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Piora da expectativa de inflação reduz chance de queda da taxa Selic

Copom pode cortar a Selic após um período de pausa, na esteira do eventual da queda dos juros nos EUA, mas isso talvez só aconteça no ano que vem

Taxa Selic

O consumo das famílias vem crescendo em média 3% ao ano desde 2022, mas não está muito maior do que antes da pandemia | Foto: Getty Images

Quando a demanda da economia está acima da oferta agregada, a inflação tende a subir. Esse risco não é saliente no Brasil agora, quando se considera a evolução recente da conta corrente com o resto do mundo, segundo a análise do Banco Safra. Essa conta mede o quanto a absorção interna é maior do que a oferta e o país está atraindo capital para manter seu padrão de consumo. O déficit de conta corrente do Brasil diminuiu quase um ponto percentual do PIB no último ano, tendo brevemente desaparecido no começo de 2024.

Esse desempenho espelha uma oferta de bens transacionáveis crescente e capaz de acomodar o crescimento do consumo através de mais importações, em um quadro em que o investimento ainda se mantém baixo.

O consumo das famílias vem crescendo em média 3% ao ano desde 2022, mas não está muito maior do que antes da pandemia. Na média, ele cresceu apenas 1,3% ao ano nos últimos quatro anos.

Apesar das vendas de varejo já superarem o patamar anterior à pandemia em 4,9%, o volume de serviços prestados às famílias apenas se aproximou do nível que vigorava no início de 2020. Portanto, ainda há espaço para expansão da demanda pelas famílias, a qual deverá se realizar dados os ganhos de poder de compra gerados pela desinflação, a ampliação do crédito na esteira da redução dos juros a partir de meados de 2023 e um mercado de trabalho que tem se mostrado resiliente, com aumento médio do número de ocupados de 300 mil por trimestre. Assim, o consumo das famílias deve crescer em torno de 3,0% também em 2024, levando a expansão acumulada em 5 anos a 8,5%, equivalente a uma média de 1,6% ao ano, segundo as estimativas do Banco Safra.

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Em contraste com o consumo, as exportações brasileiras em volume cresceram 19% desde o começo da pandemia e devem continuar subindo em ritmo forte nos próximos meses. Com o contínuo crescimento da venda de commodities agrícolas, energéticas e metálicas, o saldo comercial brasileiro deve ficar em torno de US$ 90 bilhões em 2024, mesmo considerando a expectativa de forte aumento do volume das importações, em torno de 7%. A expansão da produção e exportação das commodities ajuda a estabilizar o câmbio e tem efeito multiplicador sobre os demais setores da economia: em 2023, o aumento do PIB do setor agro contribuiu para o setor de transportes crescer 2,6%.

O bom desempenho das exportações brasileiras tem-se dado apesar da queda relativamente generalizada do preço das commodities, inclusive de energia. A estabilidade dos preços das commodities deve persistir, apesar dos recentes sinais de mais atividade econômica na China. O preço do petróleo, por exemplo, deve se manter estável—mais perto de US$ 80 por barril do que US$ 90, em vista das projeções da EIA (US Energy Information Administration) que apontam para uma desaceleração da demanda mundial por petróleo, cujo crescimento deve cair de 2,0% em 2023 para 0,9% nesse ano.

A redução do preço das commodities em moeda local propiciou uma deflação no atacado de 5,4% ao longo dos últimos doze meses, fazendo com que o aumento do preço de algumas commodities agrícolas no começo de 2024 e mais recentemente do cobre não seja muito preocupante.

O bom desempenho do setor externo não impede a inflação, se houver gargalos no mercado de trabalho. Mesmo as exportações permitindo o aumento das importações sem pressão no câmbio, pode haver alguma inflação se o mercado de trabalho estiver superaquecido. De fato, as taxas de desemprego no Brasil vêm caindo, mas não se vê uma disparada da remuneração do trabalho, apesar do crescimento do rendimento médio nominal em relação ao ano anterior estar em 8,9% no primeiro trimestre desse ano, portanto bem acima da meta de inflação de 3%. Esse crescimento veio puxado por aquele entre os trabalhadores autônomos (+10,7%) e empregados sem carteira de trabalho assinada (+10,4%).

Por outro lado, o rendimento médio nominal de empregados com carteira de trabalho assinada cresceu 7,1% nos últimos doze meses, e apenas 3,7% anualizados no primeiro trimestre desse ano em relação ao quarto trimestre do ano passado, com ajuste sazonal. Parte do crescimento do rendimento, especialmente entre os empregados sem carteira, reflete um efeito composição, com aumento da proporção de trabalhadores com mais educação, conforme Relatório Semanal de 15 de janeiro de 2024.

