A eleição mais vistosa é, sem dúvida, a presidencial. Mas, nas atuais condições de temperatura e pressão do presidencialismo à brasileira, quem quiser saber exatamente quem vai mandar no país a partir de janeiro de 2023 vai ter que olhar para as eleições legislativas, sobretudo para a Câmara dos Deputados. Se a Constituição de 1988 já havia juntado um presidente eleito diretamente por milhões de votos a um Congresso com poderes semi-parlamentaristas, o que já era difícil de dar certo, o serviço foi completado pelo esvaziamento da Presidência da República nos últimos três anos – sobretudo por razões de incapacidade do titular.
O desmonte institucional promovido por Jair Bolsonaro, inclusive para obter o apoio do chamado Centrão contra um eventual impeachment, deu ao Legislativo poderes de que jamais desfrutou nos anos pós-redemocratização. A criação das emendas parlamentares do tipo RP-9, o chamado orçamento secreto – este ano, R$ 16 bilhões colocados nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira – foi o óleo que azeitou a máquina: comprou o apoio necessário para evitar o impeachment e muito mais. É esse instrumento que, agora, está sendo usado na tentativa de reproduzir o mesmo estado de coisas no próximo mandato – seja quem for o presidente da República.
O ex-presidente Lula já avisou que, se for eleito, jogará toda a força obtida nas urnas para acabar com o orçamento secreto e outras distorções que reforçaram os poderes do Centrão, facilitando barganhas com o Planalto envolvendo ameaças de impeachment e etc. Mais: mandou recado de que não deve apoiar uma recandidatura Lira ao comando da Câmara. Para isso, está investindo fortemente na eleição de uma bancada aliada mais robusta, que chegue ao menos em torno de 170 deputados – o número mágico para evitar o impeachment. Além disso, faz movimentos ao centro, como a escolha de Geraldo Alckmin para vice e as conversas em torno de alianças com o PSD de Gilberto Kassab no primeiro ou no segundo do turno.
Os números da governabilidade do petista podem ser completados com outros acordos com o centro não-centrão, incluindo partidos como o MDB, setores do hoje estraçalhado PSDB e até franjas do União Brasil, junção do PSL com o DEM. Com isso, os articuladores da candidatura Lula acham que será possível escapar ao jugo das legendas do Centrão – PP, PL, Republicanos e PTB. Ou, ao menos, reduzir seu preço.
Esses planos acirraram a guerra de foice que se trava hoje pelo novo Congresso, de onde sairá o mapa da governabilidade. Partidos do centro não-Centrão temem ficar emparedados entre uma bancada forte à esquerda, puxada pela candidatura Lula, e outra do Centrão – que, segundo deputados candidatos à reeleição, está sendo turbinada por rios de dinheiro despejados nos municípios onde se travam as disputas.
O eleitor brasileiro não costuma sequer se lembrar em quem votou para deputado, ainda que discuta apaixonadamente os defeitos e qualidades dos candidatos à presidência. Enquanto continuar fazendo isso, vai correr o risco de comprar gato por lebre: votar num sujeito que, embora eleito por milhões e milhões de votos, pode acabar tendo que bater continência para o pessoal do orçamento secreto.