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Sidney Klajner

Sidney Klajner

Erros de medicação podem até matar. Como evitá-los?

Falhas humanas e de processos estão por trás de eventos adversos que podem causar sérios prejuízos aos pacientes. Preveni-los é um desafio para as instituições de saúde. Não é fácil, mas é possível.

Medicamentos

Medicação errada pode gerar danos para o paciente, inclusive sequelas graves, e até levar a óbito | Foto: Getty Images

No final de 2010, um caso emblemático de erro de medicação ganhou as manchetes no noticiário nacional: uma garota de 12 anos morreu em um hospital público de São Paulo porque, em vez de soro fisiológico, recebeu na veia vaselina líquida. Os frascos dos dois produtos eram semelhantes e estavam guardados no mesmo lugar. A enfermeira não percebeu que pegou o produto errado e também não checou ao injetá-lo no braço da paciente que precisava apenas de uma hidratação. Foi uma fatal sucessão de desacertos.

Mais de uma década depois, e mesmo sem estimativas que dimensionem o número de pessoas afetadas no Brasil, é fato que os equívocos de medicação ainda seguem trazendo impactos contundentes. Entre janeiro e outubro de 2019, foram 2.771 notificações recebidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um aumento de 64,5% em comparação com 2018 e de 218% em relação a 2017.  Isso não significa que situações desta natureza estão aumentando e, sim, que estão sendo mais notificadas, o que demonstra uma maior preocupação com o problema – um avanço, mas ainda sim dados que estão distantes de refletir a nossa realidade.

Mas, esta não é apenas uma preocupação exclusiva do Brasil. O Food and Drug Administration (FDA) recebe anualmente mais de 100 mil notificações nesse sentido em instituições dos Estados Unidos. Por lá, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), falhas de medicação afetam mais de 1,3 milhão de pessoas a cada ano. Também, de acordo com o National Center for Biotechnology Information (NCBI), entre 7 mil e 9 mil pacientes morrem anualmente em razão de imprecisões desse tipo -, que geram custos para o sistema de saúde norte-americano calculados em mais de 40 bilhões de dólares por ano.

Com boas razões, esse é o foco do terceiro desafio global, lançado pela OMS em 2017: reduzir em 50% a ocorrência de erros de medicação, que estão entre as importantes causas de danos aos pacientes que podem ser evitadas.

Para citar alguns exemplos, são incorreções ligadas ao entendimento de uma prescrição, ao preparo da medicação, ao horário, à dosagem, à forma de administração, à falta de rigor na identificação do paciente ao qual o remédio se destina e aos problemas de interação medicamentosa… Ou seja, os riscos estão à espreita nas mais diversas frentes.

Uma diluição incorreta, um remédio trocado por engano, uma dosagem inadequada ou o uso da via errada (por exemplo, a injeção na veia de uma droga que deveria ter aplicação intramuscular) são algumas das muitas ocorrências que podem gerar danos para o paciente, inclusive sequelas graves, e até levar a óbito.

Evitá-las exige processos rigorosos, tecnologias que criam barreiras e ajudam na prevenção, profissionais bem treinados e, sobretudo, uma cultura de segurança que permeie toda a instituição – algo que não se implanta por decreto. É uma cultura que só se cria com envolvimento da alta liderança e com atribuição de responsabilidade e poder para quem está na ponta. É quem está na ponta que usa a tecnologia, aplica os processos e sabe onde estão os ‘vilões’. Pode, por exemplo, alertar sobre semelhança de frascos. Igualmente indispensável é estimular o reporte e a investigação dos quase erros (near miss), incidentes que não chegaram a ter qualquer consequência, mas poderiam ter em alguma outra ocasião. Em vez de escondê-los ou ignorá-los com um “felizmente nada aconteceu”, é preciso que sejam comunicados e analisados para buscar a causa-raiz e adotar providências para eliminá-la, pois tem potencial para se repetir com impactos para o paciente.

Esses são elementos muito presentes no Einstein, que sempre se propôs a ser uma organização de alta confiabilidade. Por isso, a régua de segurança é elevada, e nosso objetivo não poderia ser outro:  zero dano ao paciente. Para isso, desenvolvemos e aplicamos iniciativas nas mais diversas frentes, entre elas as que visam mitigar os erros de medicação.

Neste sentido, a tecnologia é, sem dúvida, uma aliada. O sistema de prontuário eletrônico do Einstein, por exemplo, alerta sobre riscos de interação medicamentosa, como a administração de um anti-inflamatório para um paciente que já toma anticoagulante, o que pode levar a uma hemorragia no pós-operatório. Outro recurso é o uso de código de barras na identificação do paciente e do medicamento, o que também contribui para evitar erros. Já o sistema automático de distribuição de medicamentos ergue barreiras contra falhas: a partir da prescrição médica, a equipe da farmácia insere a informação no sistema, associando paciente, medicação, dosagem, via de administração etc. Nas diferentes áreas assistenciais e na internação, por exemplo, há terminais onde o profissional da enfermagem digita sua senha e nome do paciente que precisa ser medicado. Automaticamente abre-se a gaveta de uma espécie de armário eletrônico onde está o medicamento que deve ser administrado.

Ações simples, que não exigem investimentos tecnológicos, também reforçam efeitos anti-erros. Um exemplo que adotamos no nosso centro cirúrgico foi o uso do antisséptico clorohexidina, que é aplicado na pele do paciente, na área onde será feita a incisão, com coloração laranja. Originalmente, o produto é transparente, assim como o líquido usado na aplicação de contraste. Com cores diferentes, anula-se o risco de os produtos serem trocados por engano.

No Einstein, contamos com um bem estruturado Programa de Gestão Segura de Medicamentos, visando garantir os melhores processos e práticas e os treinamentos necessários, além de estimular o engajamento dos colaboradores (e dos pacientes) nessas iniciativas. Também acompanhamos algumas dezenas de indicadores (com metas para cada um) para monitorar nosso desempenho e ir subindo continuamente a régua da segurança e da alta confiabilidade.

Agora, como mais uma estratégia de segurança do paciente, lançamos o Programa Guardiões da Medicação, profissionais especialmente capacitados que atuarão como responsáveis e agentes da segurança dos medicamentos em suas unidades. Lançado na forma de campanha, esse programa é mais um alavancador das transformações culturais que fazem da segurança um propósito presente na mente e no coração de cada profissional e da organização como um todo. No Einstein não temos dúvida de que alimentar continuamente essa cultura é construir barreiras cada vez mais robustas contra os erros de medicação. É fazer com que os medicamentos produzam apenas os efeitos para os quais foram criados: devolver a saúde aos pacientes.


Sidney Klajner é Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein.

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