A qualidade de vida é um desafio permanente para os que vivem nas grandes cidades. As tensões ligadas à segurança, saneamento, mobilidade, entre outras, somadas a pressões de ordem profissional e pessoal resultam num fardo pesado, que não raro causa ou aprofunda a ansiedade e a depressão. Mas outro fator, bastante característico de grandes espaços urbanos, também pode levar a esses dois transtornos mentais: a falta de áreas verdes.
Pesquisa recente da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) realizada na região metropolitana de São Paulo verificou que a falta de áreas verdes está associada a um maior número de pessoas ansiosas — quando comparado a regiões de maior cobertura vegetal. De acordo com o estudo, publicado na revista científica Journal of Exposure Science & Environmental Epidemiology, quem mora em regiões mais afastadas, como a Serra da Cantareira, por exemplo, convive com cerca de 80% de verde ao redor da residência e tende a manifestar menos ansiedade que moradores de áreas mais centrais, ainda que arborizadas. Caso do Alto de Pinheiros, onde há até 60% de verde nas proximidades.
Há, claro, óbvios ganhos em se ter mais verde nas cidades. A qualidade do ar tende a melhorar, já que a cobertura vegetal absorve materiais particulados da emissão de gases poluentes. Isso tem reflexo na melhoria da saúde da população em relação a doenças do trato respiratório (tais como pneumonia, bronquite crônica e asma), mas não só: também diminuem os riscos de infarto e câncer do pulmão. Apesar da pandemia de Covid-19 — e dos milhões de mortes que já provocou —, as doenças cardiovasculares ainda são a principal causa de morte atualmente no Brasil e no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O que significa que qualquer avanço no que diz respeito à saúde do coração é bem-vindo.
Mas os benefícios para a saúde mental não são em nada inferiores. Documento produzido pela divisão europeia da OMS (intitulado “Urban green spaces: a brief for action”, ou “Espaços verdes urbanos: um guia para a ação”, em tradução livre) destaca que nas cidades onde existem mais áreas verdes, as pessoas têm mais oportunidades para fazer atividade física ou conviver ao ar livre, favorecendo até mesmo as relações entre comunidades. A pandemia, aliás, mostrou o quão nocivos os efeitos de períodos prolongados de isolamento podem ser. Alguns estudos, por outro lado, comprovam que a saúde mental só tem a ganhar quando temos a chance de nos aproximarmos da natureza, com uma melhora das funções cognitivas, diminuição da demência, alívio de estresse, melhorias do sono e do sistema imunológico.
O documento da OMS europeia ressalta também que mais áreas verdes são importantes principalmente para populações menos favorecidas, que muitas vezes vivem em regiões não só desprovidas de parques e praças, mas também de infraestruturas básicas de saneamento. O que é um obstáculo mais comum ainda por aqui.
Cidades com grandes espaços verdes serão um desafio cada vez maior no futuro, uma vez que o aumento populacional avança. A Organização das Nações Unidas (ONU) prevê cerca de 70% da população mundial vivendo em meios urbanos em 2050. Como ansiedade e depressão cresceram 27,6% e 25,6%, respectivamente, ao longo da pandemia, segundo pesquisa publicada na prestigiada revista científica The Lancet, vencê-lo deve ser uma de nossas prioridades a partir de agora.
O medo de morrer ao contrair a doença, de perder o emprego e os meios de ganhar o sustento para a família, além do isolamento social, formaram a combinação tóxica que reforçou tais estatísticas. Mais áreas verdes nas cidades, com amplo acesso para todos — sem esquecer dos menos favorecidos — poderiam desempenhar um grande papel na recuperação não só da saúde física, mas também da saúde mental de todos nós.