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Caroline Palermo

Cobrança de ISS sobre software traz insegurança jurídica

STF decide sobre a incidência de ISS no fornecimento de software, mas novas interpretações criam um cenário de insegurança jurídica para o tema

Software

A definição legal do que é considerado mercadoria ou serviço pode se tornar obsoleta rapidamente com a transformação digital | Foto: Getty Images

O debate sobre tributação de software foi retomado em março do ano passado, quando o Superior Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1945 e 5659 e decidiu de forma colegiada que programas que são constantemente atualizados não podem ser considerados produtos, mas sim serviços.

A discussão não é nova. Em 1998, já havia uma divisão sobre a tributação por ICMS para softwares “de prateleira” e por ISS para softwares feitos “por encomenda”. Em 1999, a ADI 1945 teve origem no Estado do Mato Grosso, introduzindo a ideia de que deveria incidir cobrança por ICMS sobre operações com programa de computador, “ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados”.

No entanto, a discussão continuava a trazer novidades, com a publicação de diversos convênios do ICMS e pareceres normativos. Até que em 2017, foi proposta nova ação, a ADI 5659, com origem em Minas Gerais, sob o argumento de que operações com programas de computador não poderiam ser tributadas pelo ICMS, pois já tinham incidência de ISS.

A decisão do STF de março de 2021 firmou a tese de que, no caso de fornecimento de software (conceito que também inclui os aplicativos), deve incidir a cobrança de ISS, assim como no licenciamento ou na cessão de direito de uso, onde haveria, inequivocamente, um serviço, o desenvolvimento de um programa personalizado de computador.

A decisão trouxe modulação dos efeitos a partir da data de publicação da ata de julgamento em 3 de março de 2021. Com isso, algumas decisões foram tomadas, resumidamente:

  • (i) o contribuinte que não recolheu ICMS ou ISS, deverá recolher ISS dos últimos cinco anos;
  • (ii) o contribuinte que pagou os dois tributos (ICMS e ISS), poderá propor ação de repetição de indébito para pleitear a devolução do valor do ICMS dos últimos cinco anos;
  • (iii) o contribuinte que pagou ICMS, deverá recolher ISS a partir da publicação da ata de julgamento; e
  • (iv) o contribuinte que estava recolhendo ISS, permanece como está, mas agora tem a confirmação de que este é o tributo correto.

O problema da decisão, que continua a gerar muitas discussões no ambiente legal, é que a definição do que é considerado mercadoria ou serviço pode se tornar obsoleta em pouco tempo e a legislação não acompanhará rapidamente a transformação digital.

De outra parte, a ampliação dos conceitos pode gerar insegurança jurídica no direito tributário ante a preservação do critério material para que a legislação não possa alcançar fatos não descritos em lei expressamente.

A manutenção desse entendimento, pode impactar, por exemplo, a importação de softwares. O próprio conceito de “software importado”, utilizado na Lei nº 10.833/2003, não pode ser encontrado no Direito Aduaneiro, posto que o software não é considerado uma mercadoria para fins aduaneiros, não podendo se falar, portanto, em importação física de software, em registro de declaração de importação de software, em classificação fiscal de software, em valoração aduaneira de software ou em desembaraço aduaneiro de software.

Em fevereiro deste ano, o Estado de São Paulo divulgou uma decisão divergente em resposta à consulta feita por um contribuinte sobre incidência de ISS e ICMS em um caso envolvendo o licenciamento de um software em nuvem associado à venda de hardware. A empresa vende as duas soluções e tinha o entendimento de que o software em nuvem estaria sujeito ao ISS e o hardware, ao ICMS.

O fisco paulista, no entanto, não concordou com o entendimento, e avaliou que o produto comercializado como um conjunto hardware + software é uma mercadoria e, como tal, não poderia ter incidência de ISS. A decisão, nesse caso, foi que na hipótese de uma licença de software ser vendida em conjunto com um hardware, ela passa a fazer parte desse hardware, o que traz a incidência do ICMS sobre a operação.

Assim, voltamos a ter uma insegurança tributária em situações em que o fornecimento de software e hardware fazem parte do mesmo contrato. Mas será que no futuro, com o avanço da economia digital, vamos ter tão delimitados esses conceitos de mercadoria e serviço?

Apenas um ano após a consolidação de um entendimento de duas décadas para a incidência de ISS no fornecimento de software, nos deparamos com novos questionamentos e muitos que vão surgindo a partir da transformação digital que estamos vivenciando.


Advogada do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados. Professora de Direito Tributário. Coordenadora do MBA Executivo em ESG e Impact e do MBA em Direito Digital da Trevisan Escola de Negócios. Pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, com curso de extensão universitária em Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Governança e Compliance pela Universidade de São Paulo.

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