close

Como a guerra de tarifas afeta os investimentos no Brasil

Para o Brasil, o impacto direto das tarifas de importação tende a ser limitado, mas o risco de recessão pode pressionar os juros e as contas públicas, segundo relatório do Banco Safra

exportação da china

Guerra de tarifas e investimentos: segundo o Banco Safra, precificação de risco deve continuar ancorada na performance fiscal doméstica, nas expectativas de inflação e na condução da política monetária | Foto: Getty Images

Nas últimas semanas, o ambiente macroeconômico internacional foi marcado por uma elevação nos níveis de incerteza e volatilidade, impulsionada pela retomada de uma postura fortemente protecionista por parte dos Estados Unidos, que desencadeou uma guerra de tarifas com a China. O presidente Donald Trump anunciou no dia 2 de abril a implementação de um novo pacote de tarifas de importação, denominado “tarifas recíprocas”, que impôs alíquotas entre 10% e 50% sobre bens oriundos de mais de 180 países, incluindo o Brasil.

A medida foi enquadrada pelo governo norte-americano como parte de uma estratégia de reindustrialização doméstica e proteção da competitividade nacional, mas produziu, de forma quase imediata, desdobramentos negativos sobre os mercados financeiros globais.

Em contrapartida, a China, principal parceiro comercial dos EUA e principal alvo das medidas, anunciou a imposição de tarifas de 34% sobre todas as importações oriundas dos EUA. Na sequência, diante da decisão da Casa Branca de elevar as tarifas sobre produtos chineses para um patamar agregado de 104%, a China ampliou sua resposta, aplicando uma tarifa de 84% sobre produtos americanos.

Além disso, o governo chinês sinalizou que pode suspender cooperação bilateral com os EUA em áreas sensíveis e adotar restrições à importação de produtos agrícolas, como soja e sorgo. Pequim também iniciou medidas de controle regulatório contra empresas americanas, incluindo a abertura de investigações antitruste e a inclusão de companhias americanas em listas de monitoramento e possíveis sanções.

Essa escalada tarifária entre EUA e China eleva o risco de desorganização das cadeias globais de valor, podendo ampliar pressões inflacionárias e comprometer as expectativas de crescimento global.

No dia 9 de abril, Donald Trump anunciou uma suspensão temporária das tarifas mais severas — exceto em relação à China — estabelecendo uma tarifa geral reduzida de 10% para os demais países pelo prazo de 90 dias. A sinalização de trégua foi suficiente para provocar uma reversão parcial dos movimentos de aversão ao risco: o Ibovespa recuperou-se e o dólar encerrou o dia em queda.

Em um movimento mais recente, Trump isentou eletrônicos importados de tarifas recíprocas, que são produzidos largamente na China por empresas americanas.

Ao que tudo indica, poderá haver novas medidas por parte dos EUA e/ou dos países afetados pelas tarifas, por isso é muito incerto prever o resultado no comércio global. Mas é certo que o impacto no PIB mundial vai depender fortemente da escalada de retaliações. Isso porque as tarifas impactam o poder de compra do consumidor, aumentam as incertezas quanto aos investimentos na produção e potencialmente elevam a inflação.

Por outro lado, há que se considerar qual será o uso da arrecadação com as tarifas, se será direcionado para algum tipo de retorno para o consumidor – corte de impostos, por exemplo – ou aumento da receita do governo de forma a reduzir déficits.

Como o Brasil está posicionado para enfrentar a guerra de tarifas?

O Brasil apresenta, estruturalmente, uma menor exposição ao comércio internacional se comparado com economias avançadas e outros países emergentes com perfil exportador.

Embora essa característica seja desfavorável para produtividade e sofisticação tecnológica, é também um fator que pode mitigar os impactos econômicos numa possível turbulência do comércio global.

De acordo com o Banco Mundial, em termos nominais, o volume de comércio exterior (exportações + importações) representou cerca de 34% do PIB brasileiro em 2023 — percentual significativamente inferior ao de países como Alemanha, Coreia do Sul e México, que superam a marca de 80%, enquanto a média dos países da OCDE é quase 60%.

Portanto, para o Brasil, o impacto direto da imposição de tarifas tende a ser mais limitado, dado o menor grau de inserção internacional. No entanto, o canal indireto — via desaceleração da economia global — poderá afetar negativamente o crescimento, sobretudo em função da menor demanda por commodities e da elevação da aversão ao risco nos mercados financeiros.

Esse efeito se manifesta por meio da valorização do dólar, da redução da liquidez global e da reprecificação de ativos de risco, incluindo títulos soberanos e corporativos de países emergentes.

