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Emanuele Cappellano

Os paradoxos do setor automobilístico em 2021

Em um cenário de pressões cambiais e desafio fiscal, setor automotivo tem à frente um caminho que requer atenção redobrada

Em 2021, a indústria automobilística vai percorrer uma via de mão dupla: terá de responder ao crescimento esperado da demanda enquanto gerencia escassez de insumos e alta de custos.

Para entender esse contexto e poder analisá-lo, é interessante olhar para o que aconteceu com o setor em 2020. Quando o ano passado começou, a expectativa de expansão era de 10%, mas a pandemia da Covid-19 chegou e causou a suspensão da produção e fechamento de fábricas por aproximadamente dois meses.

A retração foi mais severa em abril e maio, mas, a partir de junho, o mercado começou a ensaiar uma recuperação sustentada. Felizmente, as estimativas iniciais de que a pandemia faria as vendas retrocederam 40% não se confirmaram. A retração em 2020 foi de 26,7% em relação a 2019. O setor tem diante de si um longo esforço de recuperação, mas é certo que a retomada das vendas vem-se dando de modo mais rápido e consistente do que se poderia esperar. Dezembro foi o melhor mês do ano em número de veículos vendidos.

Nesse cenário, lideramos, como FCA Latam, o mercado brasileiro de automóveis e comerciais leves no ano passado, com 433,6 mil veículos das marcas Fiat, Jeep e Ram vendidos. Isto representou uma participação de mercado de 22,2%. Ao mesmo tempo, a FCA foi a empresa que mais expandiu suas vendas na Argentina em relação ao ano anterior. A conjunção destes resultados assegurou a liderança de mercado na América Latina (o México não entra nesse cenário), uma participação de mercado de 16,5% e um avanço de 2,9 pontos percentuais sobre a fatia de mercado obtida na região em 2019.

No mês de janeiro foi concluída a união da FCA com a PSA. Agora somos Stellantis, o quarto maior grupo automotivo do mundo em número de automóveis vendidos e o terceiro em receita, o que expande ainda mais nossa presença na América Latina.

O mercado brasileiro de automóveis vive agora um momento de otimismo moderado. Projeta-se para este ano um crescimento de 15% nas vendas totais, para 2,25 milhões de veículos, além de expansão de 8% nas exportações, para 333 mil unidades, e um salto de 25% na produção, para 2,39 milhões de veículos.

Ainda restam, porém, incertezas. A velocidade e consistência da recuperação em V do setor automotivo e de outros setores estratégicos tiveram consequências inesperadas, como a falta de capacidade plena da produção de insumos e componentes.

Um exemplo é a atual escassez de microchips, cada vez mais usados nos automóveis para prover suas múltiplas funcionalidades eletrônicas. Com a chegada da pandemia de Covid-19, os fornecedores redirecionaram a produção desses dispositivos para onde havia aumento de demanda, como na fabricação de smartphones e laptops. As montadoras, por sua vez, haviam cortado os pedidos de semicondutores, antecipando a queda nas vendas e tentando reduzir perdas. Agora vivemos uma retomada, mas a estimativa é que somente nos próximos meses os ritmos de produção de componentes e insumos sejam alinhados e essa oferta se normalize.

A velocidade da recuperação da produção de aço também está inferior ao retorno da demanda de bens de consumo que utilizam essa matéria-prima. Para complicar, a alta do dólar tem impacto sobre os preços internos.

Portanto, observamos irregularidade de fluxos de produção e de logística ao longo da cadeia, seguida de alta de preços decorrente das pressões cambiais e da própria escassez de oferta. O comportamento assimétrico do IGP-M (alta de 23,14% em 12 meses em dezembro) em relação ao IPCA (alta de 3,13% em 12 meses) é um sintoma da ambivalência atual.

Há muito trabalho para buscar pontos de equilíbrio nos próximos meses. E precisamos continuar atentos à conjuntura, ainda marcada por instabilidade. O país está diante de um grande desafio fiscal, a dívida cresce em relação ao PIB, a crise sanitária da Covid-19 pode estender-se além de todas as previsões, o câmbio está oscilante e há pressão de preços. É exigida muita sensibilidade na gestão da política monetária e sempre há o risco de surgir a tentação do aumento da carga tributária.

Sintetizando em uma analogia automotiva: a estrada que temos pela frente é boa, mas ainda há neblina e é preciso redobrar a atenção no caminho.


Formado em economia pela Università Ca' Foscari Venezia e Master, Corporate Finance and Management Accounting pela Università degli Studi di Torino, Emanuele Cappellano é CFO na Fiat Chrysler Automóveis (FCA) desde 2017.

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