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Mesmo com medalhas, Brasil é um ‘fiasco’ em ciclos olímpicos

Análise da consultoria Sports Value compara desempenho de países-anfitriões. Brasil deveria ter entre 40 e 50 medalhas por Olimpíada

Medalha de ouro do Brasil conquistada nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020

Brasil fechou os Jogos Olímpicos de Tóquio com 21 medalhas, sendo quatro de modalidades estreantes | Foto: Jonne Roriz/COB

Apesar do resultado histórico conquistado pelo Time Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, o rendimento pode ser considerado como um ‘fiasco’ no esporte.

A explicação está na comparação com outros países-sede de edições de Olimpíadas referente ao investimento, não apenas para o evento, mas também para o longo prazo.

É a conclusão de um estudo da consultoria de gestão e pesquisa esportiva Sports Value.

De acordo com o relatório, as 21 medalhas que o País conquistou em Tóquio 2020 – 12ª posição no quadro de medalhas – deveriam ser, seguindo uma lógica de investimento, de 40 a 50.

Na edição dos Jogos no Rio de Janeiro, em 2016, foram 19 medalhas e o 13º lugar no quadro.

Custos por edição dos Jogos Olímpicos por país, incluindo o Brasil | Fonte: Sports Value/Huddle Up
Fonte: Sports Value/Huddle Up

Tomando o exemplo mais recente como comparação, o Japão investiu US$ 25 bilhões (R$ 131,4 bilhões) para realizar as Olimpíadas.

No quadro de medalhas, ficaram em terceiro, com 58, atrás apenas de Estados Unidos (113) e China (88).

“É óbvio que não foi um salto unicamente nos Jogos. É um projeto de 8, 12 anos. É um projeto estratégico de país”, diz Amir Somoggi, sócio diretor da Sports Value.

Alto custo, baixo rendimento

Segundo o estudo, o Brasil gastou US$ 14 bilhões (R$ 73,6 bilhões) com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.

No entanto, o montante visou apenas o ciclo olímpico do momento, com investimento em infraestrutura e busca pro resultados imediatos. E é aí que está a diferença da mentalidade brasileira para as demais.

Como base comparativa, a empresa analisou o investimento feito no esporte por cada país-sede desde os Jogos de Atlanta 1996 e o resultado alcançado por cada um nos quadros de medalhas desde Seul 1988.

Estados Unidos (Atlanta 1996), Austrália (Sidney 2000), China (Pequim 2008), Reino Unido (Londres 2012) e Japão (Tóquio 2020) alcançaram, no mínimo, a casa das 50 medalhas em suas edições como anfitriões.

O Brasil, por sua vez, chegou a 19 pódios no Rio, o que até então havia sido o seu melhor resultado. Em Atlanta, o País terminou com 15 medalhas.

Desempenho da Austrália segui tendência de queda até retomada em Tóquio, sugerindo influência da questão geracional | Fonte: Sports Value
Desempenho da Austrália seguiu tendência de queda até a retomada em Tóquio, sugerindo influência da questão geracional | Fonte: Sports Value

“De Atlanta até Tóquio, foi um investimento brutal, principalmente em 2016. Há modalidades hoje que o Brasil nem participa e que estão na infraestrutura construída para os Jogos Olímpicos”, fala Somoggi.

Com exceção da Austrália, todos os outros países conseguiram emplacar uma trajetória crescente e de consolidação do desempenho olímpico.

Porém, os australianos retomaram o fôlego como potência esportiva em Tóquio.

“É um país que construiu uma história olímpica com muito menos recursos, mas escolhendo modalidades onde eles tinham grande desempenho. Houve dificuldade em manter o nível depois de 2000, mas a volta prova que é geracional e está tendo a renovação”, explica Somoggi.

Medalhas países-sede dos Jogos Olímpicos

País – Edição – Nº de medalhas

  • EUA – Atlanta 1996 – 101
  • Austrália – Sidney 2000 – 58
  • China – Pequim 2008 – 100
  • Reino Unido – Londres 2012 – 65
  • Brasil – Rio de Janeiro 2016 – 19
  • Japão – Tóquio 2020 – 58

Caminho para o Brasil nos próximos Jogos Olímpicos

Fora o investimento somente em um ciclo para os Jogos Olímpicos, o Brasil investe por ano R$ 750 milhões em recursos públicos anuais com o esporte de alto rendimento, segundo a Sports Value.

Para o sócio diretor da Sports Value, estes recursos, que vêm desde leis de incentivo ao esporte nas esferas municipal, estadual e federal até das loterias, não são baixos.

O problema está na gestão e no modus operandi do sistema de incentivo ao esporte, que joga a responsabilidade de formação de base para a iniciativa privada.

“Europa e EUA trabalham assim: piscina pública, é do governo; quadra pública, é do governo; qualificação de profissional de educação física de escola pública, é do governo. Patrocínio de camisas de time de basquete, é privado; patrocínio de placa de campo, privado. O dinheiro público tem que ser destinado para o bem comum”, detalha Somoggi.

“Nos EUA, o que seria o COB daqui, é todo financiado por recursos privados. O governo vai dar estrutura, capacitação e treinamento para o jovem praticante”.

Da esquerda para a direita: Abner Ferreira (boxe), Beatriz Ferreira (boxe), Isaquias Queiroz (canoagem) e Herbert Conceição (boxe), medalhistas em Tóquio | Foto: Daniel Ramalho/COB
Da esquerda para a direita: Abner Ferreira (boxe), Beatriz Ferreira (boxe), Isaquias Queiroz (canoagem) e Herbert Conceição (boxe), medalhistas em Tóquio | Foto: Daniel Ramalho/COB

Logo, o gargalo se encontra na falta de planejamento de longo prazo e na atitude do País assumir o esporte como política pública.

“Quem é o próximo Isaquias? Quantos estão treinando com 12, 14 anos para serem os próximos. Não é só o Flamengo e o Minas Tênis Clube. Você tem que ter uma estrutura de país”, afirma Somoggi.

Fora isso, a política de incentivo à prática desportiva tem reflexo direto em campo primordial: a saúde.

Em entrevista à revista espanhola Capital, José Manuel Franco, presidente do Consejo Superior de Deportes da Espanha (similar à Secretaria Especial do Esporte do Brasil), afirmou que a cada 1 euro (R$ 6,21) investido nas modalidades, o governo economiza outros 15 euros (R$ 93) com o sistema de saúde.

Destaque radical

Modalidades estreantes como o surfe e o skate foram responsáveis por quatro medalhas (1 ouro e 3 pratas) para o Time Brasil. Sem elas, o País ficaria abaixo do rendimento no Rio de Janeiro.

Alguns dos atletas, aliás, moram nos Estados Unidos, como os skatistas Kelvin Hoefler e Leticia Bufoni.

Isso evidencia a deficiência do trabalho que é desenvolvido com modalidades ‘maduras’ no calendário olímpico, como atletismo, natação e lutas.

“Isso tem a ver com a desilusão com as modalidades tradicionais. Às vezes um garoto não joga mais handebol, basquete, vôlei ou futebol, mas tem uma paixão por surfe. Aí é parte da cultura do país”, justifica Somoggi.

O estudo completo da Sports Value sobre o Brasil e outros países-sede de Jogos Olímpicos pode ser lido por este link.

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