close

Joaquim Levy

Por que não desmatar

É uma ilusão pensar que a floresta amazônica é robusta. Ela é complexa, mas vulnerável, inclusive no que diz respeito à biodiversidade

aoazônia

A Amazônia permite que a umidade do mar chegue ao Centro Oeste, onde está grande parte da nossa agricultura e nascem rios que geram 70% da nossa energia | Foto: Getty Images

Há evidências de que a temperatura média na Terra tem aumentado nas últimas décadas, com as crescentes emissões de gases de efeito de estufa (GEE). No ritmo atual, a temperatura média aumentará em talvez 4°C ainda no período de vida dos jovens de hoje.

O aquecimento global e suas consequências não são distribuídos equitativamente ao redor do mundo.  Para alguns países como o Canadá, a possível abertura do Ártico à exploração econômica e uma rota de navegação boreal entre o Atlântico e o Pacífico podem até parecer positivas.

Para o Brasil e os países tropicais, o aquecimento será maior do que a média global e desastroso. O aumento contínuo da temperatura, mesmo de apenas alguns graus, terá grande impacto na Amazônia, com consequências ambientais, sociais e econômicas em todo o território nacional. Em outros países tropicais também haverá impacto na agricultura e na vida de milhões de pessoas, criando fortes pressões migratórias. O que explica o estudo sistemático do tema pelos militares americanos, entre outras instituições de segurança ao redor do mundo.

O que o Brasil pode fazer diante dessa ameaça?  O mais urgente é focar onde o aquecimento global terá maior impacto sobre nós.  Dada a importância da Amazônia para o equilíbrio climático de todo o país, a prioridade tem que ser proteger a floresta. Ela que permite a umidade do mar chegar até o Centro Oeste, onde está grande parte da nossa agricultura e nascem os rios que geram 70% da nossa energia elétrica.

É uma ilusão pensar que a floresta amazônica é robusta. Ela é complexa, mas vulnerável, inclusive no que diz respeito à biodiversidade, como ilustrado pela sua suscetibilidade à estiagem de 2005, com o ressecamento dos igarapés e o aumento do fogo.

Não há muita dúvida de que a floresta amazônica machucada terá grande dificuldade de suportar aumentos da temperatura global.  A defesa dessa floresta é assim estratégica para o país, e sua fragilização uma grande ameaça à nossa soberania.

A destruição da floresta não ocorre apenas com o corte raso e queima de áreas equivalentes a milhares de campos de futebol por dia. O furto de madeiras nobres deixando grande número de outras árvores derrubadas ou danificadas também fere gravemente a mata.

O prejuízo econômico do desmatamento é real.  Apenas uma pequena fração da grande área desmatada na Amazônia nos últimos 40 anos é cultivada ou usada para uma pecuária mais intensiva. O modelo atual é ineficiente, desperdiça as oportunidades da bioeconomia e da regeneração da floresta, e gera renda para poucos. Mas, além disso, o desmatamento e a queima da floresta amazônica, ao precipitarem os efeitos da mudança climática, em pouco tempo afetarão grande parte da agricultura brasileira, pondo em risco a produção de que se orgulha a atual geração de produtores rurais.

Além do “tiro no pé” no médio prazo, o descuido com a Amazônia e o meio ambiente em todo o país tem tido um custo imediato. A Amazônia não é importante só para o Brasil. Seu desmatamento no ritmo atual pode representar apenas 2% das emissões anuais de GEE ao redor do mundo. Mas a perda da floresta teria implicações globais, o que tem suscitado reações contra o Brasil em muitos mercados e de vários governos.

O custo para o nosso agronegócio não é pequeno e rapidamente pode ser estendido a outras partes da economia, como já se vislumbra em algumas iniciativas legislativas no hemisfério norte.

Ou seja, ao invés de podermos cobrar maior redução das emissões globais que põem em risco o nosso povo, estamos perdendo o acesso às mesas que decidem o futuro do mundo e arriscando nossa economia. Isso é injustificável para um país que já deslocou tanto combustível fóssil com energias renováveis e biocombustíveis, tem uma indústria que emite pouco CO2 e um setor financeiro que apoia a sustentabilidade, além de contar com uma tradição de presença e respeito nos círculos internacionais.

É hora de despertar e focar no cumprimento da lei e em soluções econômicas inteligentes para a Amazônia, para podermos nos engajar no combate global à mudança climática e proteger os recursos naturais de que somos donos como nação brasileira e custodiantes como seres humanos.


Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

Assine o Safra Report, nossa newsletter mensal

Receba gratuitamente em seu email as informações mais relevantes para ajudar a construir seu patrimônio

Invista com os especialistas do Safra