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Sidney Klajner

Sidney Klajner

Como será a medicina do futuro?

Quem pensou em robôs acertou somente em parte. Uma forte tendência na robótica é a miniaturização dos instrumentos e minimização do número de incisões

Robótica na medicina

A robótica evolui rapidamente em novos equipamentos para diferentes tipos de cirurgias e também em dispositivos | Foto: Getty Images

“Cadê o cirurgião?” Essa pode ser a pergunta de uma pessoa que entre na sala híbrida com tecnologia 4D do Hospital Israelita Albert Einstein e não esteja familiarizada com o ambiente, que parece concebido pela mente criativa de um autor de ficção científica.

Com tamanho quatro vezes o de uma sala cirúrgica convencional, ela reúne em um mesmo lugar várias tecnologias que convergem para um mesmo objetivo. Um dos equipamentos é um aparelho em forma de arco, sob o qual se move a maca onde está o paciente, captando imagens em movimento em tempo real (daí o conceito de 4D, que adiciona o elemento movimento às imagens tridimensionais).

Durante um procedimento de revascularização do miocárdio, o dispositivo permite visualizar os vasos sanguíneos e a circulação do sangue.

Ao lado do paciente está outra máquina, um robô, cujos braços movimentam, com uma precisão impossível ao mais hábil cirurgião, as pinças e os instrumentos cirúrgicos, que se movem orquestralmente por meio de incisões mínimas.

E cadê o cirurgião? “Estou aqui!”, responde uma voz a alguns metros dali. Ele está confortavelmente sentado à frente de um console, uma espécie de central de comando, fazendo o mais importante: analisando as imagens obtidas em tempo real, algumas fundidas com imagens de exames prévios, e, claro, comandando os braços do robô.

Usadas em procedimentos robóticos ou laparoscópicos, as salas híbridas combinam recursos que alçam a um novo patamar de segurança e precisão as cirurgias cardíacas, neurológicas, ortopédicas, gastrointestinais e de várias outras especialidades.

E a robótica evolui rapidamente em novos equipamentos para diferentes tipos de cirurgias e também em dispositivos. Um deles, aprovado recentemente nos Estados Unidos, permite grande precisão na reconstrução articular em cirurgias ortopédicas ao, por exemplo, apontar precisamente a melhor posição para se implantar uma prótese de joelho – isso com base em medidas feitas antes da operação. Com a padronização, a qualidade média dos resultados sobe: ganha o paciente, que vai ter menos dor e menor chance de complicações, além de melhor desempenho funcional.

Também cresce o número de cirurgiões certificados em robótica, processo que até recentemente tinha de ser realizado no exterior e agora, começa a ser feito no Brasil: o Einstein é o primeiro centro certificador em cirurgia robótica torácica do hemisfério sul, e já está treinando especialistas de toda a América Latina e de outras partes do mundo na modalidade.

Uma forte tendência na robótica é a miniaturização dos instrumentos e minimização do número de incisões. Se já é surpreendente fazer cirurgias complexas com apenas quatro ou cinco delas, existe uma tecnologia que permite uma única incisão (chamada de single port). O dispositivo abre quatro “braços” quando já está dentro do corpo do paciente.

Além da robótica

A biofotônica é outra aliada em cirurgias como as oncológicas, com uso de um contraste fluorescente que marca, por exemplo, os linfonodos (que em muitos casos têm de ser removidos) e faz com que eles apareçam nas imagens como pontos verdes brilhantes, norteando o trabalho do cirurgião. A fluorescência também está presente no microscópio robótico, um sistema de visualização preciso e de alta resolução, particularmente importante nas cirurgias neurológicas.

A espectrometria de massa, análise que era feita em grandes máquinas e que permite, no reconhecimento das moléculas, identificar o tecido de uma amostra (tipo de um tumor maligno, por exemplo) está migrando para um dispositivo do tamanho de uma caneta: é a mistura de bisturi elétrico com inteligência artificial que possibilita a análise dos tecidos que estão sendo cauterizados e que “avisa”, no decorrer do procedimento, se o tumor foi completamente removido – uma senhora vantagem, não?

Mas eu não posso esquecer de falar do coaching cirúrgico! Funciona assim: o sistema analisa imagens de um procedimento realizado por determinado cirurgião, compara com informações extraídas de um banco de dados com outros procedimentos do tipo. A inteligência artificial processa essas informações faz sugestões de melhoras na técnica. O Einstein foi o primeiro a testar uma plataforma do tipo na América Latina.

Agora imagine um cirurgião realizando um procedimento em um hospital e sendo orientado em tempo real por um colega mais experiente que está a quilômetros de distância, acompanhando em uma tela tudo o que está acontecendo. Isso também já acontece! Usando óculos de realidade virtual enquanto opera seu paciente, o cirurgião recebe mentoria a distância. A conexão entre ambos é feita por meio de qualquer plataforma digital de reunião.

Recentemente realizamos um processo de mentoria envolvendo um cirurgião que estava operando um paciente no Hospital Municipal Vila Santa Catarina (que é gerido e operado pelo Einstein) e recebeu o suporte de um colega que se encontrava na unidade do Morumbi, e que poderia estar até mesmo em outro estado ou outro país.

Vale tudo?

As inovações são um universo em forte e veloz expansão, o que é ao mesmo tempo admirável e desafiador. Nos congressos médicos internacionais, a exposição de equipamentos e tecnologias atrai quase tanta atenção quanto a apresentação de trabalhos científicos. Confesso que é difícil acompanhar a enormidade de inovações. Mais difícil ainda é identificar o que realmente agrega valor para o paciente.

O Einstein tem uma área de Inovação Cirúrgica criada especialmente para ser esse radar de novidades e examiná-los bem de pertinho, com lupa, para ver o que realmente vale a pena. São três possíveis classificações: 1) o dispositivo ou tecnologia agrega qualidade à assistência e pode ser adotado com segurança para o paciente; 2) para uma eventual adoção ainda é necessária a realização de mais estudos; e 3) deve ser deixado de lado por questões de segurança ou por ser meramente um insuflador de custos.

A adoção inteligente e responsável de tecnologias com equilíbrio entre o novo e a segurança do paciente é fundamental para revolucionar o acesso a esse universo.  As incorporações que agregam valor para a assistência podem gerar escalabilidade e reduzir custos. Olha só que curioso: as hoje corriqueiras laparoscopias ainda eram um luxo quando chegaram aqui no Brasil no início dos anos 1990.

O mesmo se deu em quase todos os setores, e o celular é um bom exemplo fora da área médica. Os primeiros aparelhos eram caríssimos (e só permitiam falar com mobilidade, nada mais). Hoje, smartphones repletos de funções estão nas mãos de milhões de pessoas e pouca gente lembra que ainda existe telefone fixo.

A diferença fundamental é que, na área médica, as inovações nos influenciam e transformam algo extremamente essencial e precioso em nossas vidas: a saúde.


Sidney Klajner é Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein.

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