma o bom momento e recupera a responsabilidade na gestão pública, ou vamos de fato perder uma geração”.
Ele critica o que chama de “descalabro do últimos anos”, período em que inclui os governos Dilma e Bolsonaro.
“A percepção geral é a de que o Brasil está sem âncora fiscal, e a tentação populista sobre a política monetária representa um grande risco”, afirma.
O que protege o país, segundo ele, é que a população adquiriu uma intolerância com a inflação.
“Grandes crises, guerras e desastres naturais, ou quaisquer situações muito dramáticas para a coletividade, levam sempre a um aumento do tamanho do Estado”.
Brasil está diante de uma encruzilhada em 2022
Para o economista e filósofo, o Brasil está diante de uma encruzilhada e o resultado vai ser determinante para várias gerações.
“O brasil viveu um processo muito complicado de polarização, e houve uma descontinuidade no que vinha sendo a política brasileira a redemocratização. A vitória de um candidato completamente de fora das grandes forças políticas como o Bolsonaro significou o fim de um ciclo”.
Ele analisa que as três grandes forças de oposição gestadas durante o regime militar foram testadas na redemocratização. Primeiro o PMDB, com Sarney, depois o PSDB, com Fernando Henrique Cardoso, e por fim o PT, com Lula e Dilma.
“Os três grandes grupos políticos que se formaram durante o regime limitar foram testados numa sucessão. Com a vitória de Bolsonaro, o País tem um acontecimento novo, que é a eleição de alguém que vê com bons olhos o regime militar e que nega a política estabelecida no Brasil”.
“O deputado Jair Bolsonaro sempre foi estatizante, corporativista e sempre defendeu propostas contrárias ao liberalismo”, comenta Giannetti, lembrando que o ´residente passou a adotar o discurso liberalizante pouco antes da eleição.
“Um dos únicos dois projetos do ex-deputado foi a proposta da pílula do câncer. Isso mostra a falta de apreço pela ciência e pela racionalidade”, comenta.
Bolsonaro iludiu mercado financeiro e empresariado descontente com Dilma
“Bolsonaro iludiu boa parte do mercado financeiro e do empresariado que estava desconsente com o governo Dilma”.
Para Giannetti, os poucos avanços no país foram a Reforma da Previdência, que já estava encaminhada e teve protagonismo do Congresso, e os marcos regulatórios de saneamento, ferrovias e portuário. “A área da infraestrutura é uma das poucas onde alguma coisa boa aconteceu”.
“O Banco Central independente também foi um avanço, o que nos diferencia da Argentina e da Turquia”, afirmou.
“O que não me conformo é com a Reforma Tributária. Eles nunca apresentaram uma proposta, abandonaram a proposta que já estava no Congresso, inventaram essa maluquice de voltar com a CPMF, não fizeram nada”.
A proposta de reforma do Imposto de Renda também acabou abandonada, lembra ele. E a reforma administrativa se perdeu. “Mas o pior e com mais potencial de dano é o desmonte das instituições fiscais construídas a duras penas pelo Brasil”, afirma.
Filósofo e economista é candidato a uma vaga na Academia Brasileira de Letras
Giannetti é candidato a uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL). “A algum tempo em fui sondado se estaria disposto a participar. Inicialmente achei que era prematuro, mas quando vieram de novo eu me senti apto e disposto a participar”, disse.
“Estou interessado neste momento porque eu sempre fui identificado como economista, mas a minha atividade principal e criativa de trabalho é a filosofia. Já escrevi mais de dez livros e pretendo no momento direcionar mais a minha atividade para a filosofia e literatura. Por isso acho que faz sentido pertencer a uma organização tão prestigiada como a ABL”.
Ele revelou que está escrevendo um novo livro sobre filosofia, “talvez o mais filosófico e reflexivo que já escrevi”.