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Joaquim Levy

Imperativo hipotético ou categórico?

Se o BC decidir subir os juros em 0,5% na próxima reunião do Copom, ele cria uma ponte até as eleições americanas, com impacto moderado na economia, e se posiciona para em novembro apontar um corte na virada do ano

Porto de Santos

Banco Safra atualiza projeção de investimento em 2024 de 3% para 6% e mantém projeção original de PIB anual de 2,5% | Foto: Getty Images

A economia brasileira caminha para o terceiro ano crescendo entre 2,5% e 3% com inflação cadente. A novidade é a retomada do investimento no primeiro trimestre do ano, que continuou no segundo. O time de macroeconomia do Banco Safra notou a expansão dos serviços de tecnologia da informação (7,8% em um ano) e profissionais (4,3% ao ano) na última Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS) do IBGE. O time também tem apontado o aumento da produção de bens de capital (11,7%), que tipicamente flutua com a confiança da indústria. Essa, de acordo com o índice da FGV, cresce com força. Os insumos da construção civil também cresceram mais de 4% em doze meses. Assim, a previsão do Banco Safra feita no meado do ano passado de que o investimento cresceria 3% em 2024 foi atualizada para perto de 6%. Esse valor considera apenas o carrego do segundo trimestre e mantém nossa projeção original de um PIB 2,5% maior em 2024.

O dinamismo da economia tem se refletido no mercado de trabalho. Segundo o IBGE, são quase 3 milhões a mais de ocupados nos últimos 12 meses, dos quais mais da metade com carteira assinada e apenas 400 mil no setor público, 75% desses nas esferas subnacionais, cujo número de funcionários é de quatro a cinco vezes maior do que o do governo federal.

A queda do desemprego ainda não pressionou demais a folha de salários. A maioria das empresas reportadas na recente pesquisa Firmus do Banco Central via na virada do ano que a remuneração de seus funcionários crescia abaixo ou em linha com a inflação.

Olhando para frente, um terço delas previa em maio que os salários cresceriam nos próximos 12 meses entre 2%-4% nominais e perto da metade previa entre 4%-6%, ou seja, subindo igual ou proporcionalmente menos que o PIB. Mais investimento ajudará a aumentar a produtividade do trabalho, diminuindo a pressão sobre esse mercado e os riscos de inflação.

O impulso fiscal negativo esperado nos próximos meses deve moderar a atividade, sem prejuízo da economia, dado que o setor externo continua forte e essa contenção facilitará a gestão da política monetária.

Gastos antecipados para a primeira metade do ano não se repetirão, e a União cortará outros em decorrência da aceleração recente dos pagamentos de benefícios sociais, especialmente do INSS. Com um pouco de sorte e a compensação da desoneração da folha haverá observância do arcabouço fiscal e a meta primária de déficit (ajustado) zero será cumprida.

O setor externo vai bem, mesmo com a acomodação do preço das commodities, e contribuirá para o PIB crescer em 2025. O superávit comercial no ano que vem poderá ser menor que os US$ 80 bilhões projetados para 2024, mas continuará confortável, assim como a conta corrente.

No lado monetário, a convergência da inflação americana para a sua meta pressagia cortes de juros pelo Fed, em velocidade que dependerá do desempenho do emprego, tendo a autoridade americana a opção barata de acelerar esses cortes se houver uma queda súbita da atividade.

Independente do risco inflacionário imediato e com o auxílio da maior clareza do governo quanto ao arcabouço fiscal, o Banco Central brasileiro (BCB) também dispõe de uma opção barata para enfrentar o rescaldo dos sustos no câmbio. Se o BCB decidir subir os juros em 0,5% na próxima reunião do Copom, ele cria uma ponte até as eleições americanas, com impacto moderado na economia, e se posiciona para em novembro apontar um corte na virada do ano se os cenários doméstico e internacional forem favoráveis, ou reagir a cenários mais turbulentos.

Essas indicações relativamente auspiciosas contrastam com certos preços de ativos e o pessimismo de diversos agentes econômicos, focado no desconforto fiscal. Esse desconforto é real e a abordagem mais filosófica desse desafio pelos gestores fiscais atuais, sem estoicismo ou estridência, reforça que enfrentá-lo é um imperativo motivado tanto por cálculo como por convicções mais profundas.

Não há uma relação mecânica entre superávit primário e juros ou crescimento. Mas a taxa de juros pré-fixada embute um prêmio de risco além do valor esperado para a Selic futura. Esse prêmio associado ao risco de surpresas macroeconômicas pode chegar a três pontos percentuais, alimentando a hipótese de que, ao diminuí-lo, o compromisso fiscal ajuda a baixar o custo da dívida pública e do crédito privado.

Esse custo pode cair ainda mais se a disciplina fiscal evitar excessos na demanda agregada, ajudando a diminuir a Selic necessária ao combate à inflação. Nos últimos 20 anos, juros mais baixos moderaram o crescimento da dívida pública quando o resultado primário ajudou e estimularam o investimento privado.

A responsabilidade fiscal também pode ser considerada como um valor em si. O presidente a tem apresentado nos últimos tempos como virtude que se aprende em casa, exercida independente dos ganhos imediatos e levando em conta preocupações morais, inclusive o bem-estar dos outros.

A projeção consistente dessa visão contribui para a formação de expectativas positivas e dá credibilidade a outras ações favoráveis ao crescimento do país, como o aproveitamento das oportunidades com a transição energética e valorização do nosso patrimônio natural.

A agenda fiscal é incontornável, ainda que desafiante. O alinhamento das despesas da Saúde, Educação e Previdência, por exemplo, à lógica do arcabouço fiscal de o gasto crescer no máximo 70% do crescimento da receita e do PIB é crucial, mas talvez não traga grandes economias imediatas. De fato, a recente vinculação da despesa da Saúde à receita tem abrigado muitas emendas parlamentares, e a mudança do seu piso sem ajuste no volume das emendas pode ser pouco produtiva.

A participação da sociedade no debate fiscal tem crescido, inclusive na compreensão das decisões necessárias, sem privilégio do fácil ou do que afeta apenas o outro. Já há quem diga que se avançarmos nessa pauta com o envolvimento dos três Poderes, como temos avançado na reforma tributária, é possível vencer o desafio fiscal como vencemos o da inflação e da fragilidade externa, com benefícios para toda a sociedade.

  • Publicado originalmente no Valor Econômico.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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