Sem a adequada capacitação do médico, até a mais sofisticada tecnologia pode resultar em impactos negativos para o paciente. Exigência de certificação para cirurgias robóticas é um exemplo de medida importante para a qualidade e segurança da assistência.
A saúde é um setor que exige alta confiabilidade, e as tecnologias médicas precisam de profissionais treinados para que sejam corretamente utilizadas e gerem os resultados que delas se esperam: benefícios para o paciente. Sem o conhecimento e treinamento necessários, nem a mais sofisticada tecnologia faz o milagre da qualidade e segurança da assistência. Por isso, são fundamentais mecanismos que visam assegurar que esses recursos não se tornem vilões em mãos despreparadas.
A robótica é um bom exemplo: um exímio cirurgião com ampla experiência em procedimentos “a céu” aberto ou laparoscópicos só pode operar com robô depois de obter a certificação que o habilita para tal. O Einstein, que começou a realizar cirurgias robóticas em 2008 com profissionais que haviam sido treinados nos Estados Unidos, acumulou experiência e padrões de excelência que o tornaram um centro certificador credenciado pela Intuitive, o maior fabricante de sistemas robóticos do mundo. Hoje, certifica profissionais de toda a América Latina em um processo que começa com treinamento teórico on-line, vinda do cirurgião para acompanhar procedimentos realizados no Einstein e, depois, ida de um proctor do Einstein para fazer supervisionar ou auxiliar as primeiras cirurgias do profissional recém-certificado.
Tão importante quanto as competências para o ato cirúrgico, é o discernimento para avaliar quando a robótica (ou qualquer outra tecnologia) é indicada ou faz a diferença no desfecho. Na minha área (gastroenterologia), por exemplo, o robô pode não ser a melhor opção para operar um câncer de sigmoide (área do intestino grosso), porque esse procedimento envolve trabalhar campos distintos do abdome, o que pode tirar o benefício dessa tecnologia.
Por outro lado, em uma cirurgia simples como a hérnia inguinal, a robótica pode ser uma boa opção. Propicia melhor visualização que a laparoscopia e facilita o processo de sutura da tela que é colocada para reforçar a musculatura da região e evitar recidiva. Além disso, a rotação do braço do robô, especialmente no “punho”, poupa o médico dos movimentos desconfortáveis e cansativos exigidos no procedimento por laparoscopia, evitando a fadiga do profissional. A cirurgia é mais rápida, e o paciente tem alta em poucas horas. Já no caso da bariátrica, é comum que pacientes perguntem qual a melhor opção. Atualmente, não temos essa resposta.
Ainda não há evidências científicas que demonstrem que um by pass robótico é melhor que um laparoscópico. Sabemos que ambos trazem bons resultados, mas, por enquanto, não temos indicadores de que um seja superior ao outro. Mais estudos precisam ser realizados.
Qualquer nova tecnologia assistencial só faz sentido se trouxer benefícios superiores ou pelo menos não inferior às técnicas já consolidadas. E só trará benefícios com capacitação adequada do profissional. Eu fiz certificação em robótica em 2008, e novamente em 2017, esta com foco principalmente em câncer colorretal. No ano seguinte, outra novidade me chamou a atenção, desta vez uma nova técnica para tratamento de hemorroidas – a Desarterialização Hemorroidiária Transanal (THD), desenvolvida na Itália.
Fui fazer o treinamento no Hospital Gemelli, e trouxe a técnica para o Brasil. Sem conhecimento, pode-se colocar a técnica em risco e, em vez de uma hemorroida tratada, ter um paciente com dor crônica ou hemorragia. As indústrias costumam buscar caminhos para assegurar a boa aplicação das tecnologias que desenvolvem. Assim, além de ajudar com os relatórios para registro do equipamento na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acabei sendo convidado pelo fabricante para ser proctor do THD no Brasil. Na época, passei muito tempo dedicando meus sábados ao treinamento de cirurgiões nos mais diversos estados brasileiros.
Com uma frequência cada vez maior, inovações em equipamentos e dispositivos médicos chegam ao mercado. A primeira pergunta a ser feita pelos médicos é se a novidade agrega benefícios aos pacientes. Se a resposta for positiva, e o profissional estiver interessado em adotá-la, o passo seguinte é buscar capacitação para fazer bom uso dela. Pacientes também têm perguntas a fazer. A primeira é: “que benefícios essa tecnologia me traz em relação a outras alternativas?” Entendido os ganhos, vem a segunda missão do paciente para tomar a decisão: saber se o médico está preparado para usar essa tecnologia e qual sua experiência com ela.
Considerando todos esses aspectos, asseguram-se cuidados médicos em céu de brigadeiro, com tecnologias bem selecionadas e profissionais aptos a utilizá-las, pilotando a assistência que conduz os pacientes aos melhores resultados.