Por seu lado, os dissídios coletivos, ainda que até agora estejam em torno de 5%, devem continuar se abrandando, dado que eles tipicamente refletem a inflação corrente do INPC, e o crescimento sobre 12 meses deste índice está em apenas 3,2%.

A adequação do ritmo de crescimento do rendimento médio do trabalho pode ser avaliada pela análise da evolução do custo unitário do trabalho. Em nossos exercícios, essa medida cresceu 6,4% no 4T23 em relação ao 4T22, apenas ligeiramente acima da média de crescimento no período anterior à pandemia (Gráfico 7).

No começo de 2024 esse custo unitário pode ter aumentado, com a população ocupada crescendo mais rápido que o PIB, mas não há indicação de que essa deterioração será persistente, salvo se houver forte desaceleração da economia nos próximos meses. A relativa aceleração do custo unitário do trabalho tem sido compensada pela queda dos preços de outros insumos no atacado, permitindo que os custos de produção das empresas mantenham-se bem comportados.

A moderação dos custos de produção ajuda a explicar a redução da inflação ao consumidor em um quadro sem excesso de demanda nos últimos trimestres. A inflação ao consumidor (IPCA) acumulada em doze meses atingiu 3,7% em abril, com redução dos núcleos (componentes menos voláteis da inflação, que procuram capturar a inflação subjacente) e do índice de difusão. A média móvel trimestral, com ajuste sazonal e anualizada, do índice cheio está abaixo do centro da meta, sendo que a média dos núcleos de inflação ficou em 3,0% e a inflação de serviços em apenas 3,2%.

O núcleo da inflação de serviços (inflação de serviços subjacente), que representa 21% do IPCA e cerca de 59% da inflação de serviços, ficou em 4,8% na média dos últimos três meses com ajuste sazonal e anualizada, acima do padrão do período de 2017-19 de 3,4%. Essa pressão foi concentrada nos três primeiros meses do ano, com destaque para serviços bancários e condomínio (Tabela 1).

O fim da pressão nesses dois itens permitiu que a variação mensal de abril ficasse em 3,9%, com ajuste sazonal e anualizada, aproximando do ritmo anterior à pandemia, como mostra a Figura 9. Assinale-se que para evitar esse tipo de efeito de reajustes isolados em alguns itens, os núcleos da inflação em alguns países são calculados com auxílio de filtros, que suavizam a variação da inflação.

Uma métrica adotada há algum tempo pelo BACEN para avaliar os riscos de pressões no mercado de trabalho transbordarem para a inflação ao consumidor é aquela que captura os serviços mais sensíveis à ociosidade. Esses são itens que a análise econométrica das séries de IPCA indica tenderem a subir quando há excesso de demanda e/ou mercado de trabalho está muito apertado.

O índice de serviços mais sensíveis à ociosidade tem desacelerado e caminha em direção ao centro da meta, o que é uma boa notícia.

O BACEN mais recentemente tem dado atenção a um tipo de núcleo pouco usado fora do Brasil, mas que procura capturar algumas idiossincrasias da nossa economia, especialmente no período pós pandemia.

Essa métrica denominada de serviços intensivos em mão de obra inclui apenas 12 subitens do IPCA, que correspondem a 6,1% do índice de inflação oficial (Tabela 2).

Apesar de não ter até agora apresentado poder preditivo da inflação comparável àquele de outros núcleos, seu uso procura aferir possíveis pressões no mercado de trabalho, que possam resultar em repasse para a inflação. Esse índice se compõe de basicamente três grupos de serviços: “mão de obra”, ou seja, serviços avulsos como pedreiros para serviços particulares e serviços domésticos; serviços de saúde (médico, dentista, ortodontia); e serviços de cuidado pessoal (barbeiro e cabelereiro, manicure e mais recentemente o tratamento de sobrancelhas). O índice permanece pressionado, sendo o seu desvio em relação à média em 2017-19 concentrado em dentista, manicure e cabeleireiro.

Não é óbvio o significado da pressão sobre o preço de alguns dos doze serviços do índice de serviços intensivos em mão de obra para uma alta generalizada dos preços, mas é possível que ela possa ser atribuída à maior procura por serviços de saúde e cuidados pessoais desde o fim da pandemia, dado o hiato na prestação desses serviços durante o período de isolamento social.

