Perspectivas para os fundos de investimento em infraestrutura
Especialistas do Safra esperam menos cortes de geração de energia dos que os ocorridos no terceiro trimestre de 2024, o que favorece os fundos de participação em infraestrutura
25/11/2024Na semana passada, o valor das cotas dos Fundos de Investimento em Participação de Infraestrutura (FIP-IE) listados na bolsa caiu 3,5%, após um fundo listado (VIGT11, não coberto pelo Banco Safra) cortar os rendimentos em 35% e apresentar perspectiva negativa para 2025. Um dos motivos apontados para a redução no rendimento foi o curtailment, ou corte de geração, que tem afetado várias empresas de energia listadas no Brasil.
O mundo dos fundos de investimentos, que já vinha pressionado pela expectativa de elevação dos juros (tema de relatório do Banco Safra sobre fundos imobiliários), foi surpreendido por um risco relacionado ao setor de energia que ganhou relevância recentemente pelo excesso de oferta de energia renovável no Brasil e gerou dúvidas sobre a sustentabilidade dos rendimentos no futuro.
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Entenda o que é curtailment?
As usinas solares e eólicas geram energia conforme a disponibilidade de recursos naturais (radiação solar e ventos). Contudo, há momentos em que essa geração precisa ser limitada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mesmo que haja disponibilidade de recursos para a geração.
Este fenômeno é conhecido como curtailment, ou corte de geração. As causas do corte são:
- (i) indisponibilidade externa (constrain-off);
- (ii) requisitos de confiabilidade elétrica (sobrecarga de rede); e
- (iii) razão energética.
O primeiro deriva de falha em alguma instalação de transmissão; o segundo ocorre quando a capacidade das linhas de transmissão atinge seu limite (podendo causar problemas no sistema). Finalmente, o terceiro caso ocorre quando a demanda não é suficiente para absorver toda a geração. O gerador é ressarcido apenas no primeiro caso.
Existe um risco permanente? Para qual tipo de ativo?
Nos últimos anos, os eventos de curtailment têm sido maiores e mais frequentes porque a instalação de novos parques geradores renováveis na
rede de alta tensão cresceu a um ritmo muito mais rápido do que a expansão da rede de transmissão e a demanda.
Com incentivos menos atrativos para a construção de novos parques, a entrada em operação de novos ativos de transmissão e de sistemas de armazenamento, e o aumento esperado na demanda (impulsionado pelo aumento da renda, crescimento da IA, etc.), o Safra espera que daqui
para a frente os cortes sejam menores dos que os vistos no terceiro trimestre de 2024 (média de 17% nas usinas solares centralizadas no sistema, chegando a 40% em alguns ativos).
Entre as fontes renováveis, o Safra destaca que a geração distribuída não é afetada (pois não há despacho centralizado na rede); ativos
conectados diretamente com as redes das distribuidoras ou que geram energia para consumo próprio também não são.
As linhas de transmissão também não sofrem com o corte de geração (muito embora seus fluxos possam ser afetados por outros fatores). O Safra destaca também que os parques com despacho centralizado localizados em Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia foram
os que mais sofreram com cortes sem ressarcimento.
O que são os FIP-IE, e o que aconteceu nos últimos meses?
Os fundos do tipo FIP-IE são ativos de infraestrutura com perfil de crescimento e dividendos no longo prazo. Estes fundos são veículos de investimento constituídos em forma de condomínio fechado que aplicam recursos em ativos de infraestrutura. Normalmente, o portfólio-alvo desses fundos é composto por ativos de setores em que haja expectativa de distribuição de rendimentos periódicos.
Os FIPs não têm dividendos garantidos, mas seus regulamentos possuem regras para o pagamento de dividendos. O risco para o fluxo de dividendos, portanto, está altamente atrelado à natureza dos ativos em questão. No caso de ativos de geração elétrica, os riscos estão relacionados a eventos climáticos, aos contratos de compra e venda de energia e aos custos de operação dos ativos e de seus financiamentos (já que muitos projetos buscam dívidas de longo-prazo incentivadas para construir seus parques).
No caso dos ativos de transmissão, os riscos climáticos também podem afetar a disponibilidade das linhas. Esses FIPs foram instituídos pela Lei nº 11.478/07 e, atualmente, são regulamentados pela Resolução CVM nº 175/22. Podem ser listados em bolsa ou no mercado de balcão, e oferecem isenção fiscal para investidores pessoas físicas. Cada FIP-IE deve ter, no mínimo, cinco cotistas, sendo que cada cotista não pode deter mais do de 40% das cotas emitidas pelo FIPIE ou auferir rendimento superior a 40% do rendimento do fundo.
Abertura da curva de juros e notícias sobre dividendos menores.
Com o início do ciclo de altas nos juros pelo Banco Central do Brasil em setembro de 2024, a performance de ativos atrelados a dividendos piorou. O IFIX, por exemplo, caiu 7% nos últimos dois meses, e o índice de Utilities corrigiu em torno de 10%. Nesse cenário, seria razoável esperar uma queda significativa também nos FIP-IEs (Figura 3).