Setores industriais, como aço, alumínio e autopeças — cujas exportações são altamente concentradas no mercado norte-americano — foram atingidos por tarifas específicas de 25%, elevando os custos de transação e pressionando margens operacionais.

Risco de recessão global

Adicionalmente, um cenário de recessão internacional pode pressionar o governo brasileiro a adotar medidas contracíclicas para atenuar os impactos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. Tais medidas — como antecipação de investimentos públicos, aumento do gasto social e estímulos setoriais — poderiam pressionar as contas públicas, especialmente em um contexto de regime fiscal recentemente reformulado com o novo arcabouço.

Por outro lado, o país se encontra hoje em uma situação favorável do ponto de vista da solvência externa: não possui dívida externa líquida significativa, mantém reservas internacionais superiores a US$ 340 bilhões e apresenta saldo comercial positivo consistente.

Estudo feito por economistas da UFMG (NEMEA-Cedeplar), projeta que, embora o impacto líquido sobre o PIB brasileiro possa ser marginalmente positivo, esse resultado se deve exclusivamente ao desempenho do setor agrícola — em especial das oleaginosas – e queda nos preços de importações.

Os efeitos distributivos, contudo, são assimétricos e pode implicar retração na indústria de transformação e no setor de serviços. Regionalmente, estados com perfil agroexportador, como os do Centro-Oeste e o Rio Grande do Sul, apresentam ganhos, enquanto economias mais industrializadas, como São Paulo e Minas Gerais, registram perdas no PIB estadual.

O estudo também aponta que o redirecionamento da produção agrícola para o mercado externo pode gerar pressões internas sobre preços de alimentos. 

Efeito no mercado de crédito privado local

A avaliação dos especialistas do Banco Safra é de que os impactos diretos do aumento das tensões comerciais globais sobre o mercado de crédito privado local serão limitados. O principal motivo reside na baixa exposição direta de emissores entre os setores que representam a maior parte do volume de emissões no mercado doméstico.

Como proxy, o Safra utiliza o giro mensal de instrumentos de dívida corporativa – debêntures, CRIs e CRAs – que, no último mês, ficou em quase R$ 84 bilhões (dados da B3 e Anbima). Destes, menos de 15% referem-se a emissores com perfil exportador, como os setores de óleo e gás, açúcar e etanol, proteína animal, papel e celulose, agricultura e algumas indústrias de transformação, cuja exposição aos EUA é de moderado a baixo.

O grosso das emissões está concentrado em setores de infraestrutura, com forte correlação com políticas públicas e regulação, a exemplo do setor de energia elétrica (27% do volume negociado em mar/25), saúde, transporte e saneamento.

No mercado de debêntures incentivadas, a presença de setores exportadores é ainda menor, com cerca de 10% do giro total no último mês, o que reforça a tese de que a aplicação tarifária sobre exportações, por si só, não deve provocar reprecificação relevante nos spreads desses ativos.

No entanto, os efeitos indiretos não devem ser ignorados. A deterioração do comércio global pode pressionar variáveis macroeconômicas brasileiras, como o câmbio, a inflação e a atividade econômica — canais pelos quais a percepção de risco sistêmico pode afetar o prêmio exigido nos ativos de crédito privado, especialmente nos vértices mais longos.

Caso a aversão global ao risco se deteriore, pode ocorrer um “repricing” generalizado nos mercados emergentes, afetando até mesmo empresas sem exposição direta ao comércio exterior.

É importante destacar que o Brasil entra nesse ciclo de incerteza internacional com fundamentos externos favoráveis, isto é, possui reservas cambiais elevadas, saldo comercial robusto e baixo endividamento externo líquido.

Essa posição confere algum grau de resiliência e pode conter (até certe medida) riscos advindos do comércio global.

Contudo, o canal de política monetária pode se tornar mais desafiador. A volatilidade do câmbio e a inflação podem limitar o espaço para cortes da Selic, mesmo diante de um possível arrefecimento da atividade econômica — o que impacta diretamente o custo de captação para empresas e, por consequência, a atratividade de novas emissões.

Por fim, no curto prazo, o Banco Safra espera que a volatilidade no mercado secundário de crédito local seja mais influenciada pela volatilidade da curva de juros (DI futuro) e por movimentos no câmbio do que por reavaliações fundamentadas em risco de crédito setorial. A precificação de risco deve continuar ancorada na performance fiscal doméstica, nas expectativas de inflação e na condução da política monetária.

CTA Padrão CTA Padrão

Assine o Safra Report, nossa newsletter mensal

Receba gratuitamente em seu email as informações mais relevantes para ajudar a construir seu patrimônio

Invista com os especialistas do Safra