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Crédito imobiliário atrelado ao IPCA e poupança perde espaço com juro e inflação

Linhas de crédito imobiliário lançadas em 2019 perdem fôlego com alta de juros e da inflação

vista de são paulo

Financiamentos imobiliários reajustados pelo IPCA fizeram sucesso por curto tempo e sofrem abalo da inflação e instabilidade | Foto: Getty Images

As linhas de crédito imobiliário pós-fixadas, atreladas ao indicador oficial de inflação (IPCA) e à caderneta de poupança, lançados com pompa em 2019, perderam fôlego, diante de juros e inflação em alta. O crescimento que parecia promissor nos primeiros dois anos teve curta duração.

Os financiamentos imobiliários reajustados pelo IPCA chegaram a movimentar R$ 1,2 bilhão por mês ao longo do ano passado. Com os chacoalhões da economia, esse volume caiu para o patamar de R$ 300 milhões no fim do primeiro semestre deste ano, conforme dados do Banco Central. E o viés é de baixa.

A autoridade monetária não tem dados específicos sobre linhas de crédito corrigidas pela poupança.

Modalidade de crédito imobiliário foi lançada em 2019

O lançamento da modalidade IPCA ocorreu em 2019, em cerimônia com a presença do presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e uma plateia repleta de líderes políticos e empresários do mercado imobiliário.

O banco estatal foi pioneiro na adoção da linha, com taxas na ordem de 3% a 5% ao ano, mais o IPCA. As linhas vigentes até então tinham juros perto de 8,5% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). Houve, portanto, redução considerável da parcela inicial para os consumidores, já que a inflação estava num patamar baixo, estimulando as compras e vendas de imóveis – embora em contratos de maior risco.

No ano seguinte, em 2020, foi a vez do lançamento do crédito imobiliário corrigido pela remuneração da poupança. Aqui, o pioneiro foi o Itaú Unibanco, logo seguido por outras instituições.

Modalidade corrigida pela poupança é considerada menos arriscada

Esta modalidade é considerada menos arriscada para os mutuários, uma vez que o reajuste pela poupança tem um limite, ao contrário da inflação. Basta lembrar da regra: se a Selic for menor ou igual a 8,5%, o rendimento da poupança será de 70% da Selic mais a TR. Se a Selic ultrapassar os 8,5%, o rendimento da caderneta trava em 0,5% ao mês mais TR.

“Entendemos que essas linhas vieram para ficar. Elas tiveram papel importante na diversificação dos produtos do mercado”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Filipe Pontual. “Mas é natural que, dependendo da conjuntura do momento, vão ter mais ou menos atratividade.”

Linha inovadora não teve grande procura

O presidente da consultoria Melhor Taxa, Paulo Chebat, afirma que o surgimento dessas linhas representou uma inovação, com novas possibilidades de financiamento de acordo com o perfil de cada consumidor. Mas a aderência nunca foi alta, de fato.

Enquanto a linha atrelada ao IPCA chegou a R$ 1,2 bilhão por mês em seu melhor momento, a modalidade tradicional, vinculada à TR, girou entre R$ 14 bilhões e R$ 17 bilhões por mês. “Diante da instabilidade macroeconômica, a maioria dos clientes prefere a maior previsibilidade da TR”, diz Chebat. “Como temos histórico de inflação e juros altos, os clientes entendem que essas linhas têm um risco maior.”

A materialização do risco agora será motivo de um acompanhamento com lupa por analistas. A dúvida é sobre os níveis de inadimplência daqui para frente nas carteiras pós-fixadas, uma vez que as dívidas pesarão mais no já pressionado orçamento das famílias.

Chance de estrago financeiro por inadimplência é remota

Embora haja o risco potencial de a inadimplência subir nas carteiras pós-fixadas de alguns bancos, a chance de isso causar estragos no sistema financeiro como um todo é remota, justamente porque essas linhas cresceram comparativamente pouco até então. “Hoje, o estoque de crédito atrelado ao IPCA é algo em torno de 2% do total de crédito imobiliário no sistema financeiro nacional. Ainda é uma exposição baixa”, dizem Hebbertt Soares e Juliana Cantero, diretores de finanças estruturadas da Fitch Ratings.

