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Joaquim Levy

Amazônia: inovar para preservar

Novas atividades, muitas ligadas à bioeconomia, mas ainda não evidentes, serão indispensáveis para a prosperidade da região, com resultados que podem aparecer em menos de uma década

Foto aérea da Amazônia, com raio solar sobre verde

Sucesso de programas de desenvolvimento na Amazônia dependerão de a região oferecer segurança física e jurídica, infraestrutura de internet de alta velocidade e foco no ensino desde a primeira infância | Foto: Getty Images

Cada vez menos pessoas duvidam da necessidade de preservar a floresta amazônica, ainda que poucos entendam completamente a importância do bioma na economia local e nacional. Vão ficando claros os desafios da pobreza e do desmatamento, mas ainda falta uma visão coerente do que seria um futuro de sucesso para a região. 

A Amazônia brasileira detém um terço das árvores e um quinto das águas doces de todo o planeta. A maior parte dela é coberta de florestas, apesar do corte raso de perto de 20% da sua cobertura vegetal e a deterioração dessa cobertura em uma área ainda maior, com áreas em que a morte das árvores é maior do que o nascimento e crescimento de suas sucessoras. Os riscos sobre a Amazônia aumentam com a aceleração do aquecimento global, especialmente diante do aparente das emissões globais de gases de efeito de estufa na esteira da guerra da Rússia. Nessas condições, o desafio de desenvolver a Amazônia preservando a floresta é ainda mais urgente. Esse desenvolvimento sustentável deverá envolver atividades novas e a melhora de algumas atividades que ancoram parte da economia da região.

Os mercados já penalizam a pecuária associada ou dependente do desmatamento, ainda que o consumidor brasileiro continue despreocupado com a origem da carne que compra, talvez porque seu consumo venha caindo nos últimos quinze anos. A sobrevivência da pecuária na região depende de os produtores aproveitarem os recursos disponíveis e as novas tecnologias para aumentar a produtividade e mudar práticas que se formaram nos últimos 50 anos, inclusive o aparente uso do gado para reivindicar direitos sobre terras públicas. 

Uma pecuária mais intensiva, que recupere e dê novos usos a pastagens degradadas faz sentido econômico e vem sendo experimentada com sucesso.  As áreas liberadas pela intensificação podem ser destinadas à regeneração natural da floresta ou ao plantio consorciado de espécies frutíferas permanentes como o açaí e o cacau. O crédito ao produtor pode ser chave para essa transição, financiando a melhora da pastagem, com redução da idade de abate do gado e aumento do plantel, sem prejuízo da busca da neutralidade de carbono. De fato, o carbono sequestrado nas árvores ou no solo nesse tipo de arranjo integrado pode ser maior do que as emissões de 5 ou mais cabeças de gado por hectare. 

Essa transformação pode ser acelerada e ter benefícios sociais importantes se programas de governo para ajudar o pequeno proprietário a regularizar sua terra e aumentar a sua produtividade que começam a aparecer na Amazônia Ocidental forem ampliados e apoiados. 

O sucesso econômico da Amazônia depende de duas ações relativas ao uso do solo: (1) um ordenamento territorial que destine a maioria das florestas pertencentes aos governos federal e estaduais para a conservação nos próximos 50 anos; (2) a regularização fundiária de forma coerente com o ordenamento territorial e com uso das novas tecnologias para demarcação e registros de terras públicas e privadas com critérios que evitem premiar a invasão e o desmatamento de terras públicas ocorridos nas últimas décadas.  

A regularização fundiária é fundamental para aumentar o investimento na terra e melhorar a condição dos assentados, populações tradicionais e pequenos produtores, abrindo as portas para novas culturas e indústrias. É o caso, por exemplo, do dendê no leste da Amazônia como começo da cadeia de produção de combustíveis de aviação sustentáveis. A transparência fundiária é indispensável também para o desenvolvimento de um mercado de carbono que remunere o sequestro de carbono na região, ajudando a financiar a recuperação da floresta e novas atividades, especialmente para os jovens.

Novas atividades, muitas ligadas à bioeconomia, mas ainda não evidentes, serão indispensáveis para a prosperidade da Amazônia. E dependerão de a região oferecer segurança física e jurídica, infraestrutura de internet de alta velocidade, e, principalmente, de um foco no ensino desde a primeira infância. Os resultados podem aparecer em menos de uma década e, junto com a transição energética, a mobilidade com veículos híbridos e o aproveitamento do biogás do saneamento, mostrarão como uma agenda do Brasil pode liderar a corrida para emissões líquidas zero de carbono (net zero), criar empregos e dar oportunidade para todos.

Obs.: publicado originalmente em O Globo.

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Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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