É uma obviedade dizer que pesquisa é o retrato do momento, e que a foto pode mudar muito até a eleição — no caso da presidencial de 2022, só daqui a um ano e quatro meses. Posto isso, é relevante destacar que há retratos e retratos, alguns mais e outros menos resistentes às intempéries do tempo. Pesquisas também apontam tendências, que permitem aos candidatos e a forças diversas traçar estratégias em torno da eleição que, ao fim e ao cabo, influenciam seus rumos. Da mesa forma, encorajam e desencorajam alianças, candidaturas adversárias e outros movimentos.
O levantamento do Datafolha mostrando que o ex-presidente Lula venceria o atual, Jair Bolsonaro, num segundo turno por 55% a 32%, divulgado nesta quarta-feira, deve ser visto com bastante atenção. Antes de tudo, por ser a primeira pesquisa feita de forma presencial desde o início da pandemia, o que reduz distorções provocadas por entrevistas telefônicas ou questionários online. Segundo especialistas, tende a estar mais próxima da realidade do que outros levantamentos recentes que mostravam Lula em situação de empate, ou até ligeiramente na frente de Bolsonaro. No Datafolha, a distância é considerável já no primeiro turno — 41% x 23%.
Outro dado importante foi a forte queda na aprovação do presidente da República — já detectada antes, porém com menor intensidade. Em alguns levantamentos telefônicos, ele estaria estabilizado em pouco mais de 30%. Mas, segundo o Datafolha, em 2021 houve perda de 13 pontos percentuais nos níveis de bom e ótimo de Bolsonaro, que estão em 24%.
Essa tendência pode se reverter? Pode, é claro. Assim como Lula, que nem é candidato declarado ainda, pode cair. Mas hoje o viés deste último é de alta, e o do presidente é de baixa, e boa parte das forças políticas começam a tocar suas estratégias para 2022 com base nesse cenário. Palanques costumam ser planejados com antecedência, e há prazos legais para filiações, domicílio eleitoral, desincompatibilizações, e para acordos e alianças em torno de quem dá mais votos.
É por aí que, hoje, o temor de políticos próximos de Bolsonaro é de que os próximos meses marquem a debandada de ao menos parte do Centrão, o grupo que jurou fidelidade ao Planalto em troca de cargos, espaços, emendas e verbas, mas que, antes de tudo, é pragmático. Se a tendência do Datafolha se confirmar, veremos daqui a pouco movimentos de políticos e partidos de centro rumo a Lula. Aliás, antes memo da pesquisa, o ex-presidente havia aberto canais de entendimento, por exemplo, com o PSD. O presidente do partido, Gilberto Kassab, mantém o discurso de lançar candidato próprio, mas, na prática, está autorizando a formação de palanques do partido com Lula em estados importantes como Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Até porque, se houve outra tendência detectada no Datafolha, foi a imensa dificuldade de fortalecimento de uma “terceira via”, a sonhada candidatura do centro capaz de ir ao segundo turno contra Bolsonaro ou, muito mais provavelmente hoje, contra Lula. Esse personagem parece estar tendo dificuldades para nascer, a julgar pelos números do segundo pelotão na pesquisa. Quem está melhor, Ciro Gomes, tem apenas 7%.
Mais uma vez, cabe perguntar: essa situação pode mudar? É claro que pode. O próprio Bolsonaro, a um ano da eleição presidencial de 2018, não era sequer levado a sério como candidato. Mas tudo indica que os nomes que agora estão na mesa — inclusive a suposta novidade Luciano Huck — não empolgam. E o efeito pesquisa pode levar alguns deles a desistirem ou alguns partidos a desistirem deles, buscando os caminhos mais seguros de candidaturas consolidadas.
O relógio das eleições começou a girar muito cedo, na situação absolutamente atípica da pior pandemia do século, que já matou quase 450 mil brasileiros, governados pelo presidente da República com pior avaliação nessa altura do mandato. Antes de tudo, o que a primeira pesquisa presencial desse período mostrou é que a tragédia e seu imenso impacto social parecem estar no pano-de-fundo do voto de 2022.