A recuperação econômica tem sido desigual ao redor do mundo, e a subida dos juros para enfrentar a inflação pode pegar algumas economias no contrapé, especialmente dada a desorganização dos mercados de energia com a guerra na Europa. Um dos países onde esses dois movimentos podem ter impacto é a Índia, cuja economia tem paralelos e contrastes interessantes com o Brasil. A recuperação econômica da Índia, e especialmente das exportações, tem sido notável.
As exportações indianas de bens saíram de US$ 313 bilhões no ano fiscal antes da pandemia (ano fiscal 2019-20), para US$ 418 bilhões no AF 2021-22 (+33% em relação ao pré-covid). As exportações totais, incluindo de serviços como TI, chegaram a US$ 660 bilhões nos doze meses até março de 2022. De abril para cá, as exportações de bens já estão perto de US$ 200 bilhões.
Ainda que parte do crescimento das exportações indianas reflita aumentos de preços em dólar, sua expansão em 1.000% desde 2001 é muito significativa. As exportações brasileiras equivalentes passaram nos últimos 20 anos de US$ 70 bilhões para US$ 317 bilhões (+400%), dos quais US$ 35 bilhões em serviços. O objetivo de chegar a US$ 800 bilhões em exportações no AF 2022-23 pode, no entanto, sofrer com a desaceleração global, já que quase 40% dos bens vão para os EUA e Europa. Também causa apreensão o salto de 45% das importações no último ano, mesmo que ele tenha resultado em um déficit na conta corrente de apenas 3%
do PIB, contra os 10% de 2011-12.
O sentimento na Índia de que o país está colhendo os frutos de 20 anos de apoio às indústrias como a química e farmacêutica (US$ 50 bilhões de exportações) é persistente. Ele refletiria o sucesso da estratégia da Índia em se tornar um centro de processamento de recursos naturais, ilustrado pela exportação de US$ 65 bilhões em derivados de petróleo e de US$ 39 bilhões em joias em 2021 (US$ 24 bilhões em diamantes lapidados).
O país estaria assim se beneficiando de estar entre o Oriente Médio e diversas partes da Ásia, além do desejo de algumas indústrias, como a de equipamentos eletrônicos portáteis, de diversificar geograficamente suas cadeias de valor na Ásia.
Não há um fator único que explique o bom desempenho das exportações indianas. No seu mais recente Relatório da Moeda e das Finanças, o banco central indiano (RBI) nota que a vantagem comparativa da Índia tem se revelado crescente em categorias onde ela não é tão expressiva (químicos, veículos, equipamentos elétricos) e diminuído onde ela é maior (roupas e calçados, couro e minério), talvez pelo aumento do custo da mão de obra e pelos incentivos dados para reduzir o custo de capital de setores industriais pesados e incorporar mais tecnologia em produtos chaves.
O banco afirma assim que os incentivos ligados à produção (PLI) agora precisam focar na melhora dos padrões de qualidade dos bens exportados, inclusive em termos de emissão de carbono, para ganhar mercados. Além disso, ele defende a estabilidade cambial e que eventuais acordos comerciais foquem na transferência de tecnologia e cubram serviços. O RBI também lembra os benefícios de baixar as tarifas de importação e promover o investimento direto estrangeiro, reduzindo a exigência de autorizações.
Outros analistas, inclusive consultorias internacionais, apontam para a contribuição dos subsídios, agora rechaçados pela OMC e substituídos pela devolução de créditos tributários, tema que ganhou destaque com reforma do IVA de 2017 e encontra eco no Brasil.
A gestão macroeconômica tem tido resultados parecidos com o Brasil, com 20% de depreciação do câmbio nos últimos cinco anos e salto da dívida pública de 65% para 90% do PIB com a covid-19. A principal diferença talvez seja a taxa de poupança de 30% do PIB, contra os 15% verificados no final dos anos 2010 e os talvez 20% do ano passado.
Outra diferença é a maior dependência de energia fóssil da Índia, especialmente para a geração elétrica. Apesar da entrada de 32 GW de energia renovável desde 2019, perto de 75% da geração elétrica na Índia depende de carvão e gás natural, resultando em 1.2 GtCO2 eq jogados na atmosfera todo ano (metade das emissões de origem fósseis e quase um terço dos 3GtCO2 eq emitidos no total pelo país pela métrica GWP100). Houve um pico de 36 MtCO2 de emissões pela geração elétrica no Brasil em 2021, mas o setor pode chegar a zero brevemente se a expansão das fontes eólica e solar for integrada à geração hidroelétrica.
O fechamento das usinas a carvão na Índia é um grande desafio da descarbonização mundial. Ele corresponderia à eliminação de emissões da mesma magnitude do desmatamento da Amazônia (1GtCO2). Mas seus custos diretos estariam em US$ 30-50 bilhões, aos quais devem se somar os de compensação da força de trabalho demitida, o impacto nas minas de carvão, etc. A expectativa de financiar essa transição com créditos de carbono voluntários parece ambiciosa e pode deslocar rapidamente os créditos de carbono baseados na proteção da floresta ou reflorestamento.
Dada as restrições financeiras dos bancos multilaterais e a atual pressão orçamentária nas economias avançadas, não será surpresa, portanto, que surjam sugestões de financiar a transição energética com a emissão de SDRs, os direitos de saque do FMI. Essas emissões, como a de qualquer moeda, parecem sem custos para muitas pessoas. Mas, a recente alocação de US$ 650 bilhões desses direitos por conta da covid-19 e a conversão de quase US$ 30 bilhões deles para pagar compromissos externos, além de US$ 80 bilhões em apoio orçamentário por mais de uma centena de países não passaram despercebidas do mercado financeiro.
Esses temas, assim como as possibilidades de parceria com a Índia, que deve presidir o G-20 no ano que vêm, serão cada vez mais presentes nos mercados financeiros e internacionais e brasileiros, assim como em algumas discussões de política econômica. Mas deve-se ponderar que, além do entusiasmo com as perspectivas de crescimento do país, a alta taxa de poupança da Índia deve contribuir para que, nesse ambiente de juros globais em alta, o índice Sensex da bolsa de Mumbai tenha devolvido nos últimos meses apenas 10% dos 40% que havia subido desde 2019.
- Publicado originalmente no jornal Valor Econômico.