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Priscila Deliberalli

Priscila Deliberalli

O cabo de guerra do câmbio

Questões estruturais puxam a taxa de câmbio para um lado e para outro, mas é possível prever que o dólar deve chegar ao fim do ano cotado a R$ 5,50.

Porto, contêineres embarcando

O resultado balança comercial este ano deve alcançar volume recorde com superávit ultrapassando US$ 70 bilhões | Foto: Getty Images

Em 2020, o Real sofreu muito em um primeiro momento por conta da forte aversão ao risco decorrente de uma pandemia que assustou o mercado global. Com o avançar do tempo e redução da contaminação global, houve diminuição da aversão ao risco, mas ainda assim, no final do ano a taxa de câmbio voltou a se depreciar, pois apareceram os primeiros sinais de que observaríamos novo agravamento da pandemia e ainda não havia perspectivas sobre a vacinação em território nacional. Além disso, um movimento pontual, gerado pela necessidade de os bancos ajustarem suas posições de overhedge, elevou consideravelmente a demanda por dólares ao longo do ano.

Em 2021, segundo o Banco Central, o ajuste necessário das posições de overhedge já está próximo do fim, diminuindo esta fonte de pressão adicional sobre a moeda. Entretanto, o Real segue entre as moedas que mais desvalorizaram no ano, apenas na frente da lira turca e que o peso argentino. Então, quais questões são e serão determinantes da trajetória do câmbio nos próximos meses?

Olhando as questões estruturais, temos hoje um “cabo de guerra” entre fatores que podem puxar a taxa de câmbio para um lado ou para o outro, e nosso desafio é saber se algum dos fatores terá mais força.

Por um lado, o ajuste das contas externas será ainda mais profundo em 2021, abrindo, em princípio, espaço para a volta de fluxos cambiais mais positivos. A perspectiva de recuperação da economia global, que sinaliza para a retomada da demanda mundial, tem colocado enorme pressão sobre os preços das commodities (que reagem também a questões que impactam a oferta) o que deve levar a resultado recorde para nossa balança comercial, com superávit ultrapassando US$ 70 bilhões.

O “vazamento” que acontece de nosso resultado positivo na balança comercial, que costuma acontecer pela conta de serviços (onde computamos, por exemplo, gastos com viagens, remessas de lucros e dividendos, pagamentos de juros, etc), será mais uma vez muito menor em resposta ao baixo crescimento da economia, restrições de viagens a outros países e taxa de juros ainda reduzida. Dessa maneira, nossa conta corrente com o resto do mundo deverá ser positiva pela primeira vez em 15 anos.

Um leitor atencioso pode nos questionar se os recursos obtidos pelos exportadores serão internalizados em maior proporção esse ano, revertendo um movimento que se iniciou em 2018 (quando parte relevante desses recursos começou a não ser internalizada) e ganhou ainda mais força diante de um cenário de forte redução da taxa de juros e incerteza com relação à trajetória do câmbio.

Segundo o Banco Central, esse recurso que foi utilizado pelas empresas para pagamentos (e até pré-pagamentos) de dívidas das empresas lá fora, já estaria próximo do fim. Ademais, a perspectiva de alta da taxa Selic contribuiria para a internalização desses recursos. Assim, percebemos que as contas externas podem potencialmente gerar pressão para a apreciação do Real.

Contudo, pelo outro lado, a evolução do cenário político e fiscal continuará determinando o fluxo cambial (tanto comercial quanto financeiro) assim como as apostas por proteção no câmbio feitas pelos investidores locais, podendo contrabalancear e até sobrepor (no limite) a força anterior, vencendo assim o cabo de guerra e colocando mais pressão sobre o Real.

Importante destacar que historicamente o Real sempre teve performance bastante positiva em momentos de boom dos preços de commodities. Contudo, esse movimento não foi observado em 2020 e segue não sendo observado em 2021, em grande medida por conta da incerteza com relação ao cenário fiscal.

Olhando para o fluxo cambial financeiro, este foi consideravelmente negativo em 2020 (mais de US$ 51 bilhões) e nesse ano pode se tornar positivo, caso melhore a percepção de risco com relação à economia brasileira e a saída dos investidores estrangeiros do Brasil tenha chegado ao final.

Como atravessamos a maior crise sanitária de nossa história recente, parece justificável algum gasto público extra-teto em 2021, visando amenizar os efeitos dessa pandemia sobre a população e as empresas. Contudo, esse gasto precisa ser feito de tal maneira que seja percebido como limitado, isto é, sem comprometer a tão necessária continuação do processo de ajuste fiscal à frente.

Sobre este aspecto, causa enorme desconforto sobre os investidores a dificuldade observada entre ala política e ala econômica do governo no que se refere ao Orçamento de 2021. Isto impede a definição sobre a reedição de alguns planos de auxílio utilizados em 2020, mesmo já estando na segunda metade de abril e com nível de óbitos/dia muito superior ao observado no ano passado. Esta situação deixa em aberto o caminho a ser escolhido pelo governo para atender essa demanda adicional por gastos, sem passar grande segurança sobre o comprometimento com o ajuste passado este momento. Além disso, a própria dificuldade de lidar com diversas questões começa despertar certa dúvida no setor privado sobre as chances de avanço na tão desejada agenda de reformas.

Assim, percebemos que para que possamos aproveitar a bonança advinda de nossas contas externas robustas, precisamos enxergar uma solução para esse imbróglio fiscal/político. Exemplo disso pode ser sentido justamente na discussão sobre a internalização de recursos dos exportadores. Sabemos que é crescente o número de empresas que colocaram em seus planos estratégicos o crescimento dos negócios no exterior, incentivando a manutenção de recursos lá fora. Todavia, para as demais empresas, a decisão de trazer de volta esses recursos (principalmente para as empresas capitalizadas, que podem se dar ao luxo de mantê-los no exterior) passa pela avaliação de risco da economia brasileira, assim como pela avaliação sobre os benefícios de se investir no Brasil.

Por fim, um componente que pode ser decisivo nesse cabo de guerra vem de fora – a forte expansão fiscal norte-americana, resultado dos volumosos programas de estímulo adotados pelo governo Trump e agora pelo governo Biden. Por ora, a política monetária extremamente afrouxada do Fed permite fazer frente à deterioração do fiscal – o Fed tem financiado o
Tesouro indiretamente através da compra agressiva de títulos a mercado. Contudo, o crescimento da economia resultante de todos esses estímulos em algum momento vai levar a uma revisão desse programa de compras, deixando para o resto do mundo o papel de financiar esse déficit público, elevando a demanda por dólares globalmente. Hoje não esperamos que o ajuste da política monetária nos EUA se inicie antes de final de 2022, com
altas de juros apenas em 2023, mas é um risco a ser monitorado.

Dessa maneira, mantemos nossa expectativa com relação a taxa de câmbio ao final de 2021, R$ 5,50/US$, monitorando a evolução e fatore que poderiam alterá-la.


Doutora em economia pela University of Illinois at Urbana-Champaign, Priscila Deliberalli graduou-se e fez mestrado na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo. Desde 2014, é economista do Banco Safra.

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