Cada vez menos pessoas duvidam da necessidade de preservar a floresta amazônica, ainda que poucos entendam completamente a importância do bioma na economia local e nacional. Vão ficando claros os desafios da pobreza e do desmatamento, mas ainda falta uma visão coerente do que seria um futuro de sucesso para a região.
A Amazônia brasileira detém um terço das árvores e um quinto das águas doces de todo o planeta. A maior parte dela é coberta de florestas, apesar do corte raso de perto de 20% da sua cobertura vegetal e a deterioração dessa cobertura em uma área ainda maior, com áreas em que a morte das árvores é maior do que o nascimento e crescimento de suas sucessoras. Os riscos sobre a Amazônia aumentam com a aceleração do aquecimento global, especialmente diante do aparente das emissões globais de gases de efeito de estufa na esteira da guerra da Rússia. Nessas condições, o desafio de desenvolver a Amazônia preservando a floresta é ainda mais urgente. Esse desenvolvimento sustentável deverá envolver atividades novas e a melhora de algumas atividades que ancoram parte da economia da região.
Os mercados já penalizam a pecuária associada ou dependente do desmatamento, ainda que o consumidor brasileiro continue despreocupado com a origem da carne que compra, talvez porque seu consumo venha caindo nos últimos quinze anos. A sobrevivência da pecuária na região depende de os produtores aproveitarem os recursos disponíveis e as novas tecnologias para aumentar a produtividade e mudar práticas que se formaram nos últimos 50 anos, inclusive o aparente uso do gado para reivindicar direitos sobre terras públicas.
Uma pecuária mais intensiva, que recupere e dê novos usos a pastagens degradadas faz sentido econômico e vem sendo experimentada com sucesso. As áreas liberadas pela intensificação podem ser destinadas à regeneração natural da floresta ou ao plantio consorciado de espécies frutíferas permanentes como o açaí e o cacau. O crédito ao produtor pode ser chave para essa transição, financiando a melhora da pastagem, com redução da idade de abate do gado e aumento do plantel, sem prejuízo da busca da neutralidade de carbono. De fato, o carbono sequestrado nas árvores ou no solo nesse tipo de arranjo integrado pode ser maior do que as emissões de 5 ou mais cabeças de gado por hectare.
Essa transformação pode ser acelerada e ter benefícios sociais importantes se programas de governo para ajudar o pequeno proprietário a regularizar sua terra e aumentar a sua produtividade que começam a aparecer na Amazônia Ocidental forem ampliados e apoiados.
O sucesso econômico da Amazônia depende de duas ações relativas ao uso do solo: (1) um ordenamento territorial que destine a maioria das florestas pertencentes aos governos federal e estaduais para a conservação nos próximos 50 anos; (2) a regularização fundiária de forma coerente com o ordenamento territorial e com uso das novas tecnologias para demarcação e registros de terras públicas e privadas com critérios que evitem premiar a invasão e o desmatamento de terras públicas ocorridos nas últimas décadas.
A regularização fundiária é fundamental para aumentar o investimento na terra e melhorar a condição dos assentados, populações tradicionais e pequenos produtores, abrindo as portas para novas culturas e indústrias. É o caso, por exemplo, do dendê no leste da Amazônia como começo da cadeia de produção de combustíveis de aviação sustentáveis. A transparência fundiária é indispensável também para o desenvolvimento de um mercado de carbono que remunere o sequestro de carbono na região, ajudando a financiar a recuperação da floresta e novas atividades, especialmente para os jovens.
Novas atividades, muitas ligadas à bioeconomia, mas ainda não evidentes, serão indispensáveis para a prosperidade da Amazônia. E dependerão de a região oferecer segurança física e jurídica, infraestrutura de internet de alta velocidade, e, principalmente, de um foco no ensino desde a primeira infância. Os resultados podem aparecer em menos de uma década e, junto com a transição energética, a mobilidade com veículos híbridos e o aproveitamento do biogás do saneamento, mostrarão como uma agenda do Brasil pode liderar a corrida para emissões líquidas zero de carbono (net zero), criar empregos e dar oportunidade para todos.
Obs.: publicado originalmente em O Globo.