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Claudio Felisoni de Angelo

O uso do cachimbo entorta a boca

Valorizar o contraditório amplifica a percepção do cenário e contribui para que o exercício da política alicerce a economia

Debate

Quando alguém coloca a atenção em uma determinada direção tudo que está fora escapa aos sentidos | Foto: Getty Images

Nos processos propostos para superação de algum vício sempre se estabelecem uma sequência de passos. Em todos eles o primeiro passo é o reconhecimento da situação de dependência. Sem isso não se avança no caminho da libertação.

Tal ideia motivou o início deste artigo que aborda a polarização política e suas consequências. A conexão entre as duas situações está no referido primeiro passo. Ou seja, um chamado à consciência, independentemente de qualquer opção que eventualmente seja assumida.

A definição de política não é trivial. Entretanto, vamos partir do termo grego politikos.  A palavra, em sentido estrito, designava os cidadãos que viviam na polis, ou seja, aqueles habitantes da cidade. Em um contexto amplo representava a própria sociedade organizada e, portanto, as relações entre todos os indivíduos.

São essas relações que efetivamente criam potencialidades econômicas.  Como afirma o economista austríaco L. V. Mises “Valor não é intrínseco: não reside nas coisas: Valor está dentro de nós; é a forma com que o indivíduo reage às condições do ambiente”. Portanto, sem a política, o valor das coisas permanece apenas como uma possibilidade.

É nesse ponto que se traz a consideração uma interessante pesquisa realizada nos Estados Unidos com 1100 pessoas. Para esses indivíduos foram apresentados dois problemas de matemática. Em ambos só havia uma resposta correta. O primeiro se referia à relação entre a utilização de um creme e o surgimento de problemas de pele. A outra questão tratava do controle de armas de fogo e a criminalidade. As duas questões embora com enunciados distintos tratavam do mesmo problema matemático. O que se observou?

O experimento no caso do creme mostrou uma clara correlação entre a formação em matemática e o acerto da resposta. Ou seja, a racionalidade prevaleceu. Entretanto, ela não se verificou quando o exercício foi formulado com a questão das armas. Aí, a racionalidade deixou de ser um bom indicador. Ou seja, não mais a habilidade matemática se correlacionou com o grau de acerto. Outra variável apareceu: o posicionamento político da pessoa. A resposta dada se associou primordialmente à situação política do indivíduo independentemente da racionalidade exigida pela aplicação do pensamento matemático.

Evidencia-se no que se descreveu o partidarismo. Nessas condições os respondentes procuram ser consistentes com o conjunto de valores que regem o grupo político de que fazem parte ao arrepio da verdade. A maneira como formam as percepções está antecipadamente determinada por esses valores: “O uso do cachimbo entorta a boca”.

A percepção é um processo seletivo. Quando alguém coloca a atenção em uma determinada direção tudo que está fora escapa aos sentidos. Esse processo é obviamente natural. Entretanto, sem a consciência dessa limitação, toma-se a parte como expressão inequívoca do todo.

É o que caracteriza os indivíduos como closed-minded people. Essas pessoas não questionam, porque são movidas pela certeza. Irritam-se, se instadas a explicar as bases de suas opiniões, pois partem do pressuposto que tudo está absolutamente claro por si só. De modo oposto há os open-minded people. São aqueles que ouvem e examinam criticamente os argumentos opostos as ideias previamente formuladas.

Passar de um estado a outro não é simples, mas é um exercício que precisa ser feito. Ter a consciência dessa situação é o primeiro passo: mudar a posição do cachimbo, por mais desconfortável que seja, ajuda a não ter a boca definitivamente deslocada. É algo para todos, contudo, absolutamente essencial para os formadores de opinião. Seja qual for a posição final, valorizar o contraditório amplifica a percepção do cenário e contribui para que o exercício da política alicerce a economia. Pelo menos a análise dos fatos deve seguir pelo caminho do meio: in medio virtus.

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Claudio Felisoni de Angelo é professor e coordenador de Projetos da FIA Business School, ligada à Fundação Instituto de Administração da USP. Preside o conselho Laboratório de Finanças e Programa de Administração de Varejo da FIA. É professor titular do Departamento de Administração de Empresas da FEA/USP e presidente do IBEVAR - Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo.

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