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Agência Estado

A felicidade sob a perspectiva do Metaverso

Temos uma equação cheia com os desejos de uma sociedade ideal, em um universo paralelo virtual, as big techs e as dúvidas que permeiam anseios coletivos de bem-estar

Homem sentado em cadeira na praia com óculos de realidade virtual, fazendo reunião no metaverso

Uma definição simples para o metaverso seria um universo virtual que tenta replicar a realidade através de tecnologias digitais, muitas delas já conhecidas, como a realidade virtual, realidade aumentada ou digital twin | Foto: Getty Images

“Se eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, então plantaria uma macieira”. Com base nessa citação atribuída a Martinho Luthero, o controverso psiquiatra e autor alemão Hoimar von Ditfurth lançou sua obra fatalista em 1985, onde já disparara na introdução: “Fim dos tempos… não vamos bem”. O autor de “Então vamos plantar uma macieira” baseava seu pessimismo nos medos que circundavam os fatos marcantes da época, como o medo da guerra nuclear, degradação ambiental, explosão populacional. Mas, foi principalmente na imensa incapacidade
humana de se relacionar em sociedade que o autor esbanjava sua insatisfação com a existência.

O ser humano seria “limitado em seu livre arbítrio”, concluía von Ditfurth em resposta aos resultados obtidos pelas então novas pesquisas científicas com gêmeos e que comprovariam que 50% do nosso comportamento é originário de herança genética. Afirmação esta que seria suficiente para a certeza determinista do autor de que seríamos algo como “um caso perdido”.

Como solução, von Ditfurth propunha o fim coletivo da humanidade, já que a esperança estaria na vida após a morte. Esta sim poderia recriar a realidade, transcendendo o mundo, como o conhecemos, adicionando componentes como “amor até aos inimigos”. Odiado e sincronicamente premiado, o autor descrevera, em suas angústias escapistas, o que alguns pensadores de tecnologia atuais mais otimistas esperam do metaverso, sem, para tanto, ter de morrer para viver. A ideia é continuar por aqui mesmo, ainda que numa realidade paralela.

Odiado e sincronicamente premiado, o autor descrevera, em suas angústias escapistas, o que alguns pensadores de tecnologia atuais mais otimistas esperam do metaverso, sem, para tanto, ter de morrer para viver. A ideia é continuar por aqui mesmo, ainda que numa realidade paralela.

“Pense na possibilidade de criar uma nova sociedade, online, porém fazendo da maneira certa desde o primeiro dia”, propõe Daren Tsui, CEO da Together Labs, um dos experts entrevistados para o Relatório Into the Metaverse. Segundo Tsui, a missão de sua empresa já é redefinir a mídia social como um catalisador para a conexão humana autêntica, por meio do desenvolvimento de produtos, baseados neste valor central.

O tal do metaverso

Uma definição simples para o metaverso seria um universo virtual que tenta replicar a realidade através de tecnologias digitais, muitas delas já conhecidas, como a realidade virtual, realidade aumentada ou digital twin (uma representação virtual de um objeto ou processo físico em tempo real), além de outras tecnologias emergentes.

“Trata-se de uma convergência entre os dois mundos, não uma dissociação, mas uma associação de hábitos, negócios, locais virtuais, lazer. Este contexto abre possibilidades também no quesito comportamental, no metaverso, seu eu-digital, ou seu avatar pode ser exatamente quem você é, ou pode ser alguém completamente diferente e, por conseguinte, experimentar uma nova vida. Esta realidade imersiva será ainda muito mais profunda, do que vivenciamos hoje com as redes sociais, tecnologias digitais, WhatsApp.” – resume Christiane Edington, Conselheira da MCIO Associação que promove a inclusão e ascensão de mulheres no mercado de tecnologia e ex-presidente da Dataprev, uma das principais executivas brasileiras, sendo membro do conselho de administração de grandes corporações, como as Lojas Renner e JHSF.

“A co-dependência da tecnologia para uma vida feliz é o que mais surpreende no relatório into the metaverse. Fatores como o bem-estar, a criatividade, e a própria citação da felicidade mostra uma intersecção interessante nesse contexto tão tecnológico. Talvez seja esta uma possibilidade plausível de replicar o melhor de nós, ao imergirmos nessa nova esfera do mundo virtual. A tecnologia pode ser usada em prol de aspectos positivos da experiência humana. O problema vem ao tentar subverter o uso da tecnologia, perdendo a mão entre necessidades e valores da população imersiva e os interesses das Big techs, dado o alto potencial de negócios e audiência em jogo”, ressalta a executiva.

É da agência global Wunderman Thompson o relatório que abriga as informações que vêm movimentando o diálogo sobre o tema. Into the metaverse reúne dados de 3.011 pessoas que foram ouvidas em diversos países, e entrevistas com 15 especialistas para trazer análises de comportamento, insights e tendências. E, ainda que a finalidade primária seja a de auxiliar o mercado a compreender como o metaverso se desenvolve, alvejou causas humanistas e psicossociais do nosso tempo, como mostra alguns highlights do estudo:

● 64% das pessoas dependem da tecnologia para sua vida social;


● 52% dependem da tecnologia para a sua felicidade;


● 76% dizem que suas vidas e atividades diárias dependem da tecnologia para existir;


● 50% afirmam que seu bem-estar depende da tecnologia.

Ok. Mas, o que é mesmo felicidade?