Em 2019, quando o crédito com IPCA foi lançado, havia grande expectativa de que os bancos fossem securitizar os recebíveis dos clientes, ampliando suas fontes de recursos. Mas isso também não decolou.

Do ponto de vista de análise de risco, ainda é preciso entender como essas carteiras se comportarão ao longo do tempo para dar mais segurança a investidores, dizem os profissionais da Fitch.

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Prestação fica mais pesada

O aumento do peso dos financiamentos atrelados ao IPCA e à caderneta de poupança chega num momento de orçamentos familiares já apertados e desemprego em alta. "Estamos vendo um impacto grande na parcela dos mutuários e no saldo devedor", afirma Paulo Chebat, presidente da consultoria Melhor Taxa.

Simulação da consultoria mostra que o valor da parcela de um empréstimo de R$ 400 mil corrigido por IPCA subiu 6,3% em um ano. Foi de R$ 2.325, em junho de 2020, para R$ 2.472 em junho passado. Pelas projeções do Boletim Focus de alta para a inflação no acumulado do ano, essa parcela subirá ainda mais, atingindo R$ 2.544 em dezembro - o que vai representar uma alta de 9,4%.

Pela mesma simulação, o saldo devedor cresceu de R$ 395,3 mil para R$ 413,5 mil, de junho de 2020 para o mesmo mês de 2021. A projeção é que chegue a R$ 422 mil em dezembro, com crescimento total de 6,7% no período. Ou seja, a dívida dos mutuários ficou maior.

No caso do mesmo financiamento feito com TR, a simulação mostra que as parcelas partiram de um patamar mais alto, porém caíram gradativamente no mesmo período. Considerando que a redução é constante ao longo do tempo, o pagamento final nesta modalidade acaba sendo menor.

O presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, foi um dos articuladores da criação das linhas pós-fixadas. Ele concorda que essas modalidades pesam no bolso em momentos de deterioração da economia. Na sua avaliação, essas linhas são recomendadas para quem quer aproveitar os juros baixos, mas também está em um momento de crescimento de carreira para suportar oscilações nas parcelas.

"É importante que a pessoa esteja preparada para suportar uma eventual subida nos juros. Para quem puder suportar esses aumentos, é uma boa opção, pois o financiamento pode sair mais barato no longo prazo. Já a modalidade tradicional, com TR, é a mais segura e tem a garantia que valor da parcela não sobe", diz.

Um ponto positivo até aqui tem sido o perfil cuidadoso das originações de crédito. Em geral, os bancos têm sido mais conservadores nos empréstimos pós-fixados, exigindo um valor de entrada maior dos mutuários na compra dos imóveis, além de menor comprometimento de renda e prazo mais curto para pagamento. A ideia é ter um colchão para amortecer os impactos sobre mutuários quando o valor das parcelas sobe.

Inadimplência

Essa é a visão adotada pelo banco Inter, por exemplo, que oferece linhas de crédito imobiliário corrigidas por TR, IPCA e poupança. "Olhamos com mais cuidado a capacidade de pagamento dos clientes com acesso à modalidade de IPCA", diz o superintendente do banco, Vitor Botelho. Segundo ele, a carteira consolidada de crédito imobiliário tem inadimplência de 0,6%, abaixo da média de mercado de 1,7%.

O único movimento sentido foi a queda no volume de financiamentos corrigidos por IPCA e Selic. "Continuamos produzindo, mas elas (as operações) vêm perdendo força desde o segundo trimestre por causa da alta da inflação e da Selic", diz Botelho. "Chegamos a ter 90% das originações nesse perfil. Hoje, são menos de 20%."

Para ele, essas linhas podem voltar a ganhar força no futuro, se houver maior estabilidade no País. "É um produto que vai continuar tendo seu espaço, mas pede a calibragem da economia." (AE)

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