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Joaquim Levy

Divisores de águas, investindo no pós-Covid

Sucesso dos planos para o saneamento no Rio de Janeiro mostra que as concessões podem garantir investimentos bem-sucedidos em serviços públicos

Mudanças estruturais nem sempre são plenamente entendidas até estarem bem avançadas. Isso é natural, porque há sobressaltos e desvios no caminho e o progresso às vezes parece ocorrer quase por acaso.  No Brasil, pouco percebemos que, assim como a nossa matriz energética limpa, a significativa participação do setor privado na infraestrutura já nos distingue entre as economias do mundo.

Evidentemente, novos avanços dependem da continuidade nas ações dos governos, investimento e inovação por parte das empresas, e monitoramento para haver garantia de bons serviços.

As deficiências na infraestrutura pública não se devem necessariamente ao descaso ou interferência política, refletindo muitas vezes o direcionamento dos escassos recursos públicos para aquilo que clama com maior urgência. 

Assim, canalizar recursos privados para serviços básicos, se feito com critério e se adequando à capacidade financeira dos consumidores pode trazer mudanças importantes.  O exemplo da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro é ilustrativo: após a concessão do serviço em 2015, a coleta de esgoto aumentou de 12% para quase 40% dos domicílios, e inúmeras estações de tratamento foram reabertas ou construídas. Ainda que falte muito para se resolverem todos os problemas da região, é pouco provável que a empresa estatal que a atendia tivesse feito esses investimentos.

A possibilidade de atrair a poupança doméstica e internacional para transformar a nossa infraestrutura não é apenas teórica. Além do continuado investimento em energia renovável e logística, há um crescente e palpável interesse no saneamento. 

O entendimento dessa possibilidade tem amadurecido entre governantes e a participação do setor privado tem podido se expandir, em parte devido ao impulso dado pelo BNDES em 2016-17 e continuado nas administrações seguintes, assim como pela atual política monetária. 

Há exemplos recentes em Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e outros estados.  Em Alagoas, por exemplo, a concessão atraiu numerosos investidores nacionais e internacionais, a melhora do serviço foi compromisso chave e o valor da outorga surpreendeu, dando ainda maior fôlego às já fortalecidas finanças do estado.   

O cuidado com os editais de licitação contou para o sucesso dessas operações.  Ele incluiu metas ambiciosas, mas realistas de investimento, exigência de operadores experientes nos consórcios participantes do certame e uma boa distribuição temporal do pagamento da outorga – dando espaço ao investidor e evitando grandes saltos nas receitas do estado. 

Quando o modelo escolhido manteve a produção da água sob responsabilidade da empresa pública original, o preço a ser pago por essa água procurou equilibrar o custo do serviço para o consumidor final, o valor que o governo receberia de outorga, e as metas de investimento, eficiência operacional e consolidação do quadro funcional e financeiro estabelecidas para a empresa estatal no seu novo papel.  Essas experiências reforçam a expectativa de sucesso dos adiantados planos para o saneamento no Rio de Janeiro, que podem ser um divisor de águas para a recuperação do estado.

Avançar sem atrasos nessa trajetória pode ter um papel decisivo na recuperação da economia no período pós covid. Os programas de investimento acordados impulsionarão o emprego e diminuirão a poluição, as outorgas aliviarão as novas administrações municipais e ajudarão a sanear as contas estaduais, enquanto o financiamento da expansão do serviço abrirá oportunidades para a poupança privada nesse momento de juros baixos.

É um investimento que interessa ao poupador que procura maior rentabilidade, está preocupado com o meio ambiente e quer ver a população melhorar de vida.  Nesse quadro, o setor financeiro, que apoiou a economia ao longo da pandemia, continuará próximo dos investidores e operadores, facilitando o direcionamento de recursos para atividades que podem trazer rendimentos de longo prazo para os aplicador es e benefícios imediatos para o Brasil.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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