Uma pergunta que deve ser feita é: O que os entrevistados pelo estudo entendem por felicidade? Seria diversão, conquistas rápidas, prazeres hedônicos (intensos, mas de rápida duração)? Ou será que de fato reportaram ao entendimento superior e atualizado da felicidade, evidenciada pela ciência? A resposta deve ser dada no âmago de cada um de nós. O que responderíamos se tivéssemos feito parte da pesquisa e o que de fato estaríamos respondendo com nossas afirmações? Já identificamos um propósito longevo, um bem-estar subjetivo duradouro a despeito dos acontecimentos da vida? Já compreendemos que a base de uma vida feliz são conexões sociais qualitativas, altruísmo, imperturbabilidade,
tudo isso bem equalizado com emoções positivas? Afinal, são esses os pilares de uma vida duradouramente feliz, segundo estudos robustos de renomadas universidades como Harvard, Yale, California, River-Side, Bochum (Alemanha), para citar algumas.

Seria uma forma de garantir “felicidade” que levaria, segundo o jornal britânico Independent, um fã anônimo a pagar £ 340.500 libras esterlinas na compra de um terreno virtual, próximo à casa NFT (criptomoeda ou o token não-fungível, código de computador que serve como autenticação de um arquivo – garantindo sua originalidade) de Snoop Dogg no Metaverso?

Para quem está surpreso, o rapper construiu seu Snoopverse, onde os residentes são chamados Snoopers, e já fatura incansáveis cripto-milhões.
Não é necessariamente um conceito novo, sustentar a vida em propósito, amizades e autoalquimia. Filósofos antes de Cristo já defendiam premissas semelhantes: o Estoicismo é um excelente exemplo. A diferença é que, nos últimos 40 anos, cientistas comportamentais como Mihaly Csikszentmihalyi, Martin Seligman entre outros contemporâneos, como os professores de Tal Ben Shahar, Schawn Archor, Sonja Lyubomirsky, trouxeram à luz da ciência o importante entendimento não só do que nos faz felizes, mas de como treinarmos para fazer deste um hábito.

Recriar as vivências humanas através de um eu-imersivo é desafiador, principalmente para um ambiente que se propõe a estar 24 horas por dia em modo on. Para que essa recriação impacte positivamente a sociedade, deve-se considerar na era pós-pandêmica (admitindo algum otimismo na expressão) o urgido da saúde mental de seus cidadãos, virtuais ou não.

Numa das frentes emergentes mapeadas pelo Into the Metaverse, as MetaSocieties: 88% dos entrevistados disseram que o seu eu-digital deverá refletir os seus valores da vida real e os seus preceitos éticos. Seria este um dado indicador de esperança para a construção de uma sociedade virtual mais feliz? Ou não vivenciando esses preceitos e valores na realidade, pretende-se criar esse alterego? Bandidos virarão mocinhos ou heróis buscarão seus vilões mais profundos?

Entre utopias e distopias

A Interação de personas digitais e a saúde mental é tema de debate público entre a gigante de Mark Zuckerberg e grandes especialistas nesta área.

De acordo com o Facebook, em suma, o metaverso é a expressão máxima da tecnologia social, contribuindo para o bem-estar mental, uma vez que ensaios clínicos controlados demonstraram que a realidade virtual ajuda pessoas com delírios e alucinações.

No renomado Psychology Today, Dra. Phil Reed, Ph.D., professora de psicologia na Swansea University respondeu:

“Estudos sugerem que o uso excessivo da tecnologia digital está associado a muitos problemas de saúde mental, como sintomas psicossomáticos, depressão, e doenças mentais graves. Para que este esboço das evidências não seja confundido com propaganda anti-digital, como foi posto por representantes do Facebook, a primeira coisa a dizer é que existe a possibilidade de que tal interação virtual ajude pessoas a lidarem com a situação de delírios e alucinações, demonstrados em ensaios clínicos controlados. No entanto, o metaverso proposto não será um ambiente clínico controlado, e há sugestões factíveis de que a ajuda que tais ambientes virtuais proporcionam é simplesmente escapismo, ou seja, promovem a sensação de escapar de problemas, não entregando uma solução duradoura. Por outro lado, existem evidências crescentes de uma associação entre o uso digital e problemas clínicos associados a delírios e alucinações.” (em livre tradução).

As controvérsias não param por aqui, e uma participante do grupo de testes do Horizon Worlds, plataforma metaverso Facebook, relatou ter sido assediada sexualmente por um dos participantes, afirmando que o fato de estar em realidade virtual l, adiciona um componente de intensidade ao evento, não presente na internet convencional, segundo relato do New York Post.

Temos uma equação cheia de incógnitas entre os desejos de uma sociedade ideal, em um Universo paralelo virtual, a motivação das big techs com o gigantesco potencial de audiência e lucratividade, e as dúvidas que permeiam anseios coletivos de bem-estar subjetivo em contraponto com seus medos. Escapar ou Ser Feliz?

O que o psiquiatra pessimista Hoimar von Ditfurth não sabia, ou não apostou em sua abordagem dos anos 1980, é da imensa capacidade resiliente e de aprendizado humano. Quando estes escolhem agir e imputam esforço e energia, muito além dos genes, somos capazes de viver nossa melhor versão, numa perspectiva realista, porém otimista da vida, sem termos de desistir dela para prosperar.

Encorajar pessoas para não escolherem um mundo exclusivo para creditar hábitos de uma vida sustentável, justa, empática, significativa pode ser uma alternativa válida para a felicidade em coletividade. Na dúvida imersiva, e adjetivando em metaverso, que tal plantarmos nossas macieiras? Se bem cuidadas, os frutos vêm. Alguém acompanha?

Ou… Vou ali plantar uma macieira. Quem me acompanha?


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