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Ilton Caldeira

A Grande Renúncia e seus efeitos

Durante a pandemia, milhares de trabalhadores passaram a rever prioridades em relação ao trabalho e a vida, o que tem efeitos inflacionários e provoca mudança nas relações trabalhistas

trabalho na pandemia

Pandemia deu aos trabalhadores mais tempo livre para pensar sobre suas carreiras e hábitos de consumo | Foto: Getty Images

Uma das faces mais recentes do efeito da pandemia desencadeada pelo Covid-19 é o que vem sendo chamado de a Grande Renúncia. O termo foi cunhado pelo professor de administração Anthony Klotz, da Texas A&M University. É uma maneira de tentar explicar o movimento que tem levado milhares de trabalhadores nos Estados Unidos a reverem suas atuais posições no mercado de trabalho, avaliando perdas, ganhos e propósitos.       

Um levantamento realizado pela Microsoft em julho e divulgado pelo World Ecomic Forum aponta que cerca de 40% dos trabalhadores estão avaliando deixar seus atuais empregos. Um outro levantamento feito pela Prudential, gigante do setor financeiro e de seguros, indica que um em cada três trabalhadores americanos não gostaria de trabalhar para um empregador que exigisse que eles estivessem no local em tempo integral.

O mesmo relatório da Prudential revela ainda que um quarto dos trabalhadores planeja procurar um novo emprego quando a ameaça da pandemia diminuir, sinalizando uma iminente guerra por talentos, profissionais com sólida trajetória acadêmica e experiência em seus ramos de atuação.

Tudo indica que a pandemia deu aos trabalhadores mais tempo livre para pensar sobre suas carreiras, explorar o empreendedorismo, mudar hábitos de consumo e economizar mais dinheiro. Esses fatores têm levado muitos a perceberem que seu emprego atual talvez não seja tão satisfatório.

No médio e longo prazos ainda não é possível afirmar ao certo qual o saldo desse movimento e seus impactos na economia, ou como esse comportamento moldará as relações de trabalho. Mas no curto prazo alguns sinais já estão claros. Embora US$ 7,25 seja ainda o salário mínimo federal, em alguns  setores, especialmente em indústrias de serviços, incluindo restaurantes, varejo e viagens, o salário mínimo de US$ 15 a hora está virando a norma na prática.

O movimento de aumento da remuneração tem ocorrido sem batalhas nos tribunais ou nos ambientes reguladores, resultado da maior competição por trabalhadores. Um exemplo é a Amazon que recentemente elevou o salário inicial em suas unidades para US$ 18 a hora. Isso poderá forçar outras companhias a oferecer valores iguais ou superiores na busca por uma vantagem competitiva na negociação com a força de trabalho.

Se por um lado essa valorização da mão-de-obra, muito  aguardada nos EUA, revela uma certa positividade, contribuindo para ajustar décadas de distorções no mundo do trabalho, por outro lado poderá contribuir para manter a pressão inflacionária elevada. Salários maiores, em geral, significam aumento nos custos e tendem a ser repassados para o valor final de produtos e serviços.

A inflação ao consumidor nos Estados Unidos, acumulada em 12 meses até agosto, está em 5,3%, segundo dados divulgados em 14 de setembro pelo U.S. Bureau of Labor Statistics. A pressão pela elevação da remuneração está no radar do FED, o Banco Central americano, que segue tentando encontrar um equilíbrio delicado entre o aumento da inflação e o mercado de trabalho ainda em recuperação.

Pagar horas extras aos trabalhadores pode ser uma solução rápida para a escassez de trabalhadores. Mas as horas adicionais criam mais estresse na força de trabalho, desgaste e pressionam ainda mais os funcionários que permanecem nas empresas. Um remédio com efeito de pouca duração.

Um outro ingrediente que vem sendo colocado nessa equação é o grande número de pedidos de aposentadoria. Desde o início da pandemia, cerca de 2 milhões de pessoas a mais do que o esperado decidiram pendurar as chuteiras, de acordo com o Centro Schwartz de Análise de Política Econômica da New School. Enquanto alguns, que já haviam completado seu tempo de trabalho optaram por se aposentar, outros foram forçados a se aposentar depois de perderem seus empregos ou simplesmente pediram demissão por medo de exposição ao Covid-19.

Apesar dos avanços em automação de tarefas repetitivas nas últimas décadas, existem muitas funções onde não é possível terceirizar a uma máquina a formulação de projetos e estratégias vencedoras. Seja nos Estados Unidos, China, Europa ou no Brasil a competição pelos primeiros lugares em desenvolvimento econômico passa pelo fator humano, exigindo cada vez mais ampla oferta de formação de qualidade, treinamento, atração e retenção dos melhores talentos.


Ilton Caldeira é jornalista de Economia e Política e especialista em Relações Internacionais pela FGV-SP. Nos Estados Unidos é Head de Comunicação da Dell’Ome Law Firm e sócio da consultoria Smart Planning Advisers.

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