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Claudio L. Lottenberg

Para desfazer o tabu sobre a cannabis

Debate público sobre a relevância da planta no cuidado com a saúde é fundamental para vencer resistências culturais

Close de cientista manipulando óleo verde à base de cannabis com luvas azuis

Brasil avança na inserção da cannabis à pauta de saúde e, só em maio, mais quatro produtos à base de Canabidiol foram aprovados pela Anvisa. São, assim, 19 os produtos disponíveis no mercado brasileiro | Foto: Getty Images

O uso e as potencialidades da cannabis para a área da saúde têm cada vez mais espaço no debate público. Ainda que a planta seja alvo de controvérsias, seu impacto na sociedade já é tal que a própria ONU (Organização das Nações Unidas) realizou, no início de maio, seu primeiro fórum presencial, em sua sede, em Nova York – o Regenerative Cannabis Live –, em torno do tema.

O Brasil vem avançando na integração da cannabis à pauta da saúde. Só em maio, mais quatro produtos à base de Canabidiol (CBD– um dos 80 canabinóides da planta, e que não produz efeitos psicoativos) foram aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). São, assim, 19 os produtos disponíveis no mercado brasileiro. Também em maio, o Brasil sediou a Medical Cannabis Fair – a maior feira dedicada ao tema no país; e dentro dela, foi realizado também o Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal, que teve, nos 4 dias de evento, visitação de mais de 11 mil pessoas – atraindo cientistas, médicos das mais diversas especialidades, empresários, advogados e autoridades públicas, entre muitas outras categorias.

Um grande obstáculo no Brasil (mas não só) para que se vença a resistência ao uso de cannabis é cultural – relacionado a seu uso recreativo. Por ser tabu, o assunto também ganha um caráter delicado na esfera política, o que faz com que elaborar leis e regras sejam sempre cercadas de cautelas. Mas as mudanças vêm encontrando espaço. A mais recente (de 14 de junho) foi a autorização, dada (por unanimidade) pela 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), a três pessoas para que cultivem maconha com o objetivo exclusivo de extrair o óleo canabidiol (para uso medicinal). Há também um marco legal – este de 2019: uma resolução da Anvisa que instrui sobre os requisitos necessários à regularização e prevê uma revisão a cada três anos (a primeira, portanto, deve acontecer ainda em 2022). E há ainda o projeto de lei de 2015, já amplamente discutido com diversas instâncias da sociedade.

A questão relativa ao uso recreativo passa por uma via completamente diferente: é preciso lidar com temas relacionados a segurança pública, fiscalização, entre outros. Mas na questão da saúde, são muitas as pesquisas que mostram o ganho em qualidade de vida para quem precisa fazer uso desses medicamentos. O CBD e THC (tetrahidrocarbinol, outra das substâncias extraídas da planta) podem ajudar pacientes com doenças como epilepsia, demência, fibromialgia, mal de Parkinson e depressão. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo), em Ribeirão Preto, mostrou que o canabidiol pode reduzir os sintomas de quem sofre com síndrome de burnout – o trabalho já foi publicado pelo periódico especializado Jama (Journal of the American Medical Association).

Mais avanços nos estudos sobre a cannabis poderão revelar sua aplicação com efeitos positivos a outras doenças. Regras e legislações para uso e manipulação da cannabis ainda surgirão – o que trará segurança jurídica para sua produção e comercialização, e principalmente segurança sanitária para quem dela fizer uso medicinal. Para isso, o debate público sobre sua importância e seus benefícios é fundamental, para vencer as barreiras culturais e tornar passado o tabu que envolve uma planta milenar, que já mostrou seu potencial para a saúde de milhões de pessoas.


Claudio L. Lottenberg é mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), presidente do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

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