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Conta de emissão de gases de efeito estufa prejudica o Brasil

Estudo de pesquisadores da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas denuncia viés que prejudica o Brasil na contabilidade climática do IPCC

emissão de gases estufa

Viés contábil cria ônus ambientais diferentes para países petroleiros e países agropecuários, afirmam autores do estudo | Foto: Getty Images

Um estudo publicado no boletim Agroanalysis da Fundação Getúlio Vargas (FGV) destaca a existência de um viés na contabilização das emissões de gases do efeito estufa (GEE) que beneficia países produtores de petróleo e prejudica países produtores de alimentos.

No caso do petróleo, quem responde prioritariamente pelas emissões de gases de efeito estufa são os países do final da cadeia – ou seja, quem consome o produto. Na produção de alimentos, quem responde pela maior parte da cota de emissões são os países produtores.

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O estudo ‘Contabilidade climática enviesada’ foi elaborado pelos professores Daniel Vargas e Luis Gustavo Barioni. Daniel Vargas é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGVEESP) e coordenador do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da FGV. Luis Gustavo Barioni é pesquisador da Embrapa Agricultura Digital.

Segundo o estudo, a contabilidade climática organizada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) e executada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, também em inglês) carrega um viés de origem: ela beneficia países produtores de petróleo e prejudica países produtores de alimentos.

Exemplos da diferença na contabilidade climática

O estudo cita exemplos para ilustrar a diferença na contabilidade climática entre os países:

  • Um país extrai o petróleo do fundo do mar, o outro refina, um terceiro constrói o motor do carro e um quarto usa o carro no transporte. Quem responde prioritariamente pelas emissões de gases do efeito estufa (GEE)? O país que está na ponta final e “consome” o petróleo.
  • Um país planta soja, o outro esmaga, o terceiro produz óleo e o último consome o alimento na mesa de jantar. Quem responde, nesse caso, pela maior parte da cota de emissões de GEE da cadeia alimentícia? O país que está na origem, que
    “produz” a soja.

A diferença de tratamento entre países produtores de petróleo e países produtores de alimentos ainda é pouco compreendida ou debatida no mundo, segundo os autores. As consequências da diferença “pró-petróleo”, contudo, tendem a ser cada vez mais relevantes à medida que o mundo avança na implementação dos acordos climáticos.

Em Paris, em 2015, todos os países do mundo comprometeram-se a fixar metas nacionais, inventariar emissões e submeter seu inventário ao órgão do clima da Organização das Nações Unidas (ONU) bienalmente para revisão e registro. A partir de Glasgow, em 2021, esse inventário técnico começou a ter um preço: deixou de ser apenas um compromisso “moral”, como se costuma dizer, e passou a ter um preço econômico nas relações de troca de carbono.

Os efeitos do privilégio às petroleiras – e do preconceito contra a produção de alimentos – tendem, a cada novo dia, a se tornar mais claros e mais consequenciais, segundo o estudo. Quem “tira o petróleo do chão”, na contabilidade do clima, emite pouco e, portanto, tem menos a se preocupar. Quem prepara a terra para produzir comida para o mundo é inimigo pesado do clima e deve ser combatido com firmeza.

Como exatamente entender essa diferença de tratamento?

O princípio básico do IPCC para definir a atribuição das emissões é aparentemente simples: as emissões devem ser computadas no local em que são produzidas. Em outras palavras, no local em que os GEE são emitidos para a atmosfera.

No caso da energia, o IPCC considera que a emissão de carbono ocorre, principalmente, no momento da queima do combustível.

Na cadeia de alimentos, ocorre o contrário: quem é responsável prioritariamente pelas emissões, segundo o IPCC, é o país que produz a comida.

Brasil produz soja, que é esmagada na China para produção de farelo, antes de virar óleo de soja no Japão, revendido
para consumo do cidadão da Índia. Como se contabiliza qual cota-parte fica com cada país? O critério é a sede territorial da emissão. No caso, é o Brasil, ao mexer na terra, preparar o solo, plantar e colher a comida, que assumirá, no seu inventário, a maior parte da carga de carbono gerada na cadeia de alimentos.

A China e o Japão responderão pela fração de emissões correspondente ao processamento da soja. A Índia, ao consumir, não emite nada. Por quê? Para o IPCC, o consumo é neutro em emissões; o carbono exalado na respiração humana estaria em ciclo com o Planeta, sem gerar adição de gás carbônico na atmosfera.

Segundo os autores do estudo, ao desconsiderar as emissões da respiração humana, o IPCC inverte o raciocínio do sistema contábil para a produção de alimentos.

Eles defendem que os efeitos da contabilidade preferencial aos países produtores de energia suja são graves – e precisam ser questionados. Primeiro, o viés contábil da agenda climática cria uma fronteira aberta para “transferência” de responsabilidades dos ricos para os pobres. Parte da sujeira é jogada no colo do terceiro mundo, produtor prioritário de alimentos, ao mesmo tempo em que se alivia a pressão dos ricos, produtores ou dependentes de energia suja, sobre si mesmos.

Além disso, o viés contábil cria ônus ambientais diferentes para países petroleiros e países agropecuários. “São dois pesos e duas medidas – com consequências graves para o futuro do Planeta”, dizem os autores.

Eles defendem a necessidade de alterar os padrões contábeis, o que dependerá da capacidade da política de revelar as preferências injustificáveis do modelo.

“Há um valor adicional em questionar o regime contábil de emissões em vigor. Ao fazer isso, tornamo-nos um pouco mais capazes de enxergar o óbvio: quem causou o problema do clima e quem hoje obstrui a solução global para a descarbonização do Planeta não é, nem nunca foi, a vaca, a soja ou a galinha dos pobres. É o fóssil dos países ricos.”

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