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Joaquim Levy

Além do Visconde de Sabugosa

A contribuição do milho às alternativas energéticas em tempos de carbono zero vai muito além daquela do afamado Poço do Visconde do escritor Monteiro Lobato

Milho

A produção de milho no Brasil é mais eficiente do que nos EUA, porque o milho aqui geralmente cresce em rodízio com outras culturas | Foto: Getty Images

O agro brasileiro continua surpreendendo. A mais recente inovação é a extraordinária expansão da produção de milho. A safra deve crescer 33% em apenas um ano, chegando a 116 milhões de toneladas. A R$ 80 por saca de 60
quilos, são R$ 38 bilhões de novas receitas, sem contar as atividades de processamento, como a produção de etanol. Conseguem-se até 450 litros de etanol por tonelada de milho, e sua produção no Brasil é mais eficiente do que nos EUA, porque o milho aqui geralmente cresce em rodízio com outras culturas. Mais de 3/4 da nossa produção de milho vem da segunda safra, não exigindo terra adicional. Ela, aliás, melhora o uso dessa terra também do ponto de vista climático, porque a terra que não fica descoberta emite menos carbono.

Além do etanol, cada tonelada de milho rende 10-15 litros de óleo e mais de 300 quilos do chamado “grão de destilaria”. Esse último é a proteína que fica após a extração do amido usado para se produzir o etanol, sendo
chamado assim porque já no passado os produtores de bebidas destiladas nos EUA o vendiam como um sucedâneo ao milho. Seco (DDG) ou úmido (WDG), esse coproduto do etanol de milho é um excelente complemento alimentar para o gado, permitindo acelerar o ciclo de produção bovina brasileira, diminuindo assim as emissões de carbono por quilo de carne. Com o etanol a R$ 3/litro e o DDG a R$ 650 por tonelada, a receita total das 100 sacas de milho tipicamente obtidas em um hectare de terra pode chegar a R$ 10 mil.

Além do valor pecuniário, a produção de etanol de milho complementa muito bem aquela a partir da cana-de-açúcar e reforça as condições para o Brasil promover os veículos elétricos alimentados a etanol.
Ao contrário da cana, o milho é fácil de armazenar e transportar, o que tem despertado o interesse das usinas de cana em integrar a produção do etanol a partir de ambos os vegetais. As usinas com acesso ao grão poderiam manter-se ativas por mais meses por ano, trazendo maior estabilidade ao suprimento de etanol e baixando custos de produção, já que o investimento para a integração, como aquele em novos tanques de fermentação, é baixo. A
contribuição do milho às nossas alternativas energéticas em tempos de carbono zero pode ir, portanto, além daquela do afamado poço do Visconde criado por Lobato.

O carro elétrico a etanol traz para as ruas uma das tecnologias de transporte de maior sucesso nos últimos cem anos, que é a das locomotivas diesel elétricas. Ali, o gerador a diesel alimenta o motor elétrico, que traciona várias
rodas, distribuindo a força motriz de maneira mais eficiente. No carro elétrico a etanol, as vantagens da tração elétrica também são alavancadas, inclusive pela recuperação da energia quando se freia, fazendo o litro de etanol
render 18 km na cidade.

A integração das cadeias de valor da mobilidade, agricultura e proteína animal é mais um exemplo de como a transição energética pode abrir novas portas ao desenvolvimento brasileiro. Políticas de apoio direto podem fazer
diferença, afinal, o atual preço internacional do milho deve algo ao governo americano estimular a mistura de etanol à gasolina. Mas, junto com um esforço em pesquisa, o sucesso da nossa transição dependerá principalmente, creio, de mantermos o equilíbrio macroeconômico e darmos espaço para o setor privado tornar as opções que temos mais competitivas e aproveitar os ganhos que o crescimento de cada setor trará ao dos outros.

A crescente participação do crédito livre no financiamento da agricultura é um exemplo de como os mercados de capital e os bancos aproveitam os espaços que vão sendo abertos a eles. No banco Safra, a expansão do apoio à
agricultura, com garantias diversas, funding puramente de mercado ou em parceria com o BNDES, e a promoção de fundos de investimentos em agronegócio – Fiagros – e outros instrumentos afins, respondem às novas necessidades do produtor e à demanda dos investidores. Há enorme apetite dos clientes por letras de crédito do agronegócio (LCAs) e por estruturas cada vez mais sofisticadas, muitas com um aspecto de sustentabilidade (ESG).

Com o crédito rural menos dependente dos depósitos compulsórios e de juros abaixo do mercado, ganha importância um quadro fiscal que estimule o crédito livre pela redução dos juros de mercado. As taxas de juros de
longo prazo caíram quase 2 pontos percentuais recentemente, a despeito da expansão fiscal decorrente do corte das alíquotas do ICMS e da aprovação de mais de R$ 40 bilhões em auxílios. Se o mercado financeiro encontrar
motivos nos meses à frente para continuar esse movimento descendente, o investimento privado poderá crescer no ano que vem.

O investimento no Brasil em 2023 também dependerá das condições externas, bem favoráveis nos três últimos anos. Preços de commodities em alta e juros baixos no mundo todo ajudaram muito a economia brasileira, inclusive
com centenas de bilhões de reais adicionais em royalties e impostos sobre a renda do setor de combustíveis e minerais. A aspirada desinflação mundial pode moderar essa exuberância de receitas fiscais nos próximos trimestres.
que caiu 60% desde 2015, volte a crescer. Esse dilema, deverá ganhar destaque em breve, apesar das atas do Fed virem se mantendo parcimoniosas quanto à urgência do aumento da oferta de trabalho nos EUA.

A preocupação com a inflação americana continua forte, apesar de alguns sinais de acomodação dessa inflação recentemente, amplificados em um mercado com pouca liquidez no auge do verão no hemisfério norte. De fato, foi
o reforço nas medidas anti-inflação que permitiu que a ambiciosa proposta legislativa americana para enfrentar a mudança climática -brevemente enterrada no mês passado – acabasse obtendo o apoio necessário para ser
aprovada e sancionada em tempo recorde.

  • Publicado originalmente no jornal Valor Econômico.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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