A compra do Botafogo SAF por um investidor americano, John Textor, é um movimento revolucionário no futebol brasileiro com repercussão no mundo dos investimentos. Explicarei. Saindo da adolescência, fui diretor de futebol júnior no Botafogo. Tinha, praticamente, a idade dos jogadores que dirigia. Muito cedo vi de perto o fracasso de administrações amadoras e/ou mal-intencionadas, que destruíram equipes tradicionais do país.
Ao longo dos anos 80, quatro fenômenos adicionais contribuíram para desorganizar mais ainda nosso futebol: a politização do noticiário futebolístico; o fortalecimento desmedido da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, em desfavor dos clubes; a emergência de empresários como força financeira; e o predomínio das emissoras de televisão no calendário dos jogos.
A politização do noticiário gerou uma espécie de lavajatismo midiático, ou seja, uma cobertura jornalística mais preocupada em denunciar os cartolas e tratar de questões ideológicas do que informar sobre os jogos. Ou, ainda, enaltecer fenômenos aparentemente progressistas, caso da conhecida “democracia corinthiana”, que valorizava mais a política do que a bola.
O fortalecimento da CBF se deu a partir do monopólio mundial do futebol pela Federação Internacional de Futebol, a Fifa, e pela absurda expressão de poder das federações em desfavor dos clubes. Essa situação levou ao enriquecimento da CBF e ao empobrecimento dos clubes, que vivem pendurados na antecipação dos direitos televisivos.
O terceiro fenômeno refere-se à crescente dependência dos clubes aos empresários que agenciam os jogadores. Além de empurrar seus jogadores, eles emprestam dinheiro aos clubes e exercem uma influência velada em sua administração. Daí ocorrerem transações inexplicáveis do ponto de vista futebolístico que terminam alimentando um círculo virtuoso de endividamento e dependência. Por fim, o quarto fenômeno diz respeito ao monopólio das transmissões que privilegiavam as audiências e que transformaram equipes como a do Flamengo e a do Corinthians em potências midiatizadas a partir do império da audiência.
Sob uma base amadora, os quatro fenômenos levaram à destruição generalizada das equipes, ao endividamento estratosférico dos clubes e ao surgimento pontual de “sugar daddies” do futebol. Figuras como Castor de Andrade (Bangu), Emil Pinheiro (Botafogo), Celso Barros (Fluminense), entre muitas outras, bancavam os clubes de sua paixão sem olhar o tamanho da conta. Mas nem tudo foi tragédia. Algumas experiências positivas, ao largo de torcedores endinheirados, podem ser destacadas: o Internacional liderado por Fernando Carvalho; o Palmeiras da época Parmalat; e o Flamengo dos últimos tempos, entre outras. Outros times buscam se organizar em moldes mais profissionais, como o Athletico Paranaense e o América de Minas Gerais. E, mais recentemente, o Cruzeiro.
Porém, nada será igual à Sociedade Anônima de Futebol (SAF), cujo modelo, inaugurado pelo Botafogo, servirá de paradigma e quebra de paradoxos, incomodando o establishment e balançando alguns conceitos arraigados. Parte da imprensa já reverbera o espanto diante do novo: muitos desconfiam da autonomia do técnico para escolher novos contratados, outros reclamam do fato de ídolos do passado não terem seus contratos renovados, outros falam ainda que o investimento é apenas para gerar dinheiro e não promover um time competitivo.
O ponto inicial para o desmonte do passado envolverá o uso intensivo do scouting para contratar. Com isso acabarão as contratações de “brodeiragem” dos técnicos e as “rachadinhas” entre técnicos e empresários? Provavelmente, não. Mas elas diminuirão. Hoje se sabe tudo sobre todos os jogadores. A profissionalização na contratação pode minimizar erros e esquemas que fizeram com que o Botafogo, por exemplo, gastasse fortunas com jogadores inúteis. A base de jogadores promovidos das categorias inferiores será útil tanto para a equipe principal quanto para a monetização da organização.
O desmonte do passado prosseguirá com o império dos projetos sustentáveis. Não se contrata sem poder pagar em dia e sem projetar dívidas para o futuro. No mínimo, a SAF terá de ser competitiva, a fim de poder pagar as dívidas do passado. Será uma lenta reconstrução da qual poderá sair uma instituição forte, estável, vencedora e lucrativa. Custa crer que apenas John Textor, um americano da área de entretenimento, tenha visto potencial em uma organização que possui mais de 1% da torcida do país, um passado de glória e capacidade para produzir bons jogadores no futuro. O exemplo de Textor poderá gerar outros, com repercussão no mercado financeiro. Em sendo uma estrutura bem organizada, o Botafogo servirá de exemplo para outros times, que poderão até mesmo movimentar o mercado financeiro.