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Silvia Scalzo

Desafios em escala

A Construção Civil brasileira ainda tem muito a evoluir do ponto de vista da sustentabilidade e a opção modular pode representar um avanço

Canteiro de obra de construção modular

A construção modular permite um canteiro de obras controlado, mais limpo e com impacto ambiental reduzido | Foto: Getty Images

O setor da Construção Civil é tão central quanto cercado de desafios para o desenvolvimento sustentável do Brasil nos próximos anos.

Aumentar da produtividade é fundamental. Mas, com a produtividade, é essencial a evolução da qualidade dos produtos, da redução de custos e prazos e, cada vez mais no topo das prioridades, diminuição de impactos ambientais.

Estudos da FGV pontam que há um “duplo gap” de produtividade a ser vencido. O primeiro é o da produtividade da Construção Civil, que hoje é inferior em quase 8% à produtividade da economia como um todo; o segundo, se refere à produtividade média brasileira, que é inferior à produtividade média dos países desenvolvidos.

A industrialização da construção civil, em especial a construção modular, pode responder ao desafio da produtividade, contribuindo ainda para o aumento da qualidade e a redução de custos, prazos e prejuízos ambientais.

O que é a construção modular e quais são os seus desafios

A construção modular é um processo no qual um edifício é construído fora do canteiro de obras (off-site), sob condições fabris controladas. O edifício é constituído de partes ou de módulos pré-fabricados que são levados para o canteiro de obras para operações de montagem.

Muda-se, assim, a base das atividades que são tradicionalmente realizadas no canteiro de obras (on-site) para o ambiente da manufatura, por mão de obra técnica, treinada para a lida com o produto de base industrial.

O que impulsiona a construção modular atualmente, após diferentes experiências e estágios de industrialização buscados desde o pós-guerra, são os avanços propiciados pelas tecnologias digitais como o BIM (Buiding Information Modeling), novas tecnologias de fabricação, internet das coisas e avanços em logística.

Há diversos métodos de construção modular. Os elementos pré-fabricados modulares podem ser constituídos por componentes volumétricos – chamado de 3D – ou por componentes não volumétricos – 2D, ou, ainda, com a combinação de ambos os métodos. Exemplos do chamado 2D são elementos como painéis de vedação de fachada, treliças de telhado, painéis de lajes.

Exemplo de construção híbrida (3D e 2D) pode ser um edifício construído com módulos de banheiros completos, com o restante do edifício montado com componentes 2D.

Os empreendimentos podem ainda empregar uma combinação de construção modular off-site e de elementos tradicionais construídos no canteiro de obras on-site.

Acidentes e impacto ambiental reduzidos estão entre os benefícios

A construção modular pode trazer ganho social pela melhoria das condições de trabalho, que passa a ser realizado em unidades fabris. Transferir atividades realizadas em canteiro de obras para a indústria pode colaborar também para a diminuição de riscos de acidentes.

A redução do impacto ambiental pode se dar pela menor geração de resíduos em obra, pela redução do volume de insumos transportados ao canteiro de obras, redução dos incômodos à vizinhança proveniente de ruídos e redução da emissão de material particulado. Menor impacto ambiental também pode ocorrer por meio da redução das perdas no canteiro e pela redução da quantidade de materiais empregados e de sua massa.

Para a maior industrialização na construção civil, há que se enfrentar os desafios trazidos por uma série de barreiras. Uma das principais é a distorção que a legislação tributária impõe ao encarecer sistemas fabricados fora do canteiro de obras. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre os componentes dos processos industrializados eleva o custo final da alternativa industrializada, de tal forma que a produção no canteiro de obras pode se configurar como opção de menor custo econômico, uma vez que não há incidência do tributo.

Essa cobrança do ICMS distorce a carga tributária em favor de métodos construtivos que são moldados no canteiro de obras ao invés de montados no canteiro de obras.

Outra barreira é a questão da mudança de cultura de toda a cadeia da construção, que termina no usuário e se inicia nos investidores e nos projetistas. A complexidade e variedade dos materiais utilizados nas tecnologias da Construção Modular com garantia de desempenho reforçam a necessidade de trabalho integrado em equipes multidisciplinares atuando desde o projeto ao acompanhamento da execução, com participação da indústria de materiais.

A integração deve se dar no projeto, mas também na fabricação abrangendo fornecedores de materiais, indústria, sistemistas e instaladores para que os ganhos sejam efetivos na cadeia produtiva e cheguem até o usuário, que ganhará na economia e qualidade do produto.

A colaboração entre agentes da cadeia produtiva é fundamental, pois, os sistemas devem apresentar flexibilidade para incorporar componentes de diferentes fabricantes, numa produção de ciclo aberto para que se possa ganhar escala de produção.

O conceito da Construção Modular precisa ser difundido: demonstração de cases, concursos de arquitetura e engenharia podem colaborar na disseminação dos conceitos. Paralelamente, são necessárias ações institucionais como a elaboração de normalização sobre sistemas construtivos industrializados e a elaboração de documentos técnicos como diretrizes e manuais de projeto e de execução.

No intuito de incentivar as inovações em Construção Modular na cadeia da construção civil, promover a sua integração e identificar oportunidades e desafios para formular planos de ação, foi montada a “Aliança para a Construção Modular”, iniciativa do Centro de Inovação em Construção Sustentável da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (CICS USP) com apoio dos convênios de cooperação Hubic e Housing Pact. A Aliança conta no momento com a participação de mais de 40 empresas da cadeia produtiva da construção civil, com representantes da indústria de materiais de construção, construtoras e incorporadoras e projetistas.

O momento em que o Brasil e o mundo vivem um redesenho para avanços na produção em todas as áreas econômicas diante das emergências climáticas e necessidades sociais, é inevitável o esforço para a evolução dos sistemas construtivos.


Arquiteta e Mestre pelo Programa ConstruInova (Poli-USP). Atuou por mais de 15 anos no desenvolvimento de mercado da construção, marketing e vendas na indústria siderúrgica. É colaboradora do Centro Brasileiro da Construção em Aço (CBCA) e da Aliança da Construção Modular.

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