O imposto da renda é visto como uma forma moderna e progressista de tributação. Ele permite modular o esforço tributário de cada um à sua capacidade econômica. No Brasil, a proporção da arrecadação total associada ao imposto de renda — das pessoas físicas (IRPF) ou jurídicas, isto é, das empresas (IRPJ), é bem menor do que na maioria dos países desenvolvidos.
Não surpreende que o imposto de renda fique atrás dos tributos indiretos no Brasil, porque ele não se adapta tão bem quando há grande dispersão na renda. É difícil tributar a renda dos muito ricos porque suas atividades são complexas e diversificadas, ou as dos mais pobres, porque ela é pouca e muitas vezes informal ou mesmo não monetária.
É nos países com uma classe média forte que o imposto de renda da pessoa física (IRPF) funciona melhor. O IRPF se tornou uma rotina para muitos brasileiros na virada dos anos 70 para 80, quando se criou um dos sistemas mais enxutos e efetivos de tributação da renda no mundo. Ao contrário dos EUA, grande parte dos contribuintes brasileiros fazem sua declaração sem auxílio de escritórios especializados, porque o empregador disponibiliza a informação e a declaração é simplificada.
A inflação afeta o IR e pode enfraquecer sua progressividade — obrigando uma atualização periódica da tabela de alíquotas por faixas de rendas (a última foi em 2015). Exatamente porque essa atualização reflete a inflação e seu provável efeito no aumento geral de arrecadação, a Lei de Responsabilidade Fiscal não exige que ela seja acompanhada de um aumento permanente de outra receita do governo (Art. 14 parag. 1). Assim, se o governo tem folga em relação à meta primária, como parece ser o indicado no último relatório de gestão fiscal, a atualização da tabela não exige um pacote de medidas compensatórias.
À inflação também é atribuído um mecanismo particular do Brasil, que é deduzir o pagamento dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) do lucro tributável das empresas. Até o plano real, deduzia-se a inflação do valor desse lucro, ou seja, expurgava-se o que se chamava lucro inflacionário para evitar pagar o IRPJ sobre um ganho fictício.
Com o plano real, ficou proibida a indexação pela inflação, mas adotou-se a dedução do pagamento JCP até um limite proporcional à inflação. Reconheceu-se assim que parte do resultado distribuído apenas reflete o efeito da inflação e não um lucro de verdade, como lembrou recentemente o professor Eliseu Martins em artigo no Valor Econômico.
No conjunto de medidas tributárias recentemente anunciados pelo governo federal (PL 2337/2021), a tributação dos dividendos associada informalmente à atualização da tabela do IRPF, foi acompanhada da proposta de eliminação da dedução do JCP do lucro tributável.
Os dois assuntos, no entanto, não são relacionados. Como bem lembra o Deputado Sabino, relator do projeto na Câmara de Deputados e auditor fiscal por formação, deve-se sempre identificar com cuidado a entidade que está sendo tributada. Nos dividendos, quem é tributado é o investidor, enquanto no caso do JCP, quem faz jus à dedução é a empresa. Ou seja, não é óbvio que uma mudança na tributação do investidor (dividendos) tenha que ter reflexos na tributação da empresa. Até porque quem recebe o JCP já é tributado a 15% como se dá com outros rendimentos de renda fixa (por exemplo os fundos de investimento em renda fixa). Tampouco o JCP como mecanismo para evitar erosão do capital das empresas deve ser descartado só porque a alíquota do IRPJ caiu um pouco.
A tributação dos dividendos pode levar a uma maior alavancagem das empresas, dado que os juros pagos a empréstimos de terceiros são dedutíveis e pode ser mais interessante emprestar à empresa do que nela investir, especialmente se a alíquota do imposto sobre o dividendo é maior do que sobre os juros que receber.
A provável adaptação do investidor à mudança das regras é a razão por que a Receita Federal sempre foi cautelosa em reduzir a alíquota IRPJ. O que se perde no IRPJ pode não ser compensado pela tributação do dividendo, já que os agentes econômicos se adaptam a novas situações, como ensinava o prêmio Nobel Robert Lucas, professor da Universidade de Chicago. Daí não ser surpresa que na recente proposta, a Receita Federal tenha oferecido um pacote tributário com medidas muito duras quando confrontada com a perspectiva de redução da alíquota do IRPJ.
A maior alavancagem das empresas brasileiras, apesar de talvez ser mais fácil hoje com o desenvolvimento de mercados de capital e a robustez do sistema bancário brasileiro, não é imune a riscos. Em um país com grandes choques macroeconômicos, variação de câmbio, risco no suprimento de energia etc., quanto mais alavancadas as empresas, maior a chance delas se fragilizarem.
Há alguns setores da economia nos quais o risco de alavancagem excessiva pode ter consequências gravíssimas. O setor bancário é o principal deles. Por isso, o governo exige um capital mínimo dos bancos. Ou seja, esse é um setor que não pode se adaptar a uma maior tributação mudando a relação entre sua dívida (os depósitos dos clientes) e seu capital.
Assim, a consequência mais provável do fim da dedução do JCP da base do lucro tributável poderá ser uma diminuição da capacidade dos bancos emprestarem. Os bancos não poderem irrigar mais a economia pode não ser uma boa notícia quando o país precisa crescer e, como notamos recentemente, é urgente incentivar o investimento para que ele aumente rapidamente.