A volta do ex-presidente Lula à cena no pior momento do governo Bolsonaro deu uma espécie de reset no jogo político. Lula chegou forte, como indicam as pesquisas, focando nas principais vulnerabilidades de Jair Bolsonaro, materializadas hoje no binômio pandemia-economia. Já levou o presidente da República a claras inflexões.
O inesperado uso da máscara, o tardio discurso pró-vacinação em massa e a substituição do ministro da Saúde, embora de resultados duvidosos, terão sido, segundo aliados, só o começo. Bolsonaro, que parecia nadar de braçada numa campanha eleitoral onde só ele era o candidato, entrou no modo desespero – e só pensa naquilo, ou seja, em 2022.
Seu problema maior é que a antecipação da disputa presidencial não introduz no quadro apenas um Lula batendo no governo todos os dias. Está deflagrado um processo que mexe com todos os personagens desse game, disputado nos estados, nos legislativos estaduais e no Congresso.
A um ano e meio do pleito, o mundo político começa a fazer seus cálculos eleitorais – e isso vai ditar tudo o que farão daqui em diante, com as óbvias consequências.
Os neoaliados do centrão bolsonarista, por exemplo, estão ficando preocupados com a sangria na popularidade presidencial. Pressionaram o presidente a fazer logo a mudança na Saúde, fonte de boa parte do desgaste, mas evitaram se abraçar mais fortemente a Bolsonaro, o que ocorreria se, conforme o script anterior, o PP indicasse um político para o lugar de Eduardo Pazuello.
Mesmo não querendo sentar agora um dos seus naquela cadeira elétrica, o Centrão liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, saiu agastado do episódio. Havia apostado publicamente na nomeação da médica Ludhmila Hajjar e acabou dando Marcelo Queiroga, sem que os políticos tivessem sido nem ouvidos nem cheirados.
Diferentemente do que se achava há pouco mais de um mês, na eleição de Lira na Câmara e de Rodrigo Pacheco no Senado com apoio e empenho do Planalto, integrantes do Centrão já admitem que o casamento com Bolsonaro pode não durar tanto assim.
Até agora, o deputado e o senador vêm se mostrando bons aliados, segurando os pedidos de criação de CPIs para investigar a conduta do governo na pandemia e mantendo afastados os riscos de impeachment e coisas do tipo. Dependendo do ritmo de desgaste de Jair Bolsonaro, porém as coisas podem mudar.
É bom lembrar: o Centrão também foi um bom aliado no governo Lula – e em quase todos os governos dos últimos anos. A pouco mais de 18 meses da eleição, a expectativa de poder irá, aos poucos, medindo forças com o poder propriamente dito das verbas e nomeações — que irá se esgotando à medida em que o tempo passa.
Há também o agravante de que boa parte de suas bancadas é do Nordeste, e vai acompanhar dia-a-dia se a popularidade de Lula continuará à frente da de Bolsonaro, como hoje. Esse pessoal não precisa de muitas desculpas para mudar de canoa.
A nova embocadura dos ventos também está levando as forças da centro-direita não bolsonarista e se movimentarem. PSDB, DEM, MDB e outros ainda não conseguiram construir um candidato viável – e não se sabe se conseguirão se manter juntos na discussão em torno de nomes. Luciano Huck? João Doria? Eduardo leite? Luiz Henrique Mandetta? Quem tem tanto candidato, no fundo não tem nenhum. Mas a discussão eleitoral virou urgência para eles também.
Ciro Gomes, que viu seu espaço à esquerda se reduzir muito com a volta de Lula à cédula de votação, aguarda essa definição. Agora, seus planos passam por uma aliança com ao menos parte desse grupo, sob o risco de acabar desidratado. Da mesma forma, Lula também vai trabalhar para morder um naco desse grupo.
Com 18 meses de antecedência, difícil saber o que vai acontecer numa eleição. Mas, em meio ao clima que se criou, agravado pela tragédia da pandemia, não é tão difícil assim prever o que não acontecerá: a agenda de reformas econômicas no Congresso, ainda que turbinada pelos discursos de Lira e Pacheco, não tem qualquer chance de sair do papel.