As tensões interrelacionais fruto de assimetrias entre o home office e o trabalho presencial poderão impactar negativamente o bom desempenho das empresas, caso os gestores de RH não sejam previsíveis para diagnosticar e combater possíveis disfunções organizacionais e operacionais. Uma delas é a provável contaminação do clima organizacional, por conta de uma eventual falta de sinergia entre uma equipe e outra, no que diz respeito ao ritmo de trabalho. Dentre as consequências desse desalinhamento funcional, destacam-se, por exemplo, o comprometimento da produtividade do trabalho e das respectivas entregas de resultado.
Não se trata aqui da análise de uma narrativa meramente imaginária, nem de um estudo de caso específico e sim de um exemplo hipotético. Contudo, face ao modus operandi corporativo, o risco potencial em questão é factível e pode ser enfrentado, preventivamente, através de várias formas de intervenção na gestão da cultura, dependendo tanto dos estilos de governança das empresas como do perfil de suas lideranças.
Assim, como em se tratando de relacionamento humano, nem sempre dois mais dois são exatamente quatro, este artigo sugere uma terceira via – já que o termo está em moda. Recomenda-se, portanto, uma solução de alto desempenho e de mão dupla, a fim de enfrentar a ameaça de uma espécie de anomia institucional e suas consequências, face à desarticulação do poder de mando sobre as equipes presencial e em home office.
Ou seja, de um lado, propõe-se mitigar os impactos negativos da digitalização sobre as práticas de interação dentro e fora da empresa, buscando destravar a comunicação entre os funcionários das duas equipes; e de outro, gerenciar as tensões interpessoais via inteligência emocional, evitando-se, por exemplo, que os conflitos de interesses neutralizem a empatia, as boas práticas de compartilhamento, a troca de experiências e os aprendizados acumulados, inclusive via lições do home office.
Forçadas pela pandemia, muitas empresas entraram de cabeça na era digital, priorizando a interatividade técnica, sem diagnosticar e avaliar devidamente, eventuais gargalos comportamentais capazes de invalidar o sucesso da transição, aprofundando o descompasso entre a cultura e os objetivos almejados. É claro que, a essas alturas do jogo, não é racional nem recomendável voltar atrás na tentativa de refazer a lição de casa, mas é possível ajustar o passo, até mesmo a partir dos erros cometidos, para seguir em frente com assertividade e segurança.
Já pensando na implementação do alinhamento proposto, recomenda-se reforçar os valores socioculturais que fundamentam a transformação digital, como por exemplo, a flexibilização de hierarquias. Para isso é mandatório aparar arestas organizacionais, rompendo muros simbólicos protegidos por subculturas, os quais costumam criar barreiras institucionais para a difusão rápida das decisões e comunicações.
Há outros gargalos que podem e devem ser neutralizados, como o poder informal de alguns atores e grupos que se articulam internamente via afinidades institucionais ou lealdade a determinados tipos de liderança, como as de perfil autoritário e autocrático. Sabe-se que ancorados nesse “Jeitinho Brasileiro”, tais personagens barram o compartilhamento de espaços na hierarquia das empresas, desconstruindo possíveis efeitos positivos da meritocracia e da diversidade, incluindo a étnico-racial.
Parte dessa rigidez estrutural é herança de sequelas resultantes da ressignificação das empresas em conformidade com as novas dimensões culturais da globalização, ainda nos anos de 1980, como eu enfatizo em meus livros sobre cultura organizacional. O enfrentamento mais eficaz dos desvios comportamentais fomentados por um imaginário organizacional já ultrapassado depende de colocarmos em prática uma habilidade muito especial.
Trata-se da Inteligência emocional, que segundo o psicólogo norte-americano Daniel Goleman, é a capacidade de identificarmos tanto os nossos sentimentos como os dos outros. Essa distinção potencializa nosso autoconhecimento e o autocontrole, nos tornando mais competentes para gerir emoções, variável que, em tese, compõe parte do arcabouço conceitual das qualificações conhecidas também como soft skills.
Por meio da inteligência emocional, redobramos nossa capacidade de resiliência para lidar com conflitos, tanto de natureza sistêmica como intrapessoal e interpessoais, evitando que o mau humor se espalhe no ambiente de trabalho. De quebra, reduz o estresse frente a situações-limites, que obrigam os profissionais a se superarem diuturnamente, como acontece atualmente no mundo corporativo.
Por fim, vale ressaltar que gerir a cultura organizacional é como reger uma grande orquestra. Ou seja: a batuta está com o RH, mas, como não existe som de uma nota só, todos devem compartilhar objetivos comuns, para que haja equilíbrio e harmonia.