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Agência Estado

Combustível eleitoral

Ficou evidente que o pacote de medidas do governo é uma iniciativa eleitoreira, destinada a morrer na praia ou, se aprovada, gerar rombos fiscais futuros

Combustível eleitoral

Não há certeza de que a diminuição do preço com o corte do imposto será repassada ao longo da cadeia de distribuição | Foto: Getty Images

Mídia, mercado e setores políticos costumam dar certo crédito inicial a pacotes governamentais com medidas de largo alcance como as que estão sendo propostas por Jair Bolsonaro para tentar reduzir o preço dos combustíveis. Mesmo quando céticos, dão ao Planalto, inicialmente, o benefício da dúvida em relação à viabilidade do pacote. Desta vez, porém, ninguém está procurando disfarçar: todo mundo sabe tratar-se de uma iniciativa escancaradamente eleitoreira, destinada a morrer na praia ou, se aprovada, gerar rombos fiscais futuros — sem falar no estelionato eleitoral.

Anunciado sob forte pressão política, o pacote parece ser a última tentativa do Centrão governista de reerguer a candidatura Bolsonaro. Parte do raciocínio de que o preço dos combustíveis, uma injeção na veia da inflação, é o responsável por sua estagnação nas pesquisas.  Uma aposta duvidosa.

Antes de tudo, porque passa pela aprovação de uma PEC, proposta de emenda constitucional, que exige votação em dois turnos, por três quintos dos votos, separadamente, na Câmara e no Senado. Só esse instrumento legal permitiria ao governo furar o teto de gastos (mais uma vez) para dispor de algo entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões para ressarcir a perda de arrecadação do ICMS pelos estados — cujas estimativas são bem maiores, chegando a R$ 80 bilhões.

O Centrão de Arthur Lira — sentado ao lado de Bolsonaro no anúncio do pacote — pode muito na Câmara, mas não pode tudo. Às vésperas do recesso, em meio à ânsia dos deputados para voltar à campanha de reeleição nas bases, não é uma operação simples votar uma PEC. Haja orçamento secreto para azeitar esse caminho.

No Senado de Rodrigo Pacheco — que, do outro lado do presidente, com feição constrangida, limitou-se a falar platitudes — a situação é ainda menos favorável. Senadores são mais sensíveis a demandas dos governadores, que estão, em peso, contrários à redução do ICMS, prevista não só na PEC mas no projeto que tabela esse imposto em 17%, já aprovado na Câmara. Esse último deve ser aprovado, mas com mudanças que o levariam de volta à outra Casa. Ou seja, mais tempo.

Ainda que supere as dificuldades legislativas e coloque as medidas de pé, Bolsonaro não tem garantias de que terão impacto significativo na redução da inflação. Não há certeza de que a diminuição do preço com o corte do imposto será repassada ao longo da cadeia de distribuição/venda dos combustíveis — e nem se essa redução chegará à percepção da maioria das pessoas. Muito menos ainda em relação ao comportamento dos preços no mercado internacional.

Sem falar na dificuldade do governo em ocultar da opinião pública seu propósito descaradamente eleitoreiro — mais claro ainda com a informação do ministro Paulo Guedes de que as medidas do pacote terão vigência apenas até 31 de dezembro. Um estelionato eleitoral contratado.

A essa altura, esbarra-se na dúvida mais crucial: haverá tempo para uma queda dos combustíveis que gere redução da inflação e que, por sua vez, isso passe à maioria do eleitorado sensação de bem-estar suficiente para mudar de voto? A pouco mais de cem dias das eleições, é uma expectativa para lá de duvidosa, quase uma miragem.

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