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Maroni João da Silva

Como integrar as subculturas que revolucionam o varejo

Práticas relacionais disruptivas vêm sustentando a alavancagem de modelos de negócio mais ágeis, competitivos e diversificados via distribuição multicanal

E-commerce

Varejo muda e deixa para trás o padrão centrado na tradição, liderança e no carisma de seus dirigentes | Foto: Getty Images

O muro simbólico que hoje separa em duas camadas a representação institucional de grandes redes varejistas impõe a demanda urgente de maior eficiência na transição do tradicional para o moderno, em termos de mudança no modus operandi. O ajuste implicaria um alinhamento intersticial entre o e-commerce e a venda de balcão – foco deste artigo – integrando as singularidades de cada uma dessas modalidades de negócio à cultura organizacional das empresas. O propósito é garantir a consolidação da jornada omnichannel ou venda multicanal, contemplando tanto o capital relacional, que permeia os negócios em lojas físicas, como as vantagens competitivas proporcionadas pelas vendas online.  

É bom lembrar que já na virada do milênio, saíram de cena três grandes ícones do comércio varejista brasileiro – G. Aronson, a Mesbla e o Mappin – por conta, igualmente, do desencontro entre seu jeito de ser e o perfil das novas culturas de negócio em ascensão, como enfatizo em meu livro “O lado místico do comércio”, publicado em 2020, pela Editora Appris. Em consequência, quando as três marcas encerraram suas atividades, fecharam-se as cortinas para um padrão cultural centrado quase que exclusivamente na tradição, liderança e no carisma de seus dirigentes, deixando o palco liberado para estilos de governança mais plural.  

O maior legado dessas organizações resgatado pelas gerações de empreendedores que as sucederam foi o aprendizado sobre como construir boas práticas de relacionamento com clientes, como um diferencial competitivo via gestão de RH. Paralelamente, o varejo de perfil globalizado promoveu a ressignificação de seus produtos, enfatizando sua representação simbólica, deixando em segundo plano as tradicionais referências ligadas à qualidade e ao preço.   

Por conta disso, seus portfólios passaram a ser “vendidos” como sonhos e objetos de desejo e não apenas como mercadoria. Ao mesmo tempo, o vendedor foi empoderado como o agente responsável por concretizar essa jornada e, sobretudo, “encantar” o cliente, seguindo as pegadas da Disney, em certos casos. Não por acaso, o slogan do Magazine Luiza é “vem ser feliz”.     

Nesse contexto, realizar uma transação comercial tornou-se uma devoção especial através da qual um ator, no caso do varejo, o vendedor, celebra sua relação inicial com um receptor, que seria um cliente, como uma espécie de ritual de boas-vindas.

Pequenas saudações, elogios, troca de impressões sobre gostos e estilos de vida etc. sintetizam essa aproximação, buscando seduzir o potencial comprador, ao tentar captar suas aspirações e até sugerindo ofertas tentadoras. Por trás dessa relação de cumplicidade figura a premissa de que o consumo preenche, de certa forma, a incompletude humana dos tempos líquidos em que vivemos atualmente.

É esse patrimônio institucional, já enraizado no varejo, que precisa ser – de novo – repensado, transformado e engajado à cultura digital, como parte da cultura organizacional das empresas como um todo. Sua interface com as plataformas digitais seria capaz de flexibilizar o lado hard da tecnologia, tornando o relacionamento virtual menos frio e, talvez, mais “humano”, apelo que ainda funciona como um atrativo de venda.

Essa multidisciplinaridade visa romper as fronteiras socioculturais ainda existentes entre os dois modelos de negócio e integrar os profissionais de varejo hoje separados em online e offline e, de quebra, presencial e home office. Mas a competência técnica, por si só, tornou-se insuficiente para dar conta do desafio de vender, em meio a um turbilhão de ofertas e informações, segundo consenso manifesto por especialistas em negócios de varejo,

Ou seja: outras habilidades serão requeridas no contexto da multidisciplinaridade citada anteriormente, com foco na sintonia fina entre a inteligência artificial e a emocional – essa última podendo ser sintetizadas como soft skills. E mais: além de viabilizar essa sinergia, as empresas de varejo têm ainda pela frente um gargalo estrutural a ser removido para efetivar, de fato, a remoção do muro simbólico referido na introdução deste artigo.

Em termos práticos, está em jogo a necessidade de selar as pazes, em definitivo, entre a cultura organizacional tradicional dos varejistas e as subculturas movidas por práticas relacionais disruptivas. São elas que vêm sustentando a alavancagem de modelos de negócio mais ágeis, competitivos e diversificados via distribuição multicanal.

Portanto, a palavra de ordem é construir novos percursos de acesso aos mapas da mina – leia-se negócios e oportunidades, criando atalhos e conciliando o jeito de ser do varejo com as múltiplas facetas sociais e desejos dos consumidores, manifestas tanto no mundo real como virtual.    


@maronisilva é jornalista, escritor, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, sócio-diretor da Textocon, Comunicação & Cultura Organizacional, autor dos livros Magazine Luiza – Negócio e Cultura e O lado místico do comércio, além de coautor de Gestão de Pessoas no século XXI: Desafios e Tendências para além de modismos.

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