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Joaquim Levy

O caso de Andrew Jackson

Munidos de considerações sobre a presidência Andrew Jackson ((1829-36), 7° presidente dos EUA, talvez se possa projetar melhor algumas das mudanças institucionais, econômicas e do preço dos ativos no período à frente

Andrew Jackson

Andrew Jackson: general bateu os ingleses na guerra de 1812, crescendo na política apoiando os agricultores na ocupação do que hoje é o sul dos EUA | Foto: Getty Images


Há exatos 200 anos, o colégio eleitoral não escolheu para presidente dos Estados Unidos o candidato com maior votação popular ou que chegou com maior número de delegados. Como Andrew Jackson não teve a maioria absoluta de votos ou delegados, John Quincy Adams, filho do segundo presidente americano e um experimentado senador e diplomata, conseguiu levar o cargo.

O contraste entre os dois postulantes era grande, sendo Jackson filho da fronteira e Adams oriundo da velha província de Massachusetts. Jackson nasceu pobre e juntou uma fortuna comprando terras, algumas obtidas a partir de ações governamentais e militares nas quais ele teve influência. Ele se tornou famoso como o general que bateu os ingleses na guerra de 1812, crescendo na política apoiando os agricultores na ocupação do que hoje é o sul dos Estados Unidos. Ao contrário de Adams, que era abolicionista, Jackson possuía várias pessoas escravizadas.

Andrew Jackson não contestou a eleição de 1824, mas venceu John Q de lavada em 1828, reelegendo-se com folga em 1832. Sua posse em 1829 ficou famosa pela multidão que foi a Washington e apareceu sem cerimônia e com algum tumulto na Casa Branca, indicando para muitos o novo jeito com que a república ia se perceber e ser governada a seguir.

Os EUA foram transformados de 1829 a 1836, com políticas que ainda reverberam, especialmente no interior do país. O equivalente ao banco central foi abolido, dando pleno alcance à novel tecnologia do papel moeda emitido por bancos autônomos sem supervisão. Populações foram expulsas de seus lares com o auxílio do exército americano, para aumentar as oportunidades econômicas de grupos que apoiavam o presidente. Tarifas criaram tensões e desobediência à lei federal. E não faltaram pressões para que países europeus honrassem seus compromissos financeiros com os EUA.

Ilustração de Andrew Jackson vence batalha em Nova Orleans, Louisiana, Estados Unidos, Guerra de 1812, história mundial do século 19

Uma das primeiras ações do novo presidente foi anunciar o combate à ineficiência e corrupção, nomeando aliados e afastando os antigos ocupantes que gozavam de certa estabilidade no cargo. Daí veio a prática conhecida como “ao vencedor o espólio”, que valeu até a reforma Pendleton de 1883, que instituiu concursos no serviço público americano.

Em 1830 foi assinada a Lei de Remoção dos Índios, que autorizava o governo a enviar para além do Mississippi os povos indígenas que viviam no sul dos EUA. Ela dava continuidade à ação de Jackson desde os tempos em que, como militar, ele Plano para matar Lula é gravíssimo, mas Lira deu palavra sobre anistia pelo 8 de janeiro, diz líder do PL Alexandre de Moraes autorizou megaoperação no dia em
que seria sequestrado por golpistas Martin Wolf: Guerra comercial de Trump trará o caos · forçou a nação Creek a vender 10 milhões de hectares de suas terras ancestrais e ajudou na expulsão dos Seminoles da Flórida. A receita com a venda das terras agora desimpedidas tornou-se, com o auxílio da expansão monetária, um dos esteios para a redução da dívida pública, ainda que as tarifas de importação
continuassem como a principal fonte de renda do Tesouro.

As tarifas aumentadas no final do governo Adams e mantidas por Jackson escandalizaram o sul vendedor de algodão e importador de bens da Inglaterra. Com a força da expansão da agricultura escravocrata nas novas terras, houve Estado que se recusou a pagá-las. Jackson obrigou seu pagamento, não tanto por amor a elas, mas para garantir a autoridade da União. As ‘piores’ tarifas foram reduzidas pouco depois, mas a revolta contra elas jogou a semente que levou à Secessão quando o possível fim da escravidão alarmou o Sul anos depois.

A expansão do algodão, do crédito e da riqueza reforçava a popularidade de Jackson e parecia mostrar a supremacia da nova economia americana e das instituições que tanto impressionaram Tocqueville na sua visita em 1831-32. Mas uma grave recessão seguiu-se à bonança. A crise começou quando o governo resolveu moderar o ritmo da economia, exigindo em 1836 que as compras de terras fossem pagas em ouro ou prata, para isso deslocando as reservas de ouro americanas para bancos no interior do país.

Coincidentemente, o Banco da Inglaterra subiu os juros para limitar a saída de ouro da ilha. O consequente aperto nos bancos de Nova Iorque levou-os a também subir os juros e diminuir seus empréstimos, o que precipitou o colapso do preço do algodão e do crédito lastreado no comércio dessa fibra. A ausência de um banco central e as dívidas derivadas da expansão monetária ajudaram a alastrar a crise,
que se estendeu pela década seguinte. A dívida pública voltou a crescer.

Para além das curiosidades do período – no qual as relações Brasil-EUA começavam em convivência pacífica e com assinatura de um acordo comercial – algumas coisas se destacam: de um lado, é evidente que nem tudo contado por Tocqueville eram rosas à luz de hoje. A remoção dos índios, renegando tratados, com o presidente ignorando decisões da Corte Suprema e tantos dos nativos morrendo no caminho, é vista com reserva há bastante tempo. A expansão da escravidão que ela permitiu ainda pesa e, ironicamente, muitas áreas do Sul beneficiadas à época foram ficando atrasadas. Além disso, os EUA aguentaram as tensões internas porque eram poucas as externas, com a harmonia então reinando entre as grandes nações.

Do outro lado, a influência popular na política adquiriu novo caráter e fica claro que o crescimento econômico pode acompanhar mudanças dramáticas e mesmo traumáticas na organização do governo e nos sentimentos da sociedade americana, em particular quando há uma expansão da fronteira de produção pela desregulamentação do uso da terra ou de tecnologias.

A violência, inclusive política, do século XIX deixou de ser tida como natural depois do que a Europa sofreu na primeira metade do século XX. De certo modo, tornou-se norma no velho continente e em grande parte do Ocidente, mas não necessariamente em todo o mundo, que os tempos dos heróis homéricos teriam mais uma vez passado e os povos doravante deveriam se pautar mais pelos princípios de Hesíodo, com o trabalho, a inteligência e até a justiça, ao invés do conflito ou conquista, sendo a herança da humanidade. Munidos dessas considerações, talvez se possa projetar melhor algumas das mudanças institucionais, econômicas e do preço dos ativos no período à frente.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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