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Claudio Felisoni de Angelo

Nem tomei um cafezinho

Onde não existe o controle, prosperam atitudes inadequadas, segundo explica Oliver Williamson, ganhador do Nobel de Economia

Paradoxo da divisão da conta do restaurante entre amigos explica comportamento humano | Foto: Getty Images

Na área de economia aplicada, responsável por quatro prêmios Nobel, diversos pressupostos vêm sendo testados por meio de experimentos. Muitas dessas situações tem rendido uma grande quantidade de trabalhos acadêmicos.

Um exemplo é o paradoxo da divisão da conta do restaurante entre um conjunto de amigos. Por certo muitos vão admitir ter tido a mesma experiência. Ela pode ser descrita do seguinte modo:

Um grupo de amigos se encontra recorrentemente para um jantar. Inicialmente esses amigos adotam o procedimento de cada um pagar o seu respectivo consumo por meio de uma comanda onde são registrados os pedidos. Entretanto, como isso pode trazer um certo constrangimento, a partir de certo momento os amigos decidem ter uma conta única, dividindo posteriormente o valor da despesa entre eles.

Um desses amigos, meticuloso e atento, nota que a maneira de cobrar alterou o valor total da conta. Em suma, quando cada um pagava pelo que consumia, o gasto total era menor do que quando isso não ocorria. Dito de outro modo, ele percebeu que a forma de cobrança acabava por estimular gastos provavelmente desnecessários.

Um outro exemplo é dado no livro Freakonomics, escrito por Levitt e Dubner. É o caso dos pedaços de torta vendidos por um indivíduo em diferentes empresas. As tortas eram deixadas em um local e o preço fixado em um cartaz. No final do dia, o indivíduo passava para recolher o valor das vendas. 

Ele reparou duas coisas. Primeiro, com muita frequência, o valor era menor do que o correto. Segundo, e mais interessante, os registros mostravam que nos escritórios menores as diferenças eram menores do que nos locais com grande afluxo de pessoas. Compreensível, segundo os autores. Nos locais menores, a proximidade dos indivíduos servia como um antidoto ao comportamento desonesto. O monitoramento era mais efetivo.

Esses exemplos colocam em dúvida o que o novo governo pretende com as estatais: “Tem trabalho, tem coisas para vocês fazerem, tem projeto novo para investimento. Mas não venham aqui para comprar nossas empresas públicas porque elas não estão à venda e o nosso país vai voltar a ser respeitado com soberania”, afirmou o presidente Lula no dia da posse. Talvez fosse importante lembrar ao Presidente que não é exatamente a propriedade que gera a riqueza, mas sim o uso que se faz dela. 

A propriedade nas empresas estatais é difusa. Os indivíduos se comportam como os amigos que dividem uma conta só. Na verdade, é pior, porque no restaurante só os amigos pagam a conta. No outro caso o custo é dividido por todo mundo, incluindo os que nem sequer tomaram um simples cafezinho. 

Além desse convite à gastança em função da estrutura jurídica da empresa, o controle sobre as ações das estatais é muito menos efetivo. Onde não existe o controle, prosperam atitudes inadequadas. Como afirma Oliver Williamson, outro ganhador do Nobel de Economia: “o comportamento oportunista consiste em uma ação intencional em que os agentes econômicos buscam os seus próprios interesses nas transações, agem em benefício próprio aproveitando-se de lacunas ou omissões contratuais em detrimento dos parceiros (*)” (Williamson, p.26).

No caso das tortas, a multidão serve como biombo. Para as estatais é a própria organização o seu biombo. 

(*) WILLIAMSON, O. E. Markets and hierarchies: analysis and antitrust implications. New York: Free Press, 1975.

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Claudio Felisoni de Angelo é professor e coordenador de Projetos da FIA Business School, ligada à Fundação Instituto de Administração da USP. Preside o conselho Laboratório de Finanças e Programa de Administração de Varejo da FIA. É professor titular do Departamento de Administração de Empresas da FEA/USP e presidente do IBEVAR - Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo.

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