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Joaquim Levy

Financiando a regeneração das matas brasileiras

Brasil pode ter um papel único nos próximos anos, se focar na restauração florestal, como se comprometeu no Acordo de Paris

matas brasileiras

Ações para fortalecer as florestas secundárias devem refletir sua situação fundiária, distribuição geográfica e critérios de priorização | Foto: Getty Images

A retomada da economia global — agora em risco em várias frentes — não tem sido favorável à luta contra a mudança climática.  O surto de demanda global e as condições atmosféricas desfavoráveis em 2021 resultaram em grandes emissões de CO2, puxadas pelo uso do carvão, em resposta ao gás natural mais caro. Segundo a Agência Internacional de Energia, o carvão respondeu por 40% do aumento das emissões globais de CO2 em 2021, com mais de 15 bilhões de toneladas (Gt), enquanto o gás (7.5GtCO2) também superou os níveis de 2019.

As emissões de derivados de petróleo devem ultrapassar agora as de 2019 (11GtCO2), com o aumento das viagens. A geração renovável e nuclear cresceu perto de 7% em 2021, mas ainda soma muito pouco da eletricidade necessária à humanidade.  

Nesse ambiente, o Painel do Clima da ONU alertou que o mundo não terá cortado suas emissões em 2030 no volume necessário para evitar um aquecimento acima de 1.5ºC. Essa perigosa temperatura poderá ser uma realidade em bem menos de dez anos, com efeitos sociais e econômicos fortes — como ilustra a atual seca nos EUA, que trará ainda maior pressão à inflação naquele país.

Diante da piora do risco climático — inclusive com a guerra na Ucrânia, que tem motivado a União Europeia a pensar no relaxamento das suas metas — o Painel da ONU tem apontado a urgência de se retirar carbono do ar, sequestrando-o.  É aí que o Brasil pode ter um papel único nos próximos 10/15 anos, se focar na restauração florestal, como aliás se comprometeu a fazer em 2015, quando incluiu a recuperação de 12 Mha de florestas na sua Contribuição para o Acordo de Paris.

O conhecimento acumulado no Brasil sobre sequestro de carbono pela restauração florestal e dados como os proporcionados pelo projeto MapBiomas são sólidos e podem orientar com segurança as políticas públicas e a abertura dos mercados necessários. 

Uma pesquisa pioneira indicou já em 2016 que as florestas crescendo em áreas desmatadas, chamadas florestas secundárias, crescendo na América Latina, podiam conservadoramente sequestrar 30GtCO2 em 40 anos (i). Esse potencial equivaleria a quase um ano de emissões globais por combustíveis fósseis, e está concentrado nas florestas amazônica e atlântica brasileiras, despertando inúmeras pesquisas.

Potencial de sequestro de CO2 das matas brasileiras

O potencial de sequestro de CO2 pela regeneração natural varia em função da idade, localização e fatores de stress das matas. Florestas com menos de 20 anos podem sequestrar 10tCO2 por hectare em certas áreas da Amazônia, mas apenas um terço disso em terras que sofreram cortes e queimadas repetidas (ii). Assim, a Amazônia poderia sem susto sequestrar até 80MtCO2/ano, ou três quartos das emissões anuais da frota de caminhões brasileira. Esse valor pode crescer se a regeneração assistida das florestas for considerada, aproveitando o conhecimento das empresas brasileiras sobre florestas comerciais e nativas, e o corte de florestas jovens diminuir.

Quase metade dos 12Mha das matas secundárias na Amazônia são derrubadas antes de alcançarem 5 anos (iii).  Essa pouca duração pode refletir o simples rodízio do uso da terra ou o receio de que a permanência da mata resulte na proibição de futuro uso da terra para a agricultura (sério problema na mata atlântica, por sinal).  Além disso, o corte saltou a partir de 2017, talvez pelo sentimento de que a probabilidade de regularização das áreas desmatadas que estivessem ostensivamente “produzindo” houvesse aumentado a partir daí. Assim, metade do sequestro em florestas novas é perdido pelo corte precoce, reduzindo a captura líquida pela restauração a talvez menos de 60MtCO2 (iii).

Ações para fortalecer as florestas secundárias devem refletir sua situação fundiária, distribuição geográfica e critérios de priorização. Perto de 40% dos 7.2 Mha de vegetação secundária na Amazônia com mais de seis anos se encontram em terras privadas ou em assentamentos — por vezes nos 0.5 Mha de áreas que deveriam ser de preservação permanente (iv).

Há grande volume de florestas secundárias mais velhas no Pará e Maranhão, notadamente em áreas de antropização antiga, com surpreendente pouca participação de Rondônia, onde o corte repetido parece mais frequente. Sem surpresa, a presença dessas florestas no entorno da Transamazônica e da BR 364 — onde há muitos assentamentos — é significativa, assim como naquele de Santarém e das comunidades ribeirinhas até Manaus.

Uma forma barata de consolidar um mínimo das florestas secundárias parece ser focar nas comunidades ribeirinhas, nos eixos rodoviários e em certas áreas do Acre e Roraima (v).  A competição econômica nessas áreas é baixa e a velocidade de regeneração alta. A captura de carbono é, no entanto, limitada, por não formarem sempre florestas densas, em contraste com o que se obteria focando no coração de Rondônia ou do Xingu.  A regeneração natural nestas áreas chegaria a custar $5/tCO2, talvez pelo aparente impacto na agropecuária, o que suscita a questão dos mecanismos de financiamento disponíveis, em particular créditos de carbono com curso internacional.  Sistemas agroflorestais (SAF) podem nesses casos baixar custos e ampliar o ganho social.

Diante do baixo custo da expansão das matas secundárias, vale a pena focar no seu financiamento, já. O país pode, por exemplo, explorar ligá-lo ao plano que a União Europeia vem discutindo, de emitir permissões de poluir no montante 200-250 MtCO2 para acomodar o menor uso de gás russo.  Se 10% dos 20 bilhões de euros a serem levantados com essas permissões, precificadas e.g., a $80-100/tCO2, fossem para o fortalecimento de soluções baseadas na natureza, o aumento das emissões Europeias seria mitigado e um grande impulso dado à talvez única tecnologia testada e disponível de sequestro de carbono em grande escala.   

*Publicado originalmente no jornal Valor Econômico

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Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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