Fraude da Theranos inspira filme e serve de alerta para investidores
Caso envolvendo a ex-CEO Elizabeth Holmes, da startup de exames médicos Theranos, abre debate sobre as promessas do Vale do Silício
10/01/2022A condenação por fraude da dirigente de uma empresa de tecnologia de saúde nos Estados Unidos vem sendo considerada um choque de realidade para as empresas do Vale do Silício. A ex-CEO da empresa Theranos, Elizabeth Holmes foi condenada na última segunda-feira por ter enganado os investidores que apostaram cerca de US$ 900 milhões de dólares nas suas promessas.
A Theranos surgiu no início do século oferecendo testes indolores, rápidos e baratos para as mais variadas doenças e condições de saúde, disponíveis em qualquer farmácia. Em 2003, aos 19 anos, Holmes era aclamada pela imprensa de negócios como o novo Steve Jobs.
Uma reportagem investigativa do Wall Street Journal revelou que a empresa criada há 12 anos e avaliada em US$ 9 bilhões vendia testes imprecisos, incapazes de identificar de modo confiável doenças como HIV, câncer ou mesmo colesterol alto.
Elizabeth foi duramente criticada por passar dos limites em seus incansáveis discursos de vendas enquanto estava à frente da Theranos, startup que ela fundou quando abandonou a faculdade em 2002, aos 19 anos.
O júri a considerou culpada por ludibriar investidores fazendo-os acreditar que a Theranos havia desenvolvido um dispositivo médico revolucionário que poderia detectar um grande número de doenças com apenas algumas gotas de sangue.
O conceito – e a maneira como Elizabeth apresentava o plano – impressionou investidores ansiosos por conseguir uma participação inicial em uma empresa aparentemente revolucionária.
Joe Biden elogiou laboratório Theranos em 2015
Ela encantou o ex-presidente Bill Clinton com uma palestra e impressionou o então vice-presidente Joe Biden, que a elogiou efusivamente durante uma visita a um laboratório da Theranos em 2015.
Entre os investidores iludidos estavam Famosos como Rupert Murdoch e Larry Ellison, os ex-secretários de Estado Henry Kissinger e George Shultz, o ex-secretário de Defesa James Mattis e a família da ex-secretária da Educação Betsy DeVos.
As provas mostraram que a Theranos fez um grande esforço para ocultar esse fato, inclusive obrigando os pacientes a passarem por coletas de sangue regulares em vez das prometidas picadas no dedo e analisando secretamente essas amostras com tecnologia convencional.
O julgamento também revelou que Elizabeth mentiu sobre supostos acordos que a Theranos teria realizado com grandes empresas farmacêuticas, como a Pfizer, e as Forças Armadas americanas.
Fraude inspira Hollyood a filmar ‘Sangue Ruim’
A fraude inspirou até uma produção em Hollywood, que escalou a vencedora do Oscar de melhor atriz, Jennifer Lawrence, para viver a empresária em um filme que, a princípio, terá como título “Bad Blood” (Sangue ruim). A produção da Apple será inspirada no livro “Bad Blood: Fraude Bilionária no Vale do Silício”, do jornalista e vencedor do prêmio Pulitzer John Carreyrou.
Ainda não há clareza sobre o impacto que o caso pode ter sobre novas startups no Vale do Silício. “Acho que isso vai gerar um pouco mais de cautela entre os empreendedores, mas, no geral, a natureza humana sendo como é, ainda haverá uma tendência em exagerar, principalmente quando você sabe que talvez não consiga capital se não fizer isso”, disse o New York Times o advogado Richard Greenfield, que representa investidores em startups.
Caso não deve mudar comportamento de investidores
“Não acho que isso mudará o comportamento de muitos investidores”, acrescentou. “As pessoas ainda vão continuar querendo proezas quase impossíveis.”
Os promotores federais descreveram Elizabeth como uma charlatã obcecada por fama e fortuna. Durante os sete dias em que depôs, ela se definiu como uma pioneira visionária em um Vale do Silício dominado por homens, assim como uma jovem abusada emocional e sexualmente pelo ex-namorado e parceiro de negócios, Sunny Balwani.
O julgamento também revelou as armadilhas de uma das jogadas favoritas dos empreendedores do Vale do Silício – transmitir um otimismo sem limites, independentemente de ser justificável, conhecido como “fake until you make it” (algo como, finja até conseguir).
Essa tática ajudou a criar empresas inovadoras como Google, Netflix, Facebook e Apple – esta última cofundada por um dos heróis de Elizabeth, Steve Jobs.
Assim que ela foi indiciada em 2018, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos deixou claro que esperava usar seu caso como uma cutucada que sacudiria o Vale do Silício e o faria “voltar à realidade”.
“Eles queriam enviar uma mensagem”, disse ao NYT Carl Tobias, professor de direito da Universidade de Richmond que acompanhou o julgamento de Elizabeth. “Agora vamos ver se ela é o suficiente para mudar alguns dos comportamentos de risco que temos visto há anos.” (Com AE)