Os 90 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foram comemorados de forma elegante e discreta, sem afetação nem exageros. Colaboraram para o comedimento das homenagens os novos tempos de pandemia e de polarização política mal-educada. Não deveria ter sido assim. Na lenta rota para a construção da democracia no Brasil, FHC foi capaz de influir positivamente tanto antes quanto durante todo o processo de redemocratização. Sempre voltado para o diálogo e o entendimento, é um dos poucos políticos da história do Brasil a manter influência por tanto tempo.
Na Assembleia Nacional Constituinte instaurada em 1987, mesmo sem o protagonismo do então deputado Bernardo Cabral, que cumpria a função de relator-geral, Fernando Henrique foi essencial como relator adjunto para a formação de consensos e a contenção de soluções mais radicais.
No governo Itamar Franco, ele liderou a equipe econômica que criou o Plano Real, o que foi determinante para a sua vitória na eleição presidencial de outubro de 1994. Na função pública mais importante do país, para a qual foi reeleito no pleito seguinte, além de consolidar o Real aprofundou reformas relevantes em nossa Constituição.
FH enfrentou momentos difíceis, como a crise financeira na Ásia em 1997, a da Rússia, em 1998, a nossa crise cambial em 1999 e ainda o apagão de energia no país, entre 2001 e 2002. Mesmo assim, nunca perdeu a serenidade e jamais lhe faltou o bom humor. E em uma época em que era implacável a oposição do PT ao seu governo.
Tive o privilégio de conversar com Fernando Henrique em várias ocasiões quando ele ocupava os cargos de senador, ministro e presidente. E ainda hoje, na sua condição de ex-presidente. Nas conversas, ele sempre revelou a visão do analista político nato e equilibrado, ainda que o objeto da análise o envolvesse diretamente.
Um dos raros intelectuais brasileiros com prestígio internacional na área de ciências sociais, sempre se orgulhou de ser, simplesmente, ele mesmo. O Brasil tem um grande débito com FHC. Não apenas por sua atuação constante e positiva no cenário nacional, mas também por sua tolerância e disponibilidade para fazer política de altíssimo nível. Com acesso a intelectuais do grand monde, ele poderia ter ido para a Europa nos anos 70 e ter ficado criticando o Brasil de lá, ao invés de participar da luta política.
Obviamente, sua trajetória não é isenta de erros e equívocos. Até mesmo a aposta na possibilidade de reeleição deve ser seriamente questionado. Mas jamais se poderá criticá-lo por não estar aberto ao diálogo, o que representa um valioso exemplo especialmente nos dias de hoje. Sua atitude deve ser seguida. E não apenas quando se busca uma candidatura presidencial. Refiro-me à sua disponibilidade para participar da edificação da nossa democracia. E é esse o seu maior legado.