A 59ª Bienal de Veneza trazia como chamada a seguinte frase: “May you live in interesting times” – que você possa viver em tempos interessantes. Essa citação é geralmente tida como sendo uma maldição chinesa que funcionaria tanto para o bem quanto para o mal.
No entanto, trata-se de uma expressão inventada pelos ingleses, dita em momentos de incerteza, crise e turbulência, que são também de grandes oportunidades e aprendizados.
Sua riqueza de significado oferece grandes potenciais que valem a pena ser explorados, ainda mais quando esses “tempos interessantes” estão entre nós novamente.
A arte tem essa capacidade de antecipar os fatos, nos convidar a ampliar os olhares, nos guiar na direção de como viver e pensar criticamente nesses “tempos interessantes”.
E, nota seja feita, a Bienal aconteceu em 2019, no alvorecer dessa grande sacudida que o mundo todo recebeu com o surgimento dessa pandemia, ninguém ficou de fora.
Diante dessa situação completamente inesperada e para a qual faltaram, em todos os âmbitos, modelos mentais capazes de dar as diretrizes do que fazer, aos poucos soluções foram surgindo.
Ainda assim, a ideia, sempre presente e, no entanto, também sempre encoberta, da finitude humana, passa a espreita e acabou por trazer toda sorte de sentimentos e emoções, passando por medo, idignação, revolta, negação e, claro, muito pesar e luto.
Conforme vamos aprendendo a lidar com esse tempo interessante, vamos criando repertório, modelos mentais e estratégias para nos adaptar às grandes mudanças impostas pela realidade do momento.
Aqui não vou falar de home office, home scholling, reuniões virtuais e assim segue a lista.
Quero falar de uma escolha que temos que fazer a todo momento mas, que ganha nuances muito particulares nesses nossos “interesting times”.
A todo momento, cada um de nós precisa escolher entre satisfazer um desejo no presente, sacrificando um bem maior no futuro, ou inversamente, abrir mão de algo no presente para colher os frutos no futuro.
A esse fenômeno, os economistas dão o nome de escolha intertemporal, que representa os termos de troca entre presente e futuro, antecipar ou retardar os prazeres da vida?
O que fazer? Importar valores do futuro para serem desfrutados no presente, a chamada posição devedora, ou, inversamente, enviar valores no presente para serem consumidos no futuro, numa posição credora.
E, cabe a cada um de nós, decidir qual posição vamos tomar nessa troca intertemporal. Cada uma das escolhas feitas no presente impactam aspectos da nossa vida no futuro, sejam eles financeiros, da saúde e qualidade de vida, entre tantos outros. E de forma inversa, o futuro tão desejado depende fortemente das escolhas que fazemos no presente.
A todo momento temos que escolher: comer aquele bem casado delicioso ou estar em forma para o verão? Café com leite desnatado ou um puro descafeinado? Pegar um Uber ou dirigir? E assim segue uma lista sem fim…
Quanto mais opções temos, o que nos dá uma falsa sensação de liberdade para escolher, mais difícil fica decidir e, acabamos sempre insatisfeitos.
Ah! Interesting Times!
Os economistas comportamentais também adoram esse tema só que adicionam um tempero a mais: as emoções, como estamos nos sentindo no exato momento da tomada de decisão.
Diante de tanta incerteza, adversidades, calamidades e trauma coletivo, nesses tempos interessantes, o que acontece com as pessoas?
As emoções se alternam entre confiança no futuro e quase desespero no presente, o que impacta diretamente as escolhas financeiras individuais.
A angústia do agora pode gerar medo ou a falta de limites
Algumas pessoas experenciaram uma grande angústia no presente, o contexto reforçou o medo do futuro e elas nunca mais vão quer passar por isso novamente.
Se tornarão mais cautelosas, mais avessas ao risco e prevalecerá a prudência: pouparão com mais intensidade, não entrarão em nenhum tipo de financiamento ou linha de crédito e não irão adquirir bens e serviços de alto valor.
Outras, ao contrário, por terem passado por muitas restrições e terem visto a finitude da vida tão de perto, escolherão viver sem limites, numa atitude de extravasamento e desafogo, afinal o futuro é totalmente incerto e talvez nem existirá.
A sociedade humana já viu isso acontecer outras vezes: no Brasil, após a gripe espanhola, que foi terrível e as perdas foram gigantescas, houve um momento de total desafogo, culminando no famoso “Carnaval da Gripe, sem limites, tal qual conhecemos hoje.
Após o 11 de setembro, nos EUA, aconteceu coisa parecida: nas semana seguintes, o consumo de produtos ligados à saúde e o nível de poupança despencaram. Ninguém estava disposto a abrir mão do presente em nome de um benefício futuro totalmente incerto. Com o tempo, as coisas foram voltando ao padrão prévio ao ataque às torres gêmeas.
No mundo pós pandemia, o que será que vai prevalecer? Desafogo ou cautela? Os dois vetores estão medindo forças e, novamente, o futuro é incerto…
E você, leitor? Qual posição vai adotar? Devedora ou credora? Quais serão seus termos de troca entre presente e futuro? Quais são as emoções que estão te movendo?
Ter consciência dessas forças motrizes do nosso comportamento é o antídoto para não ficarmos míopes em relação ao futuro – onde só importa o presente – nem hipermetropes – onde o presente fica embaçado e o foco todo vai para o futuro.
May you live in interesting times!