Num de seus artigos mais famosos e citados mundo afora, publicado em 1970 no jornal The New York Times, o economista Milton Friedman provocou: “A única responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros”. Os tempos eram outros – para o Nobel de Economia, para todo o setor privado e para os bilhões de cidadãos e consumidores espalhados pelo planeta. Não sou economista e não me arriscaria a puxar a orelha do pai dos economistas da prestigiada Escola de Chicago. Ao seu estilo provocativo, Friedman se apoiava numa teoria que fazia sentido, a “teoria do acionista”: segundo ela, acionistas adquirem ações de uma empresa com a finalidade de maximizar o retorno de seu investimento e, portanto, o principal dever dos administradores seria maximizar o retorno financeiro dos investidores, garantindo à companhia o maior lucro possível.
A lógica embutia uma verdade, mas era uma verdade incompleta. Uma empresa também trabalha pelo lucro, que significa capacidade de mais investimentos, emprego, renda e inovação. Mas o mundo segue mudando. E uma das mudanças é a consciência social segundo a qual sociedades sustentáveis requerem propósitos de longo prazo, capazes de responder a desafios sociais, econômicos, culturais e ambientais das populações. Se isso já era verdade num mundo em transformação, a pandemia ajudou a reforçar essa exigência. Com a Covid-19, mais do que nunca a desigualdade ficou estampada diante de nós, gritando por uma reação. E, como ensina uma outra máxima, já popularmente conhecida em diferentes setores do investimento social, não se pode falar em empresas ou empresários bem-sucedidos em sociedades falidas, ou fracassadas.
A Educação Básica e, em particular, a escola pública e de qualidade, constituem um dos espaços mais relevantes para corrigirmos os desequilíbrios estruturais que, há séculos, condenam o Brasil ao baixo desenvolvimento. E é nela que estão alguns dos riscos mais emergenciais. A tragédia imposta a todos os alunos, mas especialmente a pobres, negros, indígenas e periféricos, é ainda mais grave, por exemplo, na falta de acesso à Educação formal e nos atrasos de aprendizagem decorrentes do longo período de escolas fechadas – uma ferida aberta e profunda que poderá levar uma geração para ser recuperada. Se for.
Se é verdadeiro o clichê inquestionável de que a Educação é o melhor combate à pobreza e ao atraso, também é verdade que nossos problemas emergenciais vão além do aprendizado dentro de sala de aula: estudos mostraram, por exemplo, que, à certa altura da pandemia, a chance de um morador da periferia paulistana morrer da doença era três vezes maior do que um morador dos bairros mais ricos. Não há solução à vista para nossos problemas – de saúde, de segurança, de emprego e de vulnerabilidade social – que não passe pela Educação.
Este é, portanto, um grito de alerta e um chamamento ao setor privado. Se, por um lado, não podemos mais pensar que é possível produzir e gerar riquezas sem cuidar da realidade à sua volta, por outro devemos lembrar que governos, sozinhos, não conseguem fazer frente a desafios profundos como a desigualdade.
Engajar-se em grandes (ou pequenas) causas educacionais, contribuir com organizações da sociedade civil que trabalham em causas emergenciais ou estratégicas, apoiar redes públicas de ensino, dialogar com governos e Congresso em nome de agendas educacionais, trabalhar enfim para mudar de verdade a qualidade da Educação Básica no Brasil – eis alguns dos desafios para os quais estão convidados empresas, institutos ou fundações empresariais, fundos engajados em causas sociais, investidores, pessoas físicas que tenham mais recursos.
Ter o setor privado envolvido na Educação também é uma forma de garantir que organizações e especialistas que lidam com o tema possam trabalhar com a independência necessária em relação a governos, desafiar o que precisa ser desafiado, ter a pluralidade decisiva em nome das mudanças.
Sinto orgulho de dirigir um movimento que conta tanto com essa independência em relação a governos, mas também com independência técnica em relação aos mantenedores e apoiadores. Chega a ser curioso quando vejo e leio algumas vozes radicais torcendo o nariz para a participação de empresas e empresários no financiamento de causas educacionais.
Equivocadamente, essas poucas e barulhentas vozes veem riscos em torno de uma suposta agenda de privatização do ensino. Elas deveriam, ao contrário, não apenas celebrar o engajamento privado, mas mais do que isso: exigir que mais e mais participem.
Ter o setor privado envolvido na Educação significa muito mais do que pensar na dicotomia público x privado. Já passou da hora de superarmos essa polarização equivocada, que opõe dois setores como elementos, por natureza, ligados ao bem e ao mal.
Também é fundamental ressaltar que a agenda da qual trato aqui é única e clara: a melhoria da Educação pública. O impulso amparado pelas evidências. O preparo efetivo e de longo prazo da escola pública. A abertura das trilhas mais corretas para nos levar ao cumprimento de metas ambiciosas entre nossos indicadores educacionais.
Nenhuma estrutura econômica, arquitetura institucional, avanço tecnológico ou modo de consumo se converterão em desenvolvimento adequado e sustentável se preservarmos a baixa prioridade dada à Educação como vetor de transformação do
país. Conhecimento e competência, adquiridos universalmente por meio da centralidade da escola pública, abrem espaço para recuperar atrasos e acelerar prosperidade para todos. E gerar lucros ainda maiores!