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Joaquim Levy

Sequestro de carbono: tecnologias e mercados

A possibilidade de as florestas sequestrarem emissões da pecuária ou do transporte mostra que o Brasil é capaz de avançar para uma economia de emissões líquidas zero de carbono sem grandes custos

Sequestro de carbono

Mercado de créditos de carbono tem grande potencial de desenvolvimento, desde que haja regras claras | Foto: Getty Images

As emissões globais de CO2 devem aumentar em 2022, puxadas pela substituição do gás natural e dos derivados do petróleo por fontes de energia mais poluentes.  É o caso do carvão no lugar do gás natural na Europa e, até onde se observe, da lenha ao invés do GLP nas cozinhas mais humildes do Brasil.  Países produtores de petróleo podem atenuar os impactos da alta do preço do petróleo e gás usando as receitas fiscais adicionais daí decorrentes para amortecer as flutuações do preço do diesel ou financiar um “vale gás”. No caso do Brasil, sem alterar seu arcabouço tributário ou controlar preços.

O provável aumento de emissões agora e até as fontes de energia renovável se tornarem majoritárias faz da retirada de CO2 da atmosfera, isto é, seu “sequestro”, uma necessidade cada vez mais urgente. Na falta de tecnologias industriais, esse sequestro depende hoje de soluções baseadas na natureza.

A maior parte do CO2 hoje é sequestrado pelo mar, mas é incerto que os oceanos continuem cumprindo esse papel. Não só o CO2 acidifica o mar, destruindo corais e outras formas de vida, mas o aquecimento da atmosfera deverá reduzir a capacidade das camadas superiores dos oceanos armazenarem esse gás. 

Apesar da recente popularidade do alegado papel das baleias de misturar águas profundas e superficiais quando mergulham, e de estimular a proliferação do plâncton, os organismos que realmente podem sequestrar carbono em larga escala nas próximas décadas são as árvores.

Uma árvore de 10 metros de altura e tronco de 40 cm de diâmetro pode pesar 600 kg, dos quais ¼ é água, e até 300kg são carbono, considerando as raízes. Logo, ela capturou 1 tonelada de CO2 para chegar a esse tamanho. Serão necessárias dezenas de bilhões de árvores para sequestrar 10/% dos 55 bilhões de toneladas de CO2 emitidas todo ano globalmente. Mas, o reflorestamento e a regeneração natural nas florestas tropicais podem contribuir muito para isso. 

Uma floresta de eucalipto no Brasil pode sequestrar 30tCO2/hectare por ano. A regeneração das áreas desmatadas na Amazônia sequestra de 5 a 15 tCO2/hectare por ano. Proteger e assistir a regeneração de 20 milhões de hectares com florestas secundárias na Amazônia permitiria sequestrar até 200MtCO2/ano, o equivalente a todas as emissões de veículos rodoviários do Brasil, ou metade das emissões da pecuária brasileira.  A florestas cultivadas para fins industriais também podem sequestrar muito CO2, mesmo descontando as emissões nos processos subsequentes e no eventual descarte dos produtos daí obtidos.

As florestas poderem sequestrar emissões da pecuária ou do transporte mostra que o Brasil é capaz de avançar para uma economia de emissões líquidas zero de carbono (ELZ) de forma econômica. Se programas como o ABC+ tiverem sucesso em reduzir as emissões por arrouba de carne produzida, a eletrificação do transporte for ordenada e incorporar o etanol, e soubermos valorizar nossas florestas, pode-se gerar um grande ciclo de crescimento econômico e emprego, aumentando também a competitividade das nossas exportações, inclusive industriais.

Mas, como estimular soluções baseadas na natureza para sequestrar o carbono enquanto alternativas industrias não existem?

Cada vez mais, há a expectativa de que um mercado de créditos de carbono global possa fazer diferença, ajudando a mitigar as emissões decorrentes do desmatamento e da pecuária extensiva, e aumentar o sequestro de carbono pela expansão das florestas e no solo.   Muitas dessas opções podem ser viáveis com a tonelada de carbono a 20 dólares, em contraste com os 70 dólares recentemente observados no mercado europeu.  Créditos a esse preço podem também ser atraentes como mecanismo de compensação de emissões para setores globais em que as tecnologias de mitigação de emissões ainda sejam caras ou inexistentes, reduzindo assim o risco inflacionário frequentemente associado ao enfrentamento da mudança climática.

Para crescer, qualquer mercado precisa de regras claras e produtos bem definidos, que permitam uma formação de preço robusta e transparente. O Brasil tem vasta experiência no registro de instrumentos financeiros, desde os primórdios da CETIP, o que dá confiança de que os negócios com créditos de carbono poderão ter legitimidade e transparência de nível internacional. Mas, para o mercado de carbono ter escala também é preciso que a oferta de carbono evitado ou sequestrado passe do atual caráter artesanal para uma massificação, com integridade e sem custos excessivos de certificação.

Tecnologias baseadas em imagens de satélite e a sistematização do conhecimento do impacto da alimentação nas emissões do gado, ou do manejo das pastagens ou sua integração com a lavoura e floresta no sequestro de carbono no solo, são algumas ferramentas para a “comoditização” dos créditos de carbono e caminhos para esse mercado adquirir escala e liquidez. A urgência da difusão desse tipo de conhecimento tem pautado a ação de lideranças como o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável–CEBDS.

O desenvolvimento de leilões e plataformas de negócios—eventualmente com preços mínimos proporcionais à adicionalidade ou outros atributos do carbono sequestrado—facilitaria a formação de um preço de mercado para o carbono brasileiro, atendendo compradores, investidores e agentes financeiros. A recente disposição do BNDES de intermediar esse tipo de processo é alvissareira, especialmente se atrair compradores estrangeiros confiantes na qualidade do carbono sequestrado ou evitado no Brasil. Parcerias com instituições internacionais podem ser úteis para a definição e aceitação global de parâmetros mínimos para o carbono lastreando esses créditos. 

Finalmente, será bom termos um mercado de carbono regulado com metas para emissões do setor industrial brasileiro e espaço para compensações com soluções baseadas na natureza. Ele ajudará o sistema financeiro a promover investimentos na mitigação de emissões e no sequestro de carbono no Brasil, inclusive em propriedades rurais, ampliando a oferta de produtos verdes aos seus clientes.

  • Publicado originalmente no jornal Valor Econômico

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Joaquim Levy é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Ex-Ministro da Fazenda, Levy é engenheiro naval pela UFRJ, mestre pela FGV e PhD em economia pela Universidade de Chicago. Tendo sido CFO e Diretor Gerente do Banco Mundial e Vice-Presidente de Finanças do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele foi Presidente do BNDES e Secretário do Tesouro Nacional do Brasil, além de ter trabalhado no mercado financeiro, tendo sido responsável por uma das principais gestoras de ativos do país.

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