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Agência Estado

O pensamento infectado

Autores mostram que a imposição de ideias contamina desde os modelos educacionais arcaicos até às mais recentes estratégias digitais

Influencer gravando

A construção de narrativas ganhou contorno de verdade universal, solapando as diferenças de pensamento | Foto: Getty Images

Controlar a narrativa não transforma a verdade pessoal do narrador em fatos reais; trata-se meramente de uma percepção individual ou mesmo de um enredo construído intencionalmente para se tornar palatável a um grupo de pessoas.

Este grupo, por sua vez, faz a mensagem ressoar, aceitando a narrativa de alguém como um conceito universal, não passível de discordância, pois carrega, supostamente, o peso da verdade absoluta.

A relação de ideias passa, então, a fazer as vezes de evidências científicas e o pensamento, subjugado à cartilha de seus autores, proporciona um grande estrago ao diálogo, além de gerar infelicidade. Nenhuma novidade que um mínimo de observação da comunicação contemporânea já não tenha comprovado. 

Não é de hoje que filósofos tentam jogar luz nas trevas das diferenças. Segundo Immanuel Kant, pensar é uma atividade autônoma, e que requer coragem para exercê-la. Em sua “Crítica à faculdade de julgar”, Kant pontuou: “Queremos submeter o objeto aos nossos próprios olhos, como se nossa satisfação dependesse dessa sensação. E se chamarmos, então, o objeto de belo, acreditamos ter uma voz universal e reivindicamos a concordância de todos”.

O filósofo alemão Anders Indset introduz seu livro “O pensamento Infectado” (ainda sem tradução em português) com a seguinte máxima: “O absolutismo nos impede até mesmo de imaginar um mundo justo para nossos netos”.

Numa crítica que vai dos modelos educacionais arcaicos às redes sociais, Indset apela para que assumamos a responsabilidade pelas próximas gerações e possamos recuperar a empatia, a compreensão e a responsabilidade uns pelos outros.

Defende uma nova forma de pensar que se distancia do óbvio, questiona nossas atitudes básicas que não apenas permitem mudanças, mas as acolhem: “Temos que nos abrir ao outro, aos paradoxos e simultaneidades – para reconhecer as forças efetivas em tempo hábil e agir em conformidade – antes que a sociedade seja abalada por novas catástrofes” (livre tradução do alemão).

Já o psicólogo organizacional e professor da renomada Wharton School, Adam Grant, traz a arte de repensar em seu livro “Pense de Novo”, recém-lançado no Brasil , um questionamento sobre nossas próprias opiniões. Grant afirma que a inteligência geralmente é vista como a capacidade de pensar e aprender, mas, em um mundo em rápida mutação, há outro conjunto de habilidades cognitivas que podem ser mais importantes: a capacidade de repensar e desaprender. 

O autor explica ainda que a maior parte das pessoas prefere o conforto da convicção, ao desconforto da dúvida e veem o desacordo como uma ameaça. “Em geral só damos ouvidos às opiniões que confirmam as nossas” e sugere como antígeno:

  • abraçar a alegria de estar errado;
  • trazer novas nuances para conversas difíceis;
  • mostrar com clareza e bom humor que é possível manter a mente aberta, sem perder o poder de convencimento, nem a autoconfiança.

Comunicação empática como antídodo ao pensamento infectado

Comunicar assertivamente não é só sobre forma, técnica, mas aceitação de diferenças e requer conhecimento. A menos que possamos explicar o conteúdo a outros, nada “sabemos”, e, ao ensinarmos, chegamos ao ápice do nosso próprio aprendizado. O psiquiatra americano William Glasser mostrou que 95% de efetividade do nosso aprendizado acontece quando explicamos, resumimos, estruturamos ou elaboramos o conceito para outras pessoas.

Segundo o escritor Shannon Terrell, quando nos sentimos compreendidos, sentimo-nos mais capacitados para falar. A comunicação reduz também os ruídos do chamado diálogo interno, aquela voz em nossa mente responsável por sabotar nosso bem-estar.

Muito difundida também é a técnica conhecida como comunicação não violenta, ou CNV, criada pelo psicólogo Marshall Rosenberg. A metodologia visa construir relacionamentos e resolver conflitos, através de um treinamento muito simples, porém contínuo:

  • Esteja atento a seus julgamentos – Tente observar o que você está dizendo a si mesmo, sobre o porquê de alguém estar fazendo algo;
  • Identifique os fatos – Desfaça quaisquer julgamentos. Tente descrever a situação do jeito que uma pessoa fora do contexto faria;
  • Nomeie seus sentimentos – Descreva como você está se sentindo;
  • Identifique e declare as necessidades básicas que levam a esses sentimentos;
  • Faça seu pedido – O que a outra pessoa poderia claramente fazer para atender suas necessidades?
  • E não esqueça: O outro pode não estar disposto a atender ao seu pedido, contudo comunicar ainda é um ponto de partida para iniciar a conversação.

A Felicidade tem raízes nas nossas necessidades e valores; somos responsáveis pelos nossos próprios sentimentos. Outras pessoas podem ter influência em nossas escolhas, mas a decisão de como reagiremos é nossa. 

De acordo com Sandro Formica, Professor de Ciência da Felicidade, na Florida International University, nas organizações, por exemplo, constroem-se imagens inimigas de colegas que poderiam facilmente ser evitadas através da eliminação de filtros cerebrais negativos e criando mais conexões.

Formica sugere o uso de qualquer forma de comunicação empática, que envolva necessidades e valores de todos, de emissores a receptores. O resultado disso é a redução de conflitos, o aumento de comprometimento organizacional e a promoção de sentimento de pertencimento.  Narrativas não são fatos, assim como o pensamento não é só uma relação de ideias. Discordar agrega valor a todas as partes, mas há que se comunicar de forma empática, sabemos o que não sabemos. Repensar e Desaprender são habilidades cognitivas de ponta. É ensinando que aprendemos e só sabemos quando conseguimos explicar. Comunicação não violenta desarma.


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