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Claudio L. Lottenberg

Cientistas alertam para os riscos de futuras pandemias. Estamos preparados?

A ascensão das superbactérias, assim como o desmatamento e a desigualdade social, são fatores que desafiam o controle de novas crises sanitárias

povo na rua

Impedir que novas pandemias se tornem eventos recorrentes demandará ações efetivas para que sejam sanadas desigualdades sociais que mantém populações sem condições sanitárias básicas | Foto: Getty Images

Ainda não deixamos para trás a Covid-19, mas os cientistas já vislumbram as próximas pandemias. Pode parecer exagero ou pessimismo falar disso no momento em que não só ainda não foi vencida a atual, como ela parece ganhar novo fôlego com a chegada da variante ômicron. Mas não é. Um dos motivos são as chamadas superbactérias, ou seja, micro-organismos que se mostram resistentes a tratamentos e antibióticos. Elas geralmente são decorrentes do uso excessivo e incorreto de medicamentos, como vimos ao longo da pandemia, principalmente nos primeiros meses, quando não se sabia muito sobre o novo coronavírus.

Especialistas apontam o aumento de 400% no uso de azitromicina na Espanha, entre fevereiro e março do ano passado, por exemplo. Já no Chile, conforme indica o “El País”, o uso de carbapenema (tipo dê antibiótico) fez com que as bactérias tratadas com essa substância apresentassem um nível de resistência só esperado para 2030.

O problema é que, sem antibióticos que tenham o efeito necessário contra pneumonia e tuberculose, só para citar algumas doenças, essas e muitas outras poderiam se alastrar em ritmo acelerado, bem como impossibilitar a cura até de infecções mais comuns. Isso comprometeria inclusive o tratamento contra o câncer, uma vez que a quimioterapia favorece infecções microbianas nos pacientes.

Com o flagelo causado pelo Sars-Cov-2 ainda em curso, que já resultou em quase 272 milhões de casos e 5,3 milhões de óbitos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não temos mais tão presente na memória outras pandemias no passado recente. A mais lembrada, por ter sido a pior, é a da gripe espanhola, de 1918. Mas em 1957, por exemplo, houve a de gripe asiática. Causada pelo vírus H2N2, o número estimado de mortes foi de 1,1 milhão em todo o mundo, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, na sigla em inglês (CDC).

Em 1968, outro vírus, o H3N2, causou mais uma crise sanitária: a chamada gripe de Hong Kong, que chegou a se estender até 1970. O número de óbitos varia muito, entre um milhão e quatro milhões, mas, seja qual for o dado exato, ainda assim é expressivo. Em 2003 – neste século, portanto –, houve um surto de SARS no mundo – foram contaminadas, segundo a OMS, 8.098 pessoas, com 774 óbitos. Apesar dos números bem menores, o susto foi grande, o que podemos observar em uma busca rápida pelos noticiários da época.

As condições para que se evite que surja no futuro uma nova doença, de caráter extremamente contagioso, transmissível pelo ar, vêm se avolumando. O aumento populacional vai inchar as grandes cidades ainda mais, se vier a se concretizar a perspectiva da Organização das Nações Unidas (ONU) de que a população mundial chegará a 10 bilhões de habitantes até 2050.

Com as desigualdades sociais ainda hoje presentes no mundo todo, cidades nos países em desenvolvimento ainda sofrerão com ausência de esgotamento sanitário e superlotação. Vimos na atual pandemia como a combinação desses dois fatores fez com que as periferias tivessem registrado aumentos importantes de casos. Além disso, dificuldades logísticas (como a falta de estradas e de redes de distribuição) impedem a chegada de vacinas, tornando as populações carentes mais vulneráveis ao contágio.

Outro fator que contribui para o aumento do risco de uma nova pandemia é o desmatamento. Com ecossistemas alterados, áreas urbanas tendem a ser alvo de proliferação de insetos, muitos deles propagadores de vírus. A tese é corroborada em um relatório, elaborado por diversas entidades – entre elas o HGHI (Instituto de Saúde Global da Universidade de Harvard, na sigla em inglês), do qual participaram inclusive pesquisadores brasileiros. O documento, divulgado pelo Instituto Butantan, aponta o risco de que vírus desconhecidos acabem por atingir as cidades.

Impedir que novas pandemias se tornem eventos recorrentes demandará ações efetivas para que sejam sanadas desigualdades sociais que mantém populações sem condições sanitárias básicas. Também será preciso um olhar mais detido sobre a questão ambiental, não só para evitar a chegada de novos vírus como para melhorar a qualidade de vida dos grandes centros urbanos.

E, como sempre, devemos manter a vigilância para que doenças ainda hoje presentes – como o sarampo, que voltou a se disseminar no Brasil em tempos recentes – sejam mantidas sob controle. Esforços que necessitam ser adotados e implementados desde agora.


Claudio L. Lottenberg é mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), presidente do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

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