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Sidney Klajner

Sidney Klajner

Pandemia abriu uma janela de oportunidades

O Brasil não pode perder as possibilidades de avanço trazidas pela covid-19, como o uso da telemedicina

Na sua última edição de dezembro, a revista Nature, uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo, trouxe um artigo explicando as razões pelas quais a criação de vacinas contra o vírus SARS-CoV-2 foi a mais rápida na história do desenvolvimento de imunizantes.

A mais óbvia foi a urgência para conter o avanço da Covid-19, que até os seis primeiros dias de janeiro de 2021 havia atingido 84,7 milhões de pessoas, tirado a vida de 1,8 milhão de indivíduos no mundo e colocado o mundo de joelhos por um longo e difícil ano.

Menos evidente, está o trabalho construído durante décadas por milhares de pesquisadores que adicionaram peças fundamentais ao jogo de xadrez que o homem trava contra os vírus há milênios e agora tiradas da cartola para dar o xeque-mate ao novo coronavírus.

Pode-se intuir que boa parte dos avanços tenha ocorrido durante e após a pandemia de gripe, provocada pelo vírus Influenza, registrada entre os anos de 1918 e 1920 e responsável pela morte de 50 milhões de pessoas.

É verdade. Mas muitos dos progressos decorreram mais do empenho pessoal de cientistas do que de um consenso coletivo em torno da importância de investir em ciência.

Hoje, passados 103 anos da tragédia da gripe espanhola e um ano após o surgimento dos primeiros casos de Covid-19, será que as sociedades finalmente aprenderam o valor do conhecimento? Ou de sistemas eficazes de atendimento aos pacientes? Quem sabe, de engrenagens azeitadas que permitam o funcionamento de toda a cadeia de saúde com a sincronia de um relógio suíço?

São respostas difíceis de serem dadas, embora muito se diga a respeito de legados que a pandemia deixará para o setor de saúde.

É arriscado falar em heranças positivas em tempos tão complexos, polarizados e por vezes irracionais.

Como explicar que a telemedicina, cujo valor como meio de democratização do acesso ao atendimento ficou patente no mundo, esteja permitida sem restrições no Brasil somente enquanto durar a pandemia. Depois, volta a ter seu alcance restrito, obedecendo à uma resolução constituída em 2002, quando nem smartphone existia?

A falta de integração entre os players do setor, entre eles e o Estado e entre o Estado e a sociedade civil é outro problema escancarado pela urgência de respostas e, mais recentemente, pelos desafios para colocar de pé campanhas nacionais de vacinação.

No Brasil de proporções continentais, a ausência de coordenação entre os entes da federação e a emergência de um debate politizado em torno da questão que coloca em lados opostos setores público e privado da saúde, além de discussões dentro do próprio segmento público, como de um lado o governo federal e, do outro, o estadual, tornam o cenário desalentador.

Iniciativas de sucesso envolvendo parcerias público-privado são prova de que esse pode ser um caminho para que todos os brasileiros sejam vacinados, com a saúde privada contribuindo para a execução do programa de forma complementar às ações do setor público enquanto a disponibilidade de vacinas e insumos forem imitadas.

Dessa maneira, a esfera suplementar e privada da saúde permanece ajudando o Brasil no enfrentamento da pandemia. No entanto, muitos preferem ater-se a interesses próprios a trabalharem em conjunto pelo bem comum.

Tornou-se lugar comum afirmar que a dor causada pela pandemia transformará o mundo em um lugar melhor. Mas é preciso ir além do discurso.

É necessário aproveitar de fato mais esta janela de oportunidade que o ser humano está recebendo para se aprimorar ou, ao menos, não repetir erros com consequências dramáticas.

Em 1918, já nos meses finais da Primeira Guerra Mundial e com os casos de gripe espalhados pelo mundo, o governo dos Estados Unidos continuou a enviar soldados para a Europa apesar dos alertas feitos pela comunidade médica de que a doença estava matando mais homens do que as batalhas.

Mas a vitória na guerra superava em importância o ato de poupar a vida de jovens. Um caso em particular tornou-se simbólico. De fabricação alemã, o navio de passageiros Leviathan estava atracado em Nova York quando os EUA declararam guerra ao país europeu.

A embarcação foi confiscada pelo Estado americano, rebatizada como USS Leviathan e usada para transportar soldados ao outro lado do Atlântico. Em outubro daquele ano, agrupados em alojamentos apertados e com direito a curtos períodos de ar livre no deque, milhares de homens fizeram outra travessia marcada pela morte.

Houve um momento em que o número de mortos pela gripe dentro do barco era tão grande que não havia tempo para funerais, por mais rápido que fossem.

Os corpos empilhados no deque eram jogados um a um no oceano, num ritual sombrio embalado pelo choro e gemido dos sobreviventes espremidos na parte inferior da embarcação.

A guerra terminou um mês depois.


Sidney Klajner é Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein.

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