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Joaquim Levy

Mais verde e mais produtivo

É possível ao Brasil chegar às emissões zero na frente da maioria dos países, sem grandes subsídios e gerando empregos

Torres de energia eólica

Emissões zero são possíveis de serem alcançadas na maioria dos países, sem grandes subsídios e gerando empregos | Foto: Getty Images

A dicotomia entre o verde e o mais lucrativo já foi a norma. Em parte, ela persiste e justifica incentivos para a ciência e novas tecnologias. Mas a solução verde já é muitas vezes a mais barata e a que mais aumenta a produtividade da economia, base do crescimento sustentável da renda.

No Brasil, é possível chegar-se às emissões zero na frente da maioria dos países, sem grandes subsídios e gerando empregos. Basta saber aproveitar nossos recursos naturais, dando a sinalização certa para inovadores e investidores.

É um bom sinal que o governo, além de reestruturar a área de meio ambiente, tenha criado uma secretaria de transição energética no Ministério de Minas e Energia, com uma pessoa capaz para liderá-la. Os Ministérios da Indústria e Comércio e da Tecnologia também terão papel importante para as emissões caírem e a produtividade subir, inclusive aproveitando os excelentes estudos preparados pelo antigo MDIC entre 2014 e 2018.

Quanto antes se definirem políticas claras, mais as fontes de energia renováveis, incluindo biocombustíveis, poderão crescer sem onerar a sociedade. Investidores estrangeiros e instituições multilaterais já dispõem de estudos feitos aqui e fora mostrando que é possível lidar com a intermitência de certas fontes renováveis quando as hidrelétricas e a energia de biomassa são usadas como “baterias” do sistema.

Com preços que reflitam esse serviço e focados na contribuição da geração das hidrelétricas já amortizadas à gestão de riscos do sistema, inclusive o risco hidrológico, a expansão da energia renovável pode ser rápida e eficiente. Ela pode ainda gerar exportações, inclusive de hidrogênio.

A renovação das concessões que se aproxima é uma oportunidade para atualizar a forma de remunerar os investimentos das distribuidoras, crucial para se colher com segurança os ganhos esperados com o avanço dos consumidores livres e da geração distribuída.

Os biocombustíveis em parceria com motores elétricos poderão ter vida longa e aumentar a produtividade nos transportes. Arranjos como o e-power, já em uso na Ásia e no Reino Unido, podem trazer logo para as ruas carros de tração elétrica baratos, que cortam pela metade o consumo de combustível na cidade e exigem pouquíssima manutenção. As repercussões dessa rota vão além do bolso do consumidor, abrindo horizontes para o etanol e para os produtores de motores elétricos no Brasil.

Os desafios do transporte de carga podem ser enfrentados com vários tipos de biodiesel, biometano e gás natural. Recente estudo1 patrocinado pelo BID, Cebri e EPE dá destaque ao diesel produzido com a pirólise da madeira cultivada, caminho análogo ao feito pela África do Sul a partir do carvão, só que verde e talvez mais barato. Nas estradas com tráfego intenso, caminhões elétricos com recarga contínua via uma rede elétrica suspensa ou sob o asfalto podem ser alternativa eficaz. Caberá à política pública apoiar a competição entre as alternativas até que as mais robustas e eficientes se firmem, sem criar distorções no caminho.

O setor financeiro também contribuirá para a transição energética, que muitas vezes envolve investimentos altos na partida, compensados por custos Operacionais mais baixos que a rentabilizam.

Por isso, essa transição pode inicialmente pressionar as taxas de juros globais, sem ser necessariamente inflacionária.

Os ônibus elétricos ilustram o contraste entre custo de capital e de operação. A bateria torna o conjunto mais caro do que um ônibus a diesel, mas a operação do veículo é mais econômica. A arte estará em separar o financiamento da bateria da compra do resto do ônibus, cujo preço é parecido com o do veículo convencional.

A bateria seria alugada pelo seu fabricante ou outra instituição forte para os donos das frotas de ônibus, que pagariam por seu uso e recarga como pagam pelo combustível hoje. A chave para esse financiamento é a solidez da concessão. Um bom desenho pode baixar tarifas, melhorar a saúde pública e engajar a indústria brasileira.

Investimentos para maior sustentabilidade e produtividade também serão a tônica no agronegócio. Nossos parceiros comerciais exigem essa evolução e o Plano ABC+ já prevê a recuperação de 70 milhões de hectares de pastagens degradadas para a pecuária intensiva, expansão dos grãos e novas florestas. Financiar a correção do solo e novas culturas, sem criar uma migração que leve pobreza e desmatamento a outras áreas, vai exigir novas formas de gestão de risco e garantias para lastrear créditos mais longos e atrair fundos de investimentos.

Acertar nesse setor permitirá a captura de carbono no solo, exportações crescentes e mais alimentos na mesa dos brasileiros.

As oportunidades verdes no radar dos investidores e já percebidas pelos poupadores brasileiros incluem ainda os ganhos de gestão possíveis com os novos arranjos no saneamento, as possibilidades de uma mineração responsável e voltada para o futuro, a construção mais eficiente de moradias com madeira engenheirada, e a comercialização de créditos de carbono lastreados em reflorestamentos que protejam a biodiversidade e os moradores da Amazônia. Essa comercialização precisará de um vigoroso mercado global (voluntário), com a incorporação desses créditos nas trajetórias de descarbonização das principais empresas do mundo.

Em suma, uma agenda verde coerente e voltada para a eficiência atrairá investimentos, inclusive externos, até como parte da reorganização das cadeias globais de produção. Mas, para esse cenário de maior produtividade, crescimento e emprego se realizar, será indispensável a rápida articulação de um conjunto de objetivos sociais específicos (na saúde, desempenho educacional, moradia) que dê credibilidade à estratégia fiscal do governo e facilite a gestão macroeconômica, diminuindo o custo do crédito e dinamizando os mercados de capital, inclusive a bolsa de valores. Essa combinação dará o necessário fôlego à economia e estabilidade à sociedade nos próximos dois anos.

1 cebri.org/br/doc/309/neutralidade-de-carbono-ate-2050-cenarios-para-uma-transicao-eficiente-no-brasil

  • Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico

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Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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