Desmatamento na Amazônia afasta fundos estrangeiros
Investidores são pressionados a considerar o tema ambiental na alocação de seus recursos, e já há exemplos de fuga do Brasil
21/03/2021Fundos de investimento estrangeiros defendem uma pauta ambiental para a preservação da região amazônica.
Com o mercado cada vez mais pressionado por investidores a considerar o tema ambiental na alocação de seus recursos, os fundos falam em um cenário de dificuldades para manter investimentos no Brasil. Exemplos de retirada de recursos começam a surgir.
O Fundo Soberano da Noruega, o maior do mundo, excluiu no ano passado a Eletrobrás e a Vale de seu portfólio e mencionou a necessidade de metas claras de redução de emissão de gás carbônico.
Com a retirada de recursos do País, o fundo deixou claro que questões ambientais vieram para ficar na composição de métricas para aportes dos grandes fundos. Para especialistas, essa fonte de financiamento pode fazer falta para as empresas brasileiras.
Para o presidente do fundo norueguês Storebrand, Jan Erik Saugestad – executivo que em junho do ano passado liderou um grupo que enviou uma carta ao governo brasileiro cobrando medidas de proteção à Amazônia -, é preocupante a escalada do desmatamento e de incêndios em florestas no Brasil, mas também o aumento de denúncias de ataques a indígenas e a defensores de direitos humanos e do meio ambiente.
“Essa combinação cria incertezas entre investidores sobre as condições de investir no Brasil”, afirmou ele em entrevista a O Estado de S. Paulo.
“Nosso objetivo é continuar a apoiar o crescimento econômico brasileiro como investidores, mas a tendência de aumento do desmatamento no Brasil torna cada vez mais difícil para empresas e investidores atenderem às suas ambições ambientais, sociais e de governança”, comenta.
Segundo ele, a expectativa é que o governo brasileiro siga o caminho para proteger as florestas e os direitos humanos, garantindo a manutenção de investimentos em atividades empresariais consideradas sustentáveis.
“Sem um compromisso significativo do governo brasileiro e das empresas para enfrentar as mudanças climáticas e o desmatamento, investir no País ficará cada vez mais difícil”, comenta o gestor do fundo de ações para países emergentes da Aviva Investor (seguradora inglesa e uma das maiores da Europa), Jonathan Toub.
O gestor acrescenta que não viu nenhuma melhoria significativa em relação ao desmatamento da Amazônia após a pressão dos fundos no ano passado. À época, empresas e bancos de capital nacional também defenderam mudanças na política ambiental do País. “O retorno antecipado do monitoramento e fiscalização do Ibama é positivo, mas estamos preocupados com o financiamento para essas agências e o desmatamento continua sem parar.”
Fundos pedem medidas efetivas na Amazônia
Conhecida como uma gestora focada em investimento sustentável, a holandesa Robeco diz que hoje o assunto desflorestamento se tornou um tópico obrigatório no momento em que se discute investimentos no Brasil.
“Devido a nossa experiência em investimento sustentável, levamos em consideração os desenvolvimentos da sustentabilidade em nosso processo de investimento ao avaliar se devemos comprar títulos soberanos ou ações locais listadas.
Este tem sido um tema quente nas discussões sobre investimentos no Brasil, devido ao recente aumento nas taxas de desmatamento e também às dificuldades que o País enfrentou durante a pandemia”, afirma a responsável por ativos no Brasil e demais países emergentes, Daniela da Costa-Bulthuis.
Dentre as medidas concretas que o País poderia dar nesse sentido, opina Daniela, estaria o comprometimento à tolerância zero ao desmatamento e alinhamento ao Acordo de Paris, tratado mundial que tem o objetivo de reduzir o aquecimento global. “Seria um bom ponto de partida. Sentimos falta de um plano de desenvolvimento sustentável de longo prazo para o País”, diz.
O fundo nórdico Nordea também foi um dos fundos que assinaram a carta enviada ano passado ao governo brasileiro. Segundo o fundo, que possui 354 bilhões de euros sob gestão, a percepção é que a direção geral do governo não mudou. “Assim, não vemos até o momento nenhuma melhoria material em relação ao meio ambiente e à região amazônica”, de acordo com o fundo.
O Nordea, afirma que há muitas oportunidades de investimentos no Brasil, mas admite que não está comprando mais títulos da dívida soberana brasileira – mas também não vendeu os papéis que possui.
Procurados, os ministérios do Meio Ambiente, de Relações Exteriores e da Economia não se pronunciaram até o encerramento desta edição. Em nota, o Ibama disse que, “até o momento, também não vimos nenhum desses fundos escolherem áreas no programa Adote Um Parque para adotar”.
Efeito colateral do desmatamento ilegal
A mobilização global em torno da Amazônia colocou o assunto na pauta e trouxe à tona o fato de que o desmatamento ilegal é “o efeito colateral de gestão pública equivocada e perversa, que perpetua a pobreza e a ilegalidade”, afirma o professor Jacques Marcovitch, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro consultivo da Fundação Amazonas Sustentável.
Do ponto de vista econômico, ele lembra que o Brasil precisa de recursos estrangeiros e a saída de fundos globais do País pode criar um vácuo de financiamento para as empresas.
“O Brasil é percebido como um Estado-nação que assumiu compromissos, no âmbito regional da OTCA, no Pacto de Leticia para a Amazônia e no âmbito global do Acordo de Paris, que refletem o decidido engajamento brasileiro na questão ambiental. Do outro lado, lideranças políticas movidas pela ‘cultura do confronto’ têm agido na contramão destes compromissos. Declarações, portarias, decretos e instruções normativas do Ministério do Meio Ambiente, além de provocar o desmantelamento da governança do Fundo Amazônia, nutrem motivos para que o atual governo federal seja pressionado a honrar compromissos nacionalmente determinados e ratificados pelo Congresso Nacional. É inegável que a pressão internacional levou o atual governo brasileiro a rever suas ações ou inações na Amazônia”, afirma. (AE)