Contudo, esse movimento foi intensificado após o anúncio do corte nos rendimentos do VIGT11 de 35% em 2024 e de até 81% em 2025. No dia do anúncio, o VIGT11 recuou quase 37%. Segundo o noticiário, durante a apresentação dos resultados, os gestores do fundo explicaram que os cortes de dividendos se justificaram pelos impactos dos eventos de curtailment (o parque mais afetado está localizado no Rio Grande do Norte) e pelos efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul nas receitas de torres de transmissão.
Portanto, parte da performance negativa de FIP-IEs está atrelada às incertezas com relação aos impactos do curtailment sobre FIPs com
exposição a ativos renováveis que tiveram (e ainda devem ter) sua geração reduzida pelo operador do sistema elétrico.
Como funciona o curtailment no sistema elétrico brasileiro
O Brasil conta com diversas usinas que produzem energia a partir de vários combustíveis e fontes (água, sol, vento, carvão, diesel, etc.). Essa usinas estão localizadas em áreas que nem sempre estão próximas dos consumidores. Os sistemas de transmissão de energia existem justamente para conectar os ativos produtores com os centros de consumo.
As usinas solares e eólicas geram energia conforme a disponibilidade de radiação solar e ventos. Algumas estão situadas muito perto da sua demanda, mas outras precisam jogar sua energia para o sistema de transmissão. Para organizar a fila das usinas que podem entregar energia para atender a demanda brasileira, o ONS organiza a ordem de produção para evitar problemas na rede e tentar atender a demanda ao menor custo possível, preservando recursos. É graças a esse sistema central que é possível equilibrar oferta e demanda, planejar investimentos futuros e evitar apagões.
Por que cortar a produção de uma usina?
O Brasil tem excesso de capacidade com relação à demanda total, pois algumas usinas têm recursos voláteis (água da chuva, vento, sol) e pode existir incerteza sobre sua disponibilidade futura. Assim, a capacidade é maior do que o volume efetivamente produzido pelas usinas. Desta forma, o ONS pode guardar algum recurso para evitar seu desperdício (é o caso da água que fica armazenada nos reservatórios das usinas).
Nos casos em que não exista a opção de armazenamento, o ONS pode optar por reduzir a geração de alguma fonte, mesmo que ela esteja disponível para produção – esse é o caso da energia eólica e solar. Essa redução é conhecida como curtailment ou corte de geração. Esse corte ocorre para evitar falhas ou sobrecarga na rede.
Tipos de corte. As causas do corte de geração renovável são:
- (i) indisponibilidade externa (constrainoff);
- (ii) requisitos de confiabilidade elétrica (sobrecarga de rede); e
- (iii) razão energética.
O primeiro deriva de falha em alguma instalação de transmissão; o segundo ocorre quando a capacidade das linhas de transmissão atinge seu limite (podendo causar problemas no sistema). Finalmente, o terceiro caso ocorre quando a demanda não é suficiente para absorver toda a geração disponível (o que também pode causar problemas no sistema). O gerador é ressarcido apenas no primeiro caso.
Nos últimos anos, os eventos de curtailment têm sido maiores e mais frequentes porque novos parques geradores renováveis têm sido instalados na rede de alta tensão em um ritmo muito mais rápido do que a expansão da rede de transmissão e da demanda. Conforme ilustrado na Figura 4 abaixo, a partir de meados de 2023, os cortes passaram a ser mais frequentes na comparação com 2022.
No 3T24, por exemplo, o ONS demandou cortes de 17% na geração de fonte solar (e 13% na geração eólica). O despacho centralizado localizado em Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia são os que mais têm sofrido com cortes sem ressarcimento (Figura 5).
E em quais casos não existe corte? A GD será afetada?
Conforme mencionado anteriormente, a decisão de dispensar ou reduzir a geração de algumas fontes para priorizar outras é tomada diariamente pelo ONS com base nos recursos conectados ao sistema (chamados de despacháveis). Contudo, algumas usinas não acessam o sistema inteiro pelas linhas de transmissão. Esse é o caso de usinas usadas para consumo próprio e é também o caso da geração distribuída.
Na modalidade de geração distribuída, as usinas solares injetam energia na rede da distribuidora e estão associadas (quotas) aos seus usuários diretos. Esses usuários recebem um crédito pelo consumo da energia solar gerada, que será usado para abater do consumo de energia distribuída pelas concessionárias.
As linhas de transmissão também não sofrem com o corte de geração. Contudo, os fluxos de receita dos ativos de transmissão podem sofrer com modificações regulatórias (revisões tarifárias ou de recebíveis) e com os impactos de eventos climáticos (que podem gerar indisponibilidade da rede), e variam com a inflação (por conta dos seus contratos).
O que esperar do futuro?
Em virtude da redução dos incentivos para a construção de novos parques, da entrada em operação de novos ativos de transmissão, da atualização da regulamentação pelo ONS, da instalação de sistemas de armazenamento que darão flexibilidade à operação (baterias, leilão de reserva de capacidade) e do aumento esperado na demanda (aumento da renda, crescimento de IA, etc.), os especialistas do Banco Safra esperam que haja menos cortes dos que os ocorridos no terceiro trimestre de 2024.
“Prever o percentual de cortes ainda parece complexo, dado que o balanço entre oferta e demanda ainda deve apresentar excesso de oferta até 2028”, destaca o relatório do Safra.