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Lição milenar sobre como sobreviver às crises

Uma empresa familiar criada há 1.020 anos em Kyoto, no Japão, segue uma fórmula em que evita contrair dívidas e não faz planos de expansão

Santuário de Kyoto

Empresa mantém tradição culinária há mais de mil anos / Foto: Getty Images

Uma família no Japão sobrevive há mais de mil anos vendendo tradicionais bolinhos de arroz em um pequeno restaurante de madeira perto de um antigo santuário em Kyoto.

A família Hasegawa começou o negócio vendendo os pratos típicos aos peregrinos cansados que vinham de várias partes do país para rezar durante uma pandemia no ano 1000.

Agora, passados mais de mil anos, uma nova doença devasta a economia da cidade, e o fluxo de turistas desapareceu. Mas a matriarca Naomi Hasegawa não está preocupada com as finanças de seu negócio, conforme explicou em uma entrevista ao jornal americano The New York Times.

Como muitas empresas do Japão, a loja de sua família tem uma visão de longo prazo. Ao colocar a tradição e a estabilidade acima dos lucros e de planos de expansão, o restaurante Ichiwa resistiu a guerras, pragas, desastres naturais e à ascensão e queda de impérios.

Com tudo isso, suas receitas de farinha de arroz permaneceram iguais, assim como a preocupação em manter a tradição de bom atendimento.

Essas empresas longevas podem ser menos dinâmicas do que as de outros países, mas sua resiliência oferece lições para empresas de lugares como o Brasil, onde o coronavírus está levando muitos empresários a desistir do negócio.

“Os livros de economia ensinam as empresas a aumentar os lucros e expandir os negócios, mas os princípios operacionais dessas empresas tradicionais do Japão são completamente diferentes”, explica Kenji Matsuoka, professor emérito de negócios na Universidade Ryukoku em Kyoto. “A prioridade número um para elas é continuar a existir”, acrescentou. “Cada geração é como um corredor em uma corrida de revezamento, onde o importante é passar o bastão”.

Empresas centenárias

O Japão tem mais de 33 mil empresas com pelo menos 100 anos de história – mais de 40% do total mundial. Mais de três mil funcionam há pelo menos dois séculos. Cerca de 140 existem há mais de 500 anos. E pelo menos 19 afirmam estar funcionando continuamente desde o primeiro milênio.

Essas empresas de grande tradição recebem apoio das autoridades regionais. A maioria delas são pequenas empresas familiares que lidam com produtos e serviços tradicionais.

“Para sobreviver ao longo de um milênio, uma empresa não pode apenas perseguir lucros”, diz Naomi Hasegawa. “É necessário ter um propósito maior, e no nosso caso temos uma missão espiritual de servir aos peregrinos do santuário”.

Esses preceitos familiares guiam as decisões de negócio de muitas empresas ao longo de gerações no Japão. Elas cuidam de seus funcionários, apoiam a comunidade e se esforçam para fazer um produto que inspire orgulho. E procuram oferecer o melhor produto ou serviço aos seus clientes.

O estabelecimento da família Hasegawa recusou muitas oportunidades de expansão, incluindo, mais recentemente um pedido do Uber Eats para fazer entregas de pedidos feitos pela internet. O cardápio também permanece o mesmo.

Os descendentes sabem desde criança que enquanto um deles estiver vivo, o negócio precisa continuar funcionando.

Um traço comum entre as empresas japonesas ajuda a explicar a longevidade média elevada. “Mesmo quando os ganhos aumentam, elas evitam aumentar suas despesas de capital”, explica Tomohiro Ota, analista do Goldman Sachs.

Elas tendem a ter baixos níveis de dívida e uma média de um a dois meses de despesas operacionais em mãos, disse Ota.

Quando as empresas precisam de apoio, o financiamento é barato e disponível. As taxas de juros no Japão têm sido baixas há décadas, e um pacote de estímulos governamentais lançado como resposta à pandemia deu suporte para a maioria das empresas afetadas pela crise.

Toshio Goto, professor da Escola de Pós-Graduação da Universidade de Economia do Japão e diretor do Instituto de Pesquisa de Gestão Centenária, fez uma pesquisa com empresas com pelo menos 100 anos, e descobriu que mais de um quarto delas tinham fundos suficientes para sobreviver por dois anos ou mais, mesmo durante momentos difíceis.

Ao longo do último século, a sobrevivência empresarial no Japão tem sido cada vez mais resultado do equilíbrio entre preservar tradições e adaptar-se rapidamente às mudanças das condições de mercado.

Empresa de 1.020 anos ensina como sobreviver em momentos de crise.

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