O dinamismo de preços nesses segmentos também pode refletir uma maior folga na renda disponível das famílias, ou o desvio da demanda por pequenos serviços a um tempo em que o consumo de bens duráveis ainda é limitado pelo custo do crédito ao indivíduo.

Por outro lado, a inflação de empregado doméstico segue comportada e a inflação de serviços total está arrefecendo, o que sugere que a alta de alguns serviços intensivos em mão de obra reflita primordialmente a substituição da demanda de alguns bens e serviços por outros e não um risco de transbordamento de alguma pressão no mercado de trabalho para a inflação ao consumidor, até em vista do comportamento recente do índice de serviços mais sensíveis à ociosidade.

Essa dificuldade de inferir a implicação da subida de alguns itens em um índice particular, especialmente não sendo eles regulados, reforça a necessidade de analisar indicadores mais abrangentes, que incluam maior quantidade de subitens para minimizar o risco de que mudanças de preços relativos sejam confundidas com uma alta generalizada de preços que define os processos inflacionários.

A expectativa de bom comportamento futuro da inflação também encontra conforto na queda do índice de difusão, que captura a proporção dos itens do IPCA que sofreram aumento em certo período, que levou o índice a apenas 59% no mês passado, patamar historicamente baixo. A queda do índice de difusão indica que os aumentos de preços estão concentrados em uma menor parcela de subitens do que no passado, dando maior robusteza à redução das pressões inflacionárias dos últimos trimestres.

Em contraste com a evolução da inflação recente, as expectativas de inflação do consenso dos economistas informadas ao BACEN subiram nas últimas semanas. Essas expectativas, primordialmente de economistas em instituições financeiras e consultorias, são um importante insumo para as projeções de inflação da autoridade monetária, sendo acompanhadas em alguns casos por avaliações subjetivas informadas em questionários periodicamente enviados pela autoridade monetária a esses economistas.

Entende-se que a subida das expectativas veio acompanhada de mais referências a incertezas no ambiente internacional e nas perspectivas fiscais no Brasil, tendo o BACEN também conjecturado se elas refletem alguma mudança de sentimento em relação ao compromisso da instituição com o atingimento das metas de inflação. Como qualquer expectativa, as enviadas ao BACEN pelos economistas que formam o universo do Focus nem sempre se realizam.

Há um ano, o Relatório Focus expressava a expectativa de que o IPCA estivesse próximo de 5% no momento atual, um valor, no entanto, acima do IPCA verificado, atualmente em 3,7%.

O aumento das expectativas de inflação do Relatório Focus, a despeito da evolução recente da inflação, contribuiu para levar a projeção de inflação de 2025 do BCB para 3,3% na última reunião do Copom, considerando a hipótese de que a taxa Selic encerraria 2024 em 9,63% a.a.

Essa subida, considerando a trajetória da Selic até a época, tem efeitos sobre a condução da política monetária. Após esse comitê, ocorreu mais um movimento altistas das expectativas dos economistas, o que pode ter elevado mais um pouco a projeção de inflação da autoridade monetária, com reflexo na trajetória de juros de sua preferência.

Dada a sinalização da última ata de que “a política monetária deve se manter contracionista e a taxa de juros terminal será aquela que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas de inflação em torno das metas”, os movimentos altistas das expectativas no Relatório Focus provavelmente restringem grandemente o espaço para cortes da Selic nas próximas reuniões do COPOM.

Em suma, mesmo considerando serem poucos os indícios de excesso de demanda na economia brasileira, com crescimento saudável do consumo das famílias, custos de produção bem-comportados e núcleos de inflação próximos do centro da meta, tem havido uma alta nas expectativas de inflação reportadas ao BACEN, que torna menos prováveis cortes de juros nas próximas reuniões do COPOM, não obstante a Selic estar em terreno restritivo, cerca de 200 pontos bases acima do taxa de juros neutra, considerando uma inflação abaixo de 4% anuais.

Assim, alteramos nossa expectativa para apenas mais uma redução da taxa Selic nesse ano, na ausência de mudanças nas expectativas do FOCUS ou sinalização do Banco Central, deixando-a em 10,25% no final de 2024. O BCB poderá cortar a Selic após um período de pausa, possivelmente na esteira do eventual relaxamento da política monetária americana e na ausência de efeitos mais profundos ou persistentes do desastre no Rio Grande do Sul sobre o IPCA, mas isso talvez só aconteça no ano que vem.

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