Em todos os artigos a escrever, eventos e debates online a participar, rodas de conversa a se envolver, o ponto de partida parece estar sempre no inevitável: olhamos ao redor e nos vemos mergulhados nas emergências mais trágicas.
Cerca de 19 milhões de brasileiros enfrentaram a fome no último trimestre de 2020, maior nível desde 2004, em comparação com pesquisas do IBGE, mesmo com o auxílio emergencial.
Pior: como este ano o valor do auxílio será menor, a previsão é de que o Brasil deve somar 61 milhões de pessoas vivendo na pobreza e mais de 19 milhões na extrema pobreza, segundo pesquisa da USP.
Em paralelo, o país caminha a passos largos para as 400 mil mortes, com uma tragédia diária superior ao 11 de Setembro, se comparado o número de pessoas mortas a cada 24h no Brasil e o que aconteceu nas Torres Gêmeas, em Nova York.
Com fome, pobreza e mortes em larga escala ao nosso redor, a situação é muito similar à condição de países em guerra ou sob crise de refugiados, o que exige lideranças, recursos e ações alternativas compatíveis com esse estado de emergência.
O desastre escancarado e emergencial, no entanto, se combina com outro desastre – este mais silencioso e de longo prazo. Foi o que chamei num artigo recente de “morte lenta de uma geração”.
Com mais de um ano de escolas fechadas em razão do descontrole da pandemia, prevê-se um retrocesso de quatro anos de aprendizagem.
Acrescente-se aí uma explosão da evasão escolar, insuficiência alimentar, efeitos perversos sobre a saúde mental e o desenvolvimento cognitivo, físico, emocional e social das crianças e jovens em idade escolar, entre outros efeitos.
Diante de tantas urgências, como conciliar a prioridade necessária ao que é emergencial, sem abandonar o importante?
Como responder adequadamente às tragédias explícitas do presente, mas conjugando essas respostas às também necessárias ações estruturais e de longo prazo?
Como não deixar para o amanhã o que é preciso fazer agora para que não deixemos as feridas abertas no presente deixarem sequelas ainda mais danosas no futuro?
Mais do que nunca, precisamos caminhar – ou, no verbo mais adequado à nossa realidade, correr – em avenidas paralelas, uma trilha simultânea,
com caminhos interligados para enfrentar uma crise dupla, que envolve o presente e o futuro.
Não há outra alternativa para governos, gestores públicos, gestores educacionais e quem mais tiver uma mínima consciência do quão importante é a correção dos rumos da educação pública.
Se precisamos trabalhar arduamente para compensar os aprendizados perdidos na pandemia, também precisamos adotar as medidas adequadas e preparar nossas crianças e nossos jovens para as novas habilidades e conhecimentos demandados pelo futuro.
A partir de dados de fevereiro deste ano, relatório do Banco Mundial, dedicado à crise da educação na América Latina e no Caribe,
mostrou que a pobreza de aprendizagem – definida como o percentual de crianças com 10 anos de idade que é incapaz de ler e entender um texto simples – pode ter aumentado de 51% para 62% na região.
Isso poderia ser equivalente a adicionar cerca de 7,6 milhões de crianças em idade escolar do ensino fundamental com “pobreza de aprendizagem”. O Brasil, evidentemente, está incluído nesse cálculo sombrio.
Precisamos de medidas emergenciais e de curto prazo, fato. Elas são necessárias para a reabertura segura de escolas e para a mitigação dos efeitos da pandemia nos alunos.
Políticas públicas estruturantes
O Todos pela Educação tem amplo estudo sobre essa frente. Mas há uma avenida paralela a essa que é a atenção a políticas públicas estruturantes, como por exemplo o desenvolvimento profissional de professores e a modernização do Ensino Médio, cujas taxas de abandono têm se mostrado bastante altas.
A trilha múltipla se completa com mudanças fundamentais na governança – a necessidade de um trabalho conjunto envolvendo áreas como Saúde, Assistência Social, Cultura, Esportes, e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em todas as instâncias.
Difícil? Sem dúvida. Complexo? Igualmente. Mas não à toa essa combinação entre o emergencial e o estruturante está presente na recém-lançada
Agenda Legislativa Pela Educação, lançada pelo Todos em abril no Congresso – uma pauta a ser construída pelo Legislativo brasileiro com o apoio de dezenas de organizações da sociedade civil e especialistas da educação.
Este deveria ser nosso mantra, o tipo de ideia-força capaz de criar uma mobilização coletiva, permanente e estratégica: assegurar uma educação pública de qualidade, democrática, antirracista, acolhedora, integral; reafirmar o peso da educação como vetor da transformação do país, reforçar o imperativo moral e estratégico de reconstrução e renovação da educação brasileira; conjugar ações de emergenciais, de curto prazo, e estruturantes, de longo prazo.
São premissas para demarcar, no presente, o que desejamos construir para o